Reforma Tributária I Tributação dos fundos dos super ricos – Segurança jurídica ou justiça social


Reforma Tributária I Tributação dos fundos dos super ricos – Segurança jurídica ou justiça social


Entre Fundos Abertos e Fechados

“Os fundos de investimentos são comunhões de recursos, constituídos sob a forma de condomínios de natureza especial, destinados à aplicação em ativos financeiros, bens e direitos, de acordo com a regra específica aplicável à categoria do fundo”  e às normas da Resolução CVM n° 175, de 23 de dezembro de 2022, com as alterações introduzidas pela Resolução CVM n° 181/2023, as quais centralizam normativas referentes ao funcionamento, constituição e divulgação dos fundos.

Em função de viabilizarem o acesso à mercados e carteiras diversificadas com gestão profissionalizada, possibilidade de melhores retornos e menores riscos para investidores iniciantes e de aplicações com baixos investimentos iniciais, os fundos de investimentos, pouco a pouco, ganharam mercado, até mesmo em meio a população com menos ou pouca familiaridade com conceitos financeiros. Fato inconteste é que a utilização dos fundos de investimentos se expandiu, entre outros motivos, em função da facilidade proporcionada pelos acessos na palma da mão e à distância de um clique no celular.

Em regra, os Fundos de Investimento são considerados como Renda Fixa ou Renda Variável, conforme a composição de suas carteiras, tendo ainda como diferencial aqueles que são regidos por normas gerais e aqueles que os são por normas específicas .

Entre os Fundos, existem os abertos e os fechados, sendo, nos Fundos Abertos, possível a recepção de novos cotistas e resgate a qualquer tempo, enquanto, nos Fundos Fechados, não há tal prerrogativa, inclusive, pode ocorrer de terem apenas um quotista ou número reduzido de pessoas ou empresas, cujo resgate das cotas ocorre apenas ao final do prazo de duração, que em regra, se dá depois de longos anos.

Os fundos, são ainda classificados em função do prazo médio de suas carteiras:

I. Fundo de Investimento de longo prazo: aquele cuja carteira de títulos tenha prazo médio superior a 365 dias; e 

II. Fundo de Investimento de curto prazo: aquele cuja carteira de títulos tenha prazo médio igual ou inferior a 365 dias.

Foi exatamente quanto à classificação em função do prazo de duração dos Fundos que, para fins tributários, a partir de 1° de janeiro de 2005, houve distinção das alíquotas do Imposto de Renda Retido na Fonte, que variam de 15% a 22,5%, a depender da data do resgate e/ou da finalização do Fundo.

Por fim, a combinação das classificações entre fundos abertos e fechados e entre fundos abertos de curto ou longo prazo dá espaço para a delimitação da cobrança denominada de “come-cotas” a que os fundos abertos, diferentemente dos fechados, sujeitam-se. O come-cotas, nada mais é, em termos práticos, do que um adiantamento semestral do imposto, que acontece no último dia do mês de maio e do mês de novembro de cada ano, do valor do imposto de renda que será devido pelo rendimento das cotas, quando do resgate ou finalização do fundo. 

Em resumo, temos:

 

CURTO PRAZO

LONGO PRAZO

TIPO DE FUNDO

PRAZO

Até 180 dias

De 181 até 360 dias

De 361 a 720 dias

Mais de 720 dias

Fechado

Aberto

ALÍQUOTA IR

22,5%

20%

17,5%

15%

Fechado

Aberto

“COME COTAS”

(antecipação IR)

20%

20%

15%

15%

Aberto

Observação:

Não há “come-cotas” para os Fundos Fechados

Tabela realizada pelos autores em função da legislação vigente

Porque Fundo Fechado é o Fundo dos “super ricos”?

Entendidas as principais diferenças entre o Fundo Aberto e o Fundo Fechado, suas possíveis tributações e incidência ou não do “come-cotas”, chamamos a atenção para o fato de que os Fundos Fechados são usualmente utilizados na forma de fundos exclusivos (de um quotista investidor) ou restritos (de alguns quotista) e, devido aos requisitos e custos envolvidos, acaba por ser o foco de um grupo específico de pessoas, seletas, no Brasil: os chamados “super-ricos”. Por esse motivo, os Fundos Fechados têm sido comumente referidos como Fundos Exclusivos ou meramente como Fundos dos “super-ricos”.

Em função dos custos envolvidos nesse tipo de fundo, geralmente, de acordo com notícias do mercado, os investimentos iniciais giram em torno de R$ 10.000.000,00, valor este bem distante do alcance da maioria da população do Brasil.

O esperado aconteceu – a reação dos investidores

Os Fundos Exclusivos, formados por apenas um cotista, conforme notícia da Agência TradeMaps , detinham capital aplicado, em março de 2023, cerca de R$ 939 bilhões, divididos entre Fundos de Renda Fixa, Multimercados e Ações. Poucos meses depois, em avaliação realizada para a CNN , a mesma agência evidenciou que “Em abril, a plataforma computou o registro de 2.685 fundos. Agora em julho, 2.568, ou seja, 117 fundos de “super ricos” a menos. Com a redução do número de fundos, o patrimônio total registrado também caiu: de R$ 939 bilhões para R$ 756,76 bilhões, queda de R$ 183 bilhões”.

Mas qual o motivo do decréscimo? Alguns chamam tal fenômeno de fuga de capital, explicado – em partes – pela reação dos investidores à inúmeras notícias  veiculadas acerca  das declarações do Ministro da Fazenda Fernando Haddad sobre sua intenção e real possibilidade de enviar ao Congresso Nacional, até o dia 31 de agosto, juntamente ao Projeto de Lei Orçamentária Anual (PLOA), proposta de taxação dos Fundos Fechados, sob o argumento da igualdade e isonomia tributária, além de alavancagem do fluxo de caixa e possível superavit primário do governo federal. 

Em que pese haver notícia  de que a bancada do partido do atual presidente esteja disposta a “abrir mão” da tributação dos fundos fechados (exclusivos) para que as propostas econômicas do primeiro semestre sejam concluídas – destaque para a reforma da tributação sobre o consumo, fato é que, se e quando a intenção do Ministro Haddad se confirme e seja enviada proposta de taxação dos fundos dos “super-ricos”, a principal diferença entre os Fundos será derrubada, visto que incidirá o “come cotas”, a cada seis meses, também para os Fundos Exclusivos (Fechados).

A persistência é uma virtude? Histórico de tentativas de taxação

No entanto, essa intenção não é de hoje. Desde 2017, inúmeras tentativas, essas específicas aos fundos fechados, foram aventadas no decorrer dos anos, sendo que nenhuma delas alcançou êxito em sua aplicabilidade. A régua temporal da avaliação realizada, destaca-se da seguinte forma:

 

A começar pela Medida Provisória n° 806, de 2017 ,  a intenção era de que o “come cotas” (antecipação do Imposto de Renda) fosse realizado semestralmente, no último dia útil dos meses de maio e novembro, à alíquota de antecipação de 15%. No entanto, tal medida, apesar de discutida no âmbito político, perdeu validade por não haver acordo.

Ato subsequente, mais uma tentativa igual a de 2017. O Projeto de Lei 10638/2018  trazia a intenção do poder executivo de, entre outras medidas, tributar os fundos exclusivos também semestralmente, a cada último dia útil dos meses de maio e de novembro de cada ano-calendário, à alíquota de 15% para a antecipação semestral. Porém, a tentativa enviada pelo governo de Michel Temer não prosperou assim como a MP 806/2017.

Em seguida, aventou-se o projeto de Lei de Conversão nº 3/2020 , que era proveniente da Medida Provisória nº 898 de 2019 e, diferentemente da referida Medida Provisória, tratava, além de outras providências, acerca do imposto de renda incidente sobre os fundos fechados. Em igualdade com as tentativas anteriores, a Lei de Conversão previa a antecipação do imposto de renda na fonte em nos últimos dias úteis de maio e novembro, sendo aplicada alíquota de 15%, na hipótese do pagamento semestral antecipado. Apesar de mais um ensejo para a tributação dos fundos fechados, o projeto de lei de conversão não obteve êxito e perdeu a validade.

E por fim, mais recentemente, houve a apresentação do Projeto de Lei 2337/2021  que, igualmente às tentativas supramencionadas, trouxe, no bojo dos seus artigos, a tributação dos rendimentos advindos dos Fundos Fechados, porém com uma diferença: pretendia a antecipação do Imposto de Renda (“come cotas”) com a alíquota de 15%, em apenas uma cota, no último dia útil de novembro de cada ano. Mais uma vez, a tentativa não logrou êxito, desta vez no Senado Federal.

E o estoque de rendimentos? 

Seja o rumor da tributação que poderá advir da intenção proposta do Governo Federal em 2023, sejam as inúmeras tentativas de tributação desde 2017, um dos pontos centrais de discussão e apreensão é a tributação do estoque dos fundos exclusivos.  A indagação que paira é: O estoque de rendimento das aplicações realizadas também será tributado ou apenas os rendimentos a partir da data da edição da medida que mudou a sistemática dos Fundos Fechados? A esperança do mercado e a tábua de salvação dos cotistas desses fundos é que, se tal medida vier, ela não alcance os rendimentos anteriores à data da sua publicação.

Em que pese ser fato amplamente conhecido no Brasil que a tributação é regressiva e há necessidade de progressividade, certo é que a tributação dos fundos fechados (exclusivos) é tema que, na mesma proporção, é importante e altamente sensível. Direito adquirido que embasa a segurança jurídica daqueles que aplicam em tais fundos ou a tributação para buscar equalização da justiça social por meio da igualdade tributária e da arrecadação? As discussões estão abertas! 

Caso a alteração da legislação efetivamente ocorra, impacto imediato será verificado na rentabilidade dos capitais investidos nestes fundos, isso porque, em função do come-cotas, parte do capital que hoje rende juros para os quotistas até resgate final, será semestralmente decotado do patrimônio dos fundos e, consequentemente dos quotistas, quebrando a mágica da capitalização de juros no tempo do investimento.

Adicionalmente, quais serão as possíveis reações dos quotistas dos fundos fechados? Readequação do portfólio de investimento, procura de fundos sem come-cotas, caso existam, investimento em ativos fora do Brasil; previdência privada, dentre outros.

Há quem diga que com a taxação, além de igualdade tributária entre os fundos, se buscará maior justiça fiscal e social o que, consequentemente, trará mais para perto o propósito de distribuição de renda através da arrecadação, princípio consagrado na Constituição Federal; lado outro, há quem diga que com a tributação dos super ricos na conforme for a modalidade que venha a ser proposta, além de impactar severamente o direito adquirido e segurança jurídica, é um prato cheio para o desinvestimento no Brasil e para a fuga de capital para o estrangeiro, o que impactaria a inflação, moeda e economia. É esperar para ver, mas quem tem barbas longas, que as deixe de molho.

A única certeza que se tem hoje é que é necessário o acompanhamento dos desdobramentos não apenas da reforma tributária já aprovada, mas também daquelas que se encontram em vias de serem propostas, de forma a se antecipar na avaliação de estratégias que viabilizem uma otimização da gestão tributária dos patrimônios.

Referências:

1 Conforme art. 4º da Resolução CVM n° 175, de 23 de dezembro de 2022. Disponível em: https://conteudo.cvm.gov.br/legislacao/resolucoes/resol175.html

2 a) Fundos de Investimento em Ações; b) Fundos de Investimento em Ações - Mercado de Acesso; c) Fundos Mútuos de Privatização - FGTS, inclusive carteira livre; d) Fundos de Investimento em Índice de Mercado - Fundos de Índice de Ações; e) FI-FGTS; g) FIP, FIF FIP e FIEE; h) FIP-IE e FIP-PD e I; i) Fundos de Investimento com Carteira em Debêntures; j) Fundos de Investimento Imobiliário.

3 Semestral, regra para Fundos Abertos. Necessário avaliar as exceções dos mesmos fundos relacionados a legislação específica.

4 Conforme Agência TradeMap, na notícia: Fundos exclusivos: veja a mediana da rentabilidade e o prêmio nos últimos anos, publicada em 06 de abril de 2023. Disponível em: Fundos exclusivos: veja a mediana da rentabilidade e o prêmio nos últimos anos - TradeMap - Seus investimentos na melhor direção

5 Conforme CNN, na notícia: Resgates de fundos de “super ricos” chegam a quase R$ 27 bilhões em menos de 4 meses, publicada em 20 de julho de 2023. Disponível em: Resgates de fundos de “super ricos“ chegam a quase R$ 27 bilhões em menos de 4 meses (cnnbrasil.com.br)

6 Conforme Veja, na notícia: Governo se inspira em MP das offshores ao mudar tributação de super-ricos, publicada em 27 de julho de 2023. Disponível em: https://veja.abril.com.br/economia/governo-se-inspira-em-mp-das-offshores-ao-mudar-tributacao-de-super-ricos/

Conforme Folha de São Paulo/UOL: Governo quer arrecadar mais com imposto sobre super-ricos e fim de jabutis tributários, publicado em abril de 2023. Disponível em: Governo quer arrecadar mais com imposto sobre super-ricos e fim de jabutis tributários - 01/04/2023 - Mercado - Folha (uol.com.br) 

7 “O líder do PT na Câmara Federal, o deputado Zeca Dirceu (PR), afirmou nesta terça-feira que a bancada do partido está disposta a “abrir mão”, no momento, de eventual proposta de aumento da tributação de pessoas com renda milionária”, de acordo com O Globo. Disponível em:   https://oglobo.globo.com/economia/noticia/2023/08/08/lider-do-pt-diz-que-bancada-vai-abrir-mao-por-ora-da-taxar-milionarios-para-garantir-a-tramitacao-de-reformas-do-primeiro-semestre.ghtml?utm_source=Twitter&utm_medium=Social&utm_campaign=OGlobo

8 Conforme sítio eletrônico do Congresso Nacional. Disponível em: MPV 806/2017 - Congresso Nacional / Sumario_Executivo_MP806 (senado.leg.br)

9 Conforme sítio eletrônico da Câmara dos Deputados. Disponível em: PL 10638/2018 — Portal da Câmara dos Deputados - Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br) / https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=1678108

10 Conforme sítio eletrônico da Câmera dos Deputados: Disponível em: PLV 3/2020 MPV89819 — Portal da Câmara dos Deputados - Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br) / PLV 3/2020 MPV89819 — Portal da Câmara dos Deputados - Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br)

11 Conforme sítio eletrônico da Câmara Legislativa. Disponível em: PL 2337/2021 — Portal da Câmara dos Deputados - Portal da Câmara dos Deputados (camara.leg.br) / https://www.camara.leg.br/proposicoesWeb/prop_mostrarintegra?codteor=2034420