Por Juliana Federici Guedes, Luciana Marques Rodrigues Tolentino, Livia Carolina Silveira Costa, Carolina Costa Ribeiro de Oliveira Faria
Embora não tão nova, a modalidade contratual de teletrabalho ou trabalho remoto ganhou força após o isolamento social decorrente da pandemia do Coronavírus, momento no qual se percebeu a necessidade do trabalho a distância (home working). Criada com a Reforma Trabalhista, por meio da introdução de um novo capítulo na CLT dedicado especialmente ao tema, a modalidade tem o intuito de prestação do trabalho diretamente das residências dos trabalhadores com o uso das novas tecnologias da informação, tendo sido amplamente utilizada durante a pandemia, como forma de conter a disseminação do vírus.
Esse modelo de trabalho se mostrou muito vantajoso, tanto para as empresas como para o trabalhador. A partir do momento em que se percebeu a possibilidade de o trabalho ser executado em qualquer lugar, ao trabalhador foi permitida a gestão do próprio tempo dedicado ao trabalho e à economia de gastos com deslocamentos, gerando melhor qualidade de vida ao profissional. Por outro lado, possibilitou às empresas a redução de custos com o local de trabalho e uma maior e melhor produtividade de seus colaboradores, apesar da perda de sinergia entre as pessoas trabalhando presencialmente.
Com a ampla adoção dessa modalidade de contrato de trabalho, evidenciou-se a necessidade de se aprimorar a estrutura normativa do teletrabalho, o que resultou na publicação da Lei nº 14.442, em 05 de setembro de 2022. A legislação, de forma genérica, passou a assegurar aos trabalhadores que exercem o trabalho à distância os mesmos direitos dos trabalhadores presenciais, sem qualquer tipo de distinção, garantindo àqueles maior segurança jurídica.
Dentre as principais alterações, a nova lei estipulou que, ao contrato de trabalho do empregado admitido no Brasil que escolha exercer as suas funções em teletrabalho fora do país, deve ser aplicada a legislação brasileira, salvo disposição em contrário estipulada entre as partes.
Veja que, com a nova regulamentação do trabalho a distância, foi simplificada a opção de se trabalhar no Brasil e morar no exterior, sem perder qualquer benefício concedido pelas leis brasileiras, que, ressalta-se, são muito conhecidos por serem extremamente protetores dos direitos dos trabalhadores.
Embora a nova lei determine que é possível deixar de ser aplicada a legislação brasileira caso seja estipulada disposição em contrário entre as partes, deve-se ficar atento, neste caso, para que as cláusulas contratuais sejam mais benéficas ao trabalhador, haja vista a impossibilidade jurídica de o empregado se privar do recebimento de uma ou mais verbas de natureza trabalhista (princípio da irrenunciabilidade de direitos). Desta forma, é possível, eventualmente, ir com facilidade morar no exterior e continuar trabalhando no Brasil mantendo o seu contrato de trabalho com a empresa brasileira. Entretanto, atenção: antes de ir é importante saber todas as regras e conhecer todos os seus direitos.
Inicialmente, ressalta-se que os expatriados – situação em que a empresa é responsável pela transferência do empregado para prestar serviços no exterior – regem-se por legislação específica (Lei nº 7.064/82). Tal legislação determina que a empresa deve assegurar ao empregado, independentemente da observância da legislação do local da execução dos serviços, os direitos previstos na lei específica e a aplicação da legislação brasileira de proteção ao trabalho, naquilo que não for incompatível com a lei específica, isso quando mais favorável do que a legislação territorial no conjunto de normas em relação a cada matéria. Aplica-se, também, a legislação brasileira no que tange aos recolhimentos previdenciários e de FGTS na conta vinculada, de acordo com a real remuneração do empregado.
Em casos como estes, já existe jurisprudência firmada no sentido de que não há ruptura do contrato de trabalho quando um expatriado é transferido para o exterior passando a trabalhar para a empresa brasileira em empresa localizada no exterior, sendo, neste caso, configurada a ampliação do contrato de trabalho no Brasil, devendo ser aplicada a legislação brasileira para reger as relações trabalhistas e dos encargos.
Regra geral, tanto para os casos de trabalho à distância no exterior por opção do empregado quanto por determinação da empresa (expatriados), mantem-se o contrato de trabalho brasileiro ativo e a garantia de todos os direitos trabalhistas previstos na legislação brasileira, inclusive recolhimentos previdenciários e de FGTS.
Mas, e se o pagamento do salário for efetuado no exterior? Ainda que o pagamento do salário seja efetuado ou remetido ao exterior, deverão ser calculados e recolhidos o INSS e o FGTS conforme a legislação brasileira.
Importante observar que ocorrem situações em que o trabalhador passa a residir fora do Brasil, continuando a prestar serviços para a empresa brasileira, mas começa a prestar serviços também para a empresa estrangeira, recebendo salário de ambas as empresas (split payroll – parte da remuneração é paga pela empresa brasileira e outra parte paga pela(s) empresa(s) estrangeira(s) do mesmo grupo). Nestes casos, é pacífico o entendimento de que todos os encargos devem ser calculados com base na remuneração total.
No que tange ao imposto de renda, a empresa brasileira deverá reter o referido imposto quando da remessa do salário do empregado ao exterior, à alíquota de 25%.
Ora, então paira a dúvida: se tenho que recolher encargos trabalhistas e imposto no Brasil sobre salário recebido no exterior, tenho que pagar também os impostos no país de residência? Objetivando evitar a tributação em ambos os países, o Brasil possui acordo firmado com diversos países para evitar a bitributação, ou seja, a tributação em duplicidade sobre o mesmo rendimento do trabalho, de forma que a carga tributária ocorra em apenas um dos países membros.
Os acordos para evitar a bitributação, geralmente, possuem a previsão de que, quando um residente em outro país (que não o Brasil) receber rendimentos derivados do Brasil, deverá incluir referidos rendimentos na base de cálculo do imposto de renda deste outro país, sendo possível a dedução do imposto de renda pago no Brasil. Estes acordos possibilitam que a renda seja tributada somente em um dos países.
O Brasil também possui acordos internacionais de Previdência Social firmados com diversos países, cujo principal objetivo é garantir a totalização dos períodos de contribuição ou de seguro cumpridos nos países contratantes, para fins de assegurar os direitos de Previdência Social previstos no texto do acordo aos respectivos trabalhadores e dependentes legais, residentes ou em trânsito.
Dessa forma, em face desses acordos, o trabalhador pode utilizar o tempo de contribuição ou seguro cumprido em outro país com o qual o Brasil mantenha acordo, e vice-versa, para fins de cumprimento da carência exigida e demais requisitos para a obtenção do seu benefício, garantindo a cobertura dos riscos de invalidez, aposentadoria e morte.
Em síntese, com toda a regulamentação do trabalho a distância, seja a transferência para o exterior requerida pelo empregado ou determinada pela empresa, ficou de fato facilitado ao trabalhador morar no exterior e continuar prestando os serviços no Brasil, sem que isso implique em (i) perda de qualquer benefício trabalhista e previdenciário concedido pelas leis brasileiras; e (ii) dupla tributação dos rendimentos auferidos pelo trabalhador, quando houver acordo para evitar a dupla tributação entre o país de residência e o Brasil.