O “G” do ESG está sendo (des) considerado enquanto pilar base da agenda no mundo corporativo?


O “G” do ESG está sendo (des) considerado enquanto pilar base da agenda no mundo corporativo?


Por Ana Paula Terra Caldeira e Carolina Alves Dias de Souza e contribuição de Vitor Emmanuel Viana Antunes Dantas #heforshe 

Dizer que a temática do ESG está na moda no cenário econômico empresarial no Brasil e no mundo já é notícia antiga. Não é de hoje que as boas práticas de governança corporativa são incentivadas pelos players do mercado e reforçadas pelos investidores e órgãos de regulação de mercado. Há mais de 25 anos este assunto tornou-se pauta no Brasil, a partir da criação do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (“IBGC”), em 1995, que acompanhou o momento econômico de entrada de capital estrangeiro no país e do desenvolvimento de um mercado de capitais próprio. Os investidores buscavam, sobretudo, segurança e confiabilidade para os seus investimentos no Brasil.  

Ao longo dos anos, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”), a bolsa de valores brasileira (“B3”), os demais órgãos reguladores do mercado de capitais e o próprio Congresso Nacional aperfeiçoaram as suas normas visando a adequação aos parâmetros internacionais de governança corporativa. As companhias, por sua vez, tiveram que criar uma estrutura que atendesse aos novos preceitos estabelecidos, além de buscar qualificação no mercado de acordo com os novos índices, métricas, agências de classificação de risco e os níveis de complexidade de governança criados pela B3, para atrair investidores sob à ótica da conformidade aos padrões de governança corporativa. 

Apesar das práticas de governança corporativa terem sido desenvolvidas por muito tempo de forma isolada, nos últimos anos, a pauta passou a ser integrada a outras duas de igual relevância e histórico: meio ambiente e sociedade. Com isso, a agenda ESG ganhou destaque no Brasil em meados de 2020 com a publicação do White Paper pelo Fórum Econômico Mundial preparado em colaboração entre as big four1 e que apresenta uma série de critérios objetivos para mensuração das práticas ESG adotadas pelas empresas. Sobre esse paper, veja nossa análise no artigo ESG: A nova tendência do mercado

Acompanhando o “boom” da agenda ESG, as discussões sobre o greenwashing2 e sobre as falhas dos processos adotados pelas empresas se tornaram cada vez mais presentes. Isso porque algumas companhias apesar de terem desenvolvido políticas internas, instrumentos de compliance adequados e fortalecido os mecanismos de governança corporativa, com vista à uma melhor qualificação de risco e posição no mercado, não se preocuparam em, efetivamente, implantar a cultura ESG aos seus executivos e colaboradores, fazendo apenas um check the box com as práticas incentivadas pelo mercado e um bom marketing, divulgando as práticas ou até mesmo apenas a sua intenção de implementação.  

Essa busca pelo que o mercado denomina por “ágio de governança”3 foi potencializada e respaldada pela criação de certificações, selos e índices. Mas, em vista de casos recentes, podemos ver que essas chancelas não seriam suficientes para corroborar que as práticas e a cultura que são divulgadas estão sendo de fato implementadas por algumas companhias. 

À exemplo disso, pode-se mencionar o recente caso envolvendo a Americanas S.A. (“Americanas”), que expôs as fragilidades do seu sistema de governança corporativa e pôs em xeque a qualidade das auditorias e da estrutura de fiscalização dos órgãos reguladores. No caso concreto, a Americanas expôs, em fato relevante divulgado em 11 de janeiro de 2023, que haviam sido “detectadas inconsistências em lançamentos contábeis redutores da conta fornecedores realizadas em exercícios anteriores. Numa análise preliminar, a área contábil da Companhia estima que os valores das inconsistências sejam da dimensão de R$20 bilhões.” 

A Americanas enquadra-se no Novo Mercado, segmento de listagem da B3 que possui um alto nível de transparência e de governança corporativa. Neste segmento, as companhias voluntariamente comprometem-se com as boas práticas de governança, bem como à divulgação de informações relevantes, com o objetivo de maximizar o direito dos acionistas e a qualidade das informações fornecidas pela companhia. A exemplo disso, a Americanas, em seu Relatório Anual de 20224, registrou ações implementadas da agenda ESG, como a composição de seu conselho de administração formada por 43% de membros independentes, a realização de 350mil entregas em favelas, a compensação de 100% das emissões de gases das operações próprias e de energia elétrica.  

Nesse sentido, mesmo com uma estrutura robusta de governança corporativa, já tendo feito parte do seleto grupo de companhas brasileiras que compunha o Índice Dow Jones de Sustentabilidade (DJSI) Mundo5 em 2021, participante da B3 no segmento do Novo Mercado nos índices: (i) IGCX – Índice de Governança Corporativa, (ii) IGCT – Índice de Governança Corporativa Trade; (iii) IGC-NM – Índice de Governança Corporativa Novo Mercado, (iv) ISE – Índice de Sustentabilidade Empresarial, e com aproximadamente 21 políticas bem definidas, que vão desde compliance, fornecedores, corrupção, destinação de resultados, privacidade, etc., regimentos internos, código de conduta, estatuto, não foi possível evitar a falha nos processos contábeis da companhia. Pelo contrário, tais chancelas podem até mesmo ter contribuído para uma indução a erro dos investidores, que podem ter se baseado nesses indicadores como forma de atestar se o que era divulgado pela Americanas correspondia à realidade.  

Tal contradição foi objeto de críticas por especialistas que condenaram a existência de políticas ineficazes. O executivo e sócio fundador do MESA Corporate Governance, Herbert Steinberg, afirmou que: “Os instrumentos certamente existem na Americanas, senão ela não estaria no Novo Mercado, mas provavelmente não são vividos como precisam e isso nasce de uma cultura de checklist, de apenas listas o que se tem, e de não viver e aplicar de fato a política de governança.”  

Fraudes contábeis não são novidade no mundo corporativo. Um dos casos mais emblemáticos da história corporativa envolveu a então gigante de energia Enron Corporation, que motivou inclusive o enrijecimento das regras e políticas de compliance em todo o mundo e foi mola propulsora da Sarbanes-Oxley Act nos Estados Unidos da América em 2002. Outros casos recentes no Brasil envolvendo inconsistências financeiras ocorreram com a IRB Brasil e a CVC. No primeiro, a gestora Squadra Investimentos, publicou carta, em 2020, questionando os dados do balanço da companhia. Como consequência, a empresa informou ao mercado que identificou indícios de gestão fraudulenta na distribuição ilegal R$60 milhões em bônus a executivos e colaboradores. Já no caso da CVC, em 2019, foram encontrados mais de R$360 milhões em erros e distorções contábeis com indícios de manipulação dos relatórios, omissões, ocultações e fraudes contábeis. 

Esse cenário particular da Americanas provocou um pequeno terremoto na estrutura do mercado de capitais, que tem como um dos principais objetivos a proteção do investidor, lançando dúvidas sobre a responsabilidade das companhias, auditores, órgãos regulamentadores e da própria bolsa de valores. Em um país como o Brasil, que possui um arcabouço normativo significativo, onde as companhias abertas têm obrigatoriedade legal de passarem por auditorias e os players do mercado buscam atestar o cumprimento ou não de tais práticas, a ocorrência de escândalos como esses evidenciam o abismo existente entre a divulgação e a prática de fato pelas companhias. As normas e a fiscalização são efetivas? Os indicativos de índices e selos são necessários ou apenas contribuem para o greenwashing e a indução a erro pelo investidor?  

Nesse sentido, no contexto brasileiro, ainda que tímidos, já podemos observar movimentos da CVM para endereçar tais acontecimentos. As normas mais recentes editadas pela CVM com a temática ESG, visam justamente coibir a prática de divulgação de informações dessa natureza que não condizem com a realidade. A Resolução nº 59 dispõe sobre a necessidade de descrever as práticas de ESG praticadas pela companhia, no formulário de referência, documento principal para guiar os investidores em suas análises (vide nosso artigo sobre esse tema clicando aqui). Além disso, a mesma norma ainda traz o “pratique ou explique” que consistem em exigir das companhias explicação caso não divulguem o descritivo. Já a Resolução nº 175 restringe a utilização por fundos de investimentos de denominações socioambientais quando estes fundos não busquem originar benefícios socioambientais. Internacionalmente, é pauta de discussão pela SEC a implementação da obrigatoriedade de divulgação nas demonstrações financeiras sobre os aspectos climáticos e de emissão de carbono6 e o “greenwashing” foi também tema do 9º Forum on Green Finance and Investment 2022 da OCDE realizado entre 05 e 07 de outubro de 2022. 

Não há resposta para os questionamentos que vieram novamente à tona após o caso da Americanas e não há um modelo internacional a ser seguido. Sem prejuízo, para evitar que a história continue a se repetir, é essencial que as companhias efetivamente adotem políticas integradas e balanceadas. Não adianta agir “de fachada”, “checking the boxes”, ou apenas privilegiar um dos pilares de sustentação das empresas. Como uma casa bem construída, as ações sociais e ambientais (e outras tantas) apenas se sustentam sob uma fundação forte e bem estruturada de governança corporativa. A temática deve ser introduzida e valorizada from the top down, mas só se sustenta se for disseminada from the bottom up.

Referências:

1 Termo utilizado para se referir às quatro maiores empresas de auditoria do mundo, quais sejam a KPMG, EY, PwC e Delloite. 

2 Termo em inglês que indica a utilização da discursos, ações de marketing, propagandas publicitárias utilizando-se da pauta ambiental/ESG quando, na verdade, não são tomadas medidas reais e efetivas em conformidade com estes parâmetros. 

3 O Ágio de Governança é um termo utilizado no mercado de capitais para análise da valorização das ações de Companhias que passam a adotar práticas de Governança Corporativa. Sobre o tema ler Revista da Unifebe nº 10 Artigo Original 165 RELAÇÃO ENTRE O ÁGIO DAS AÇÕES COM A GOVERNANÇA CORPORATIVA DAS EMPRESAS BRASILEIRAS DE CAPITAL ABERTO 

4 Link do Relatório Anual de 2022 da Americanas S.A.  <https://api.mziq.com/mzfilemanager/v2/d/347dba24-05d2-479e-a775-2ea8677c50f2/09e4a963-b76c-482d-6884-864eef21a716?origin=1

5 O DJSI é um índice que destaca empresas por práticas de gestão social, ambiental e econômico. A informação da participação da Americanas S.A. está disposta em seu relatório anual de 2022. 

6 Desde março de 2022 a SEC tem discutido sobre a implementação de novas regras de divulgação de informações relativas ao clima e a emissão de carbono, as normas ainda não estão vigentes, mas a expectativa é que sejam editadas ainda esse ano, conforme noticia o Wall Street Journal e a PWC https://www.wsj.com/articles/sec-considers-easing-climate-disclosure-rules-after-investor-pushback-11675416111  

https://www.pwc.com/us/en/services/esg/library/sec-climate-disclosures.html