Visual Law: elementos do design que transformam o Direito


Visual Law: elementos do design que transformam o Direito


Por Raquel Ezagui Madureira e Yasmin Sevaybricker Vilanova Pereira

A linguagem própria do mundo jurídico, popularmente conhecida por “juridiquês”, a qual se apresenta como uma forma escrita e textual dos documentos jurídicos, infelizmente, não permite, por si só, que todos os cidadãos compreendam as regras do Direito e a sua aplicação, inviabilizando o acesso à justiça, direito fundamental previsto na Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso XXXV. 

Isso porque, grande parte dos profissionais do Direito no Brasil, utilizam o emprego de palavras e expressões rebuscadas e ornamentadas como estratégias para a elaboração de seus discursos, sem se importar muitas vezes se o destinatário final daquele conteúdo terá condições de entender a mensagem que está sendo passada.  

Essa tradição resulta na elaboração de documentos prolixos e prejudica não só a compreensão dos destinatários finais, dos jurisdicionados, mas a credibilidade do próprio Judiciário. Neste sentido, uma “alfabetização visual” ganha força entre os profissionais do Direito, com o uso das ferramentas de Design Thinking e Legal Design, tendo como resultado documentos com a utilização de Visual Law, que possibilitam o melhor entendimento do Direito e, consequentemente, o tornam mais acessível. 

O Design Thinking é conhecido como uma metodologia focada em organizar o processo criativo e gerar soluções para problemas, ao passo que o Legal Design é a forma como avaliamos e desenhamos peças e negócios jurídicos de maneira simples, funcional, atrativa e com boa usabilidade, ou seja, que o destinatário final consiga entender a mensagem que está sendo passada pelos operadores de Direito.   

Conhecido como uma subárea do Legal Design, o Visual Law torna o Direito mais compreensível e claro, por meio de elementos visuais. Ele é capaz de sintetizar conteúdos em vídeos, animações, esquemas, infográficos, linhas do tempo, bem como de destacar fatos e argumentos relevantes, além de inúmeras outras possibilidades, a depender do caso concreto. 

É necessário esclarecer que a utilização dos elementos visuais não deve se tornar o objetivo do documento jurídico, mas um meio para atingir esse objetivo, o qual consististe em promover a efetiva compreensão de seu conteúdo aos seus usuários. Em outras palavras, o Visual Law deve ser a forma de se levar o entendimento dos textos e das normas de forma clara para o seu destinatário, seja ele quem for e, para isso, ele propõe uma comunicação muito apoiada nas imagens como complemento do texto, que já é tão sedimentado no mundo jurídico. 

Assim, se antes os textos, peças processuais, pareceres e contratos eram focados nos operadores do Direito e na linguagem jurídica, o objetivo hoje, a partir do Legal Design, é que esses documentos sejam elaborados de acordo com o entendimento e as necessidades do destinatário, ou seja, que quem realmente será afetado por aquele documento tenha plena compreensão do que está escrito, independentemente de ter uma formação jurídica.  

A utilização dos elementos do design no Direito auxilia na elaboração de peças processuais mais precisas e compreensíveis e, se isso for bem executado pelo advogado, possibilita a eficiência da prestação jurisdicional, uma vez que o julgador terá mais facilidade em entender o caso concreto para fundamentar a decisão. 

A ideia é simplificar uma gama relativamente volumosa de conteúdo em um produto de poucas páginas e fácil acesso, de maneira interativa, almejando sempre a máxima eficiência e absorção do interlocutor, garantindo a ele o máximo de informações sobre o caso, de forma clara e compreensível, independentemente da complexidade. 

Um exemplo que ilustra com eficiência os benefícios do Visual Law, é a utilização de uma simples imagem para a representação de uma árvore genealógica familiar, como substituição aos longos e confusos textos que podem levar tempo para serem finalmente compreendimentos pelo julgador em um processo de inventário.   

Já no âmbito consultivo, é de se destacar o movimento de grandes empresas que estão adaptando seus contratos para que a “parede de textos” que nunca era lida, se torne um documento agradável e de fácil entendimento para os destinatários finais, sejam eles externos (consumidores) quanto internos (os próprios empregados).  

No que diz respeito ao contencioso, foi nesse sentido que, no final do ano de 2020, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, órgão responsável pelo direcionamento e normatização do Poder Judiciário Brasileiro, publicou a Resolução nº 347/2020, incluindo, pela primeira vez, a expressão “Visual Law”. O documento, assinado pelo Ministro Luiz Fux, traz o conceito do termo e incentiva a utilização das técnicas visuais para tornar o Direito mais claro e compreensível. 

Além do Conselho Nacional de Justiça – CNJ, os julgadores também estão bastante receptivos ao uso de elementos visuais nas peças processuais. Recentemente, na 10ª Vara Cível e de Acidentes de Trabalho da Comarca de Manaus/AM, uma petição inicial que utilizava o Visual Law foi indeferida pela Juíza Mônica Cristina Raposo da Câmara Chaves do Carmo, sob o argumento de que se tratava de um documento formal e não de um portfólio digital. 

Inconformado com o indeferimento da inicial em razão da utilização do Visual Law, o advogado interpôs recurso de apelação, levando a discussão ao Tribunal de Justiça do Amazonas, que, ao analisar o recurso interposto, verificou que a petição cumpriu todos os requisitos do CPC e teceu, em sua fundamentação, sua estima ao Visual Law: “O visual law consiste em uma forma de organização visual dos dados que permite que um conteúdo denso, excessivamente técnico, com linguagem jurídica, seja apresentado em um formato simples, com fácil leitura e interpretação de dados, utilizando-se QR Code, gráficos, imagens, entre outros.” 

Ainda a título de exemplo, em recente decisão, a juíza de Direito Larissa Cerqueira de Oliveira criticou uma petição de 60 páginas e sugeriu o uso de técnicas de?Visual Law. Para a magistrada, petições prolixas não apenas ofendem a “celeridade processual”, como também a “qualitativa produtividade do Judiciário”. A julgadora,?titular da 2ª Vara do Foro de Presidente Epitácio (SP), destacou que o Poder Judiciário está sobrecarregado com a enorme quantidade de processos. De acordo com a magistrada, são “necessárias novas práticas e estratégias, inclusive dos advogados”, para enfrentar o problema. 

Os casos acima confirmam, mais uma vez, como o Visual Law apresenta um caminho cada vez mais cristalino e com menos barreiras linguísticas e tratados infinitos entre o Judiciário e seus instrumentadores.  Além de possibilitar um melhor entendimento das partes acerca do conteúdo das petições, o mecanismo infere uma clareza sem precedentes à todas as matérias que antes pareciam impossíveis de serem colocadas em texto. Até porque, nem tudo deve ser minimizado à caracteres. O Direito é muito mais do que um instrumento, é o fazer se entender em sociedade, é o comunicar com a certeza de que temos um trabalho muito mais árduo do que apenas peticionar em inúmeras laudas.  

O propósito do Visual Law, é justamente introduzir um ambiente de diálogo entre partes e seus procuradores e o judiciário. Todos têm, justamente, o direito de entender o que está escrito e até a melhor forma de decidir sobre o que se pede.  Os elementos do design vêm sendo utilizados há tempos, de forma que o seu aproveitamento tem sido cada vez mais abrangente.  

O universo jurídico está percebendo essa evolução e, com isso, adaptando-se e reinventando-se dentro dessa nova perspectiva, já sendo a aplicação do Legal Design e do Visual Law uma realidade que está alterando a forma do pensar e do escrever jurídicos, sendo que a efetividade dessas medidas ou não serão percebidas no futuro.