Os impactos da reforma tributária no ITCMD envolvendo doador, de cujus e/ou herança no exterior


Os impactos da reforma tributária no ITCMD envolvendo doador, de cujus e/ou herança no exterior


Já não é novidade que a Reforma Tributária objeto da Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 45/19, recentemente aprovada pela Câmara dos Deputados, traz impactos outros além da pretendida simplificação do sistema tributário nacional e a substituição de tributos, implicando aumento de carga tributária para alguns setores da economia do país. 

A proposta de reforma contempla em seu texto normas que certamente refletirão diretamente no planejamento patrimonial familiar e sucessório, em relação ao Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD).

Atualmente, a Constituição Federal prevê, em seu art. 155, § 1º, III, que a competência para instituição do ITCMD depende de lei complementar nos casos em que o doador tiver domicílio ou residência no exterior ou, em caso de transmissão de bem em razão da morte, se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o inventário processado no exterior. 

Apesar de essa lei complementar nunca ter sido editada, muitos estados exigiam o imposto sob alegação de exercício de competência legislativa plena, razão pela qual o tema chegou ao STF. Foram então julgados o Tema 825 de Repercussão Geral (RE nº 851.108/SP) e 14 ADIs sobre a matéria, afastando a cobrança do ITCMD pela ausência de lei complementar regulamentando a cobrança.

Como até a presente data não houve a edição de lei complementar pelo Congresso, é possível buscar a aplicação desse entendimento firmado pelo STF aos casos em que há a transmissão de bens localizados no exterior para herdeiros necessários, a título de antecipação de legítima, a fim de equiparar o tratamento tributário dado à transmissão causa mortis, de modo que não deve haver a cobrança do ITCMD sobre essas transmissões.

Contudo, caso a PEC 45/2019 seja aprovada, a transmissão de bens localizados no exterior ou em que doador seja residente/domiciliado no exterior será tributada independentemente da edição da lei complementar, de forma a cessar a janela de oportunidade criada a partir do julgamento do STF, que reforçou a necessidade de lei complementar para a cobrança do imposto pelos Estados, nos casos de doador, de cujus ou herança no exterior.

O texto da emenda prevê a inclusão de norma no ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias para validar  a instituição e cobrança do ITCMD, “até que a lei complementar regule o disposto no art. 155, §1º, III”, dispondo que: (i) se o doador tiver domicílio ou residência no exterior será devido o ITCMD para o Estado onde tiver domicílio o donatário ou ao Distrito Federal; (ii) se o donatário tiver domicílio ou residir no exterior, ao Estado em que se encontrar o bem ou ao Distrito Federal; (iii) no caso de transmissão causa mortis, relativamente aos bens do de cujus, ainda que situados no exterior, caberá o imposto ao Estado onde era domiciliado, ou, se domiciliado ou residente no exterior, onde tiver domicílio o herdeiro ou legatário, ou ao Distrito Federal.

Portanto, verifica-se que, sob o pretexto de criar uma regra de transição até a edição de lei complementar, a proposta já traz a própria regulamentação para a instituição do ITCMD nas situações envolvendo doador, herança ou de cujus no exterior, a despeito do constituinte originário e do STF assinalarem a necessidade de lei da edição de lei complementar.

Assim, se aprovada a proposta de emenda nesses termos, é provável que os Estados editem leis estaduais para a instituição do ITCMD sobre as situações assinaladas. Inclusive, fica a dúvida se de fato haverá a posterior edição da lei complementar “prometida”.

Outro aspecto relevante nesse particular diz respeito ao início a cobrança do ITCMD nas situações tratadas na emenda. Para a norma em comento, a PEC 45 prevê a entrada em vigor na data da publicação da emenda constitucional.

Contudo, tendo em vista a criação de nova hipótese de incidência tributária, não estariam os Estados obrigados a respeitar a anterioridade, prevista no texto constitucional? A nosso ver a resposta é positiva, pois restará inaugurada uma relação jurídico-tributária inédita para a cobrança do ITCMD sobre situações envolvendo doador, herança ou de cujus no exterior, devendo se submeter aos preceitos da anterioridade tanto nonagesimal quanto anual, previstas no art. 150, III, “b” e “c”, da Constituição. 

Inclusive tendo em vista que o ordenamento jurídico não admite a constitucionalização superveniente, tampouco a convalidação da norma instituidora de tributo eivada de ilegalidade e inconstitucionalidade em sua origem, de modo que as leis estaduais anteriores que previam a cobrança do ITCMD sobre as situações em tela não poderão ser convalidadas. Assim, os Estados e o Distrito Federal terão que editar leis ordinárias novas para a instituição da cobrança, nos moldes da emenda constitucional, as quais deverão se sujeitar à anterioridade (nonagesimal e anual) para que possa ser cobrado o imposto.

Portanto, considerando a expectativa de aprovação da reforma tributária nos moldes da PEC 45, o “timing” para os planejamentos sucessórios e as discussões judiciais envolvendo o ITCMD sobre bens no exterior, nos casos em que se possa configurar a antecipação da legítima, tornou-se muito relevante para as famílias.