ESG – pratique ou explique, só não vale fazer guerra


ESG – pratique ou explique, só não vale fazer guerra


Por Ana Paula Terra e Fernanda Ferreira Cruz

Depois de 2 anos pandêmicos, sem tirar o nariz da máscara, fiz recentemente duas viagens revigorantes: mergulhei na selva amazônica e me embrenhei no cerrado goiano. Foi maravilhoso sair da redoma de vidro do office e ver o Brasil como ele realmente é. Me fez lembrar dos meus avós maternos. Já ganhei chocalhos de cascavéis do meu avô que matava as cobras que comiam as galinhas do seu galinheiro, mas que também salvava as “bichinhas” e as soltava perto do riacho. Minha avó, costureira habilidosa, fazia questão de votar, apesar de o voto feminino reconhecido em 1932 ter sido apenas facultativo até 1965, quando se tornou obrigatório, sendo equiparado ao dos homens. ESG para mim começou nas férias de verão na casa deles.

Agora, aqui me encontro ao lado da minha colega bem mais jovem do que eu me questionando a respeito da regulação da Comissão de Valores Mobiliários - CVM sobre práticas ESG em meio a uma guerra impensável no contexto de valorização de práticas ambientais, sociais e de governança. A pandemia trouxe a pauta ESG para o mundo corporativo como um tsunami e a CVM, atenta ao tema, em 22 de dezembro do ano passado publicou a Resolução Nº 59, que passa a valer em janeiro de 2023 e reforça a importância de as companhias abertas serem transparentes ao fornecerem informações ao mercado, por meio de seus Formulários de Referência, além de ter incluído novas exigências de prestação de informações relacionadas a práticas ESG. 

O Formulário de Referência, ou “FR”, que é um documento disponibilizado periodicamente pelas companhias abertas à CVM, reúne informações como fatores de risco às atividades desempenhadas pela empresa, administração, dados financeiros, dentre outros. De acordo com a nova Resolução, as companhias listadas em bolsa de valores deverão passar a incluir em seus FRs vários indicadores de práticas ESG, tais como relacionados a questões climáticas e à diversidade na composição da administração e do quadro de funcionários.

As políticas socioambientais já eram consideradas potenciais fatores de risco a serem reportados nos FRs, contudo a nova resolução desmembrou as questões sociais, ambientais e de governança em itens apartados. Agora, as empresas devem indicar se divulgam as “informações ESG” em relatório anual ou outro documento com essa finalidade, informando ainda (i) a metodologia ou padrão seguidos na elaboração desse relatório, (ii) se tais informações são auditadas ou revisadas por entidade independente, (iii) o endereço online em que as informações ESG divulgadas podem ser encontradas e (iv) se o relatório ou documento produzido considera a divulgação de uma matriz de materialidade e indicadores-chave de desempenho ESG.

Além disso, a companhia deverá se posicionar a respeito dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) enunciados pela ONU, indicando quais são relevantes para o contexto dos seus negócios. O mesmo vale para as recomendações da Força-Tarefa para Divulgações Financeiras Relacionadas às Mudanças Climáticas (TCFD).

Para além das guidelines gerais, a Resolução trouxe também diretrizes mais específicas e quantitativas. Exemplo disso é a nova obrigação de indicar, no FR, se a companhia realiza inventários de emissão de gases do efeito estufa, indicando, se for o caso, o escopo das emissões inventariadas e o endereço online onde informações adicionais podem ser encontradas. 

Destaca-se também a atribuição de responsabilidade à administração das Companhias pelo cumprimento das disposições regulamentares ligadas a práticas ESG. As companhias devem, por exemplo, informar se há canais instituídos para que questões críticas relacionadas a temas e práticas ESG e de conformidade cheguem ao conhecimento do conselho de administração. Os administradores deverão também indicar e comentar sobre as oportunidades no plano de negócios da Companhia relacionadas a questões ESG. A Companhia deve, ainda, para além da necessidade de descrição do corpo de administradores, membros do conselho fiscal e empregados da empresa levando em conta indicadores de diversidade, até mesmo dentro de cada nível hierárquico, descrever os elementos que compõem a remuneração da administração, abrangendo os principais indicadores de desempenho considerados, inclusive indicadores ligados à pauta ESG.

A omissão ou falha da empresa em engajar nos novos critérios de divulgação da CVM gera uma obrigação de explicação: é o modelo “pratique ou explique”, já utilizado na Inglaterra e em outros países. De acordo com as novas exigências, a companhia aberta que não divulgar suas informações ESG, não realizar a auditoria ou revisão dessas informações ou, ainda, não adotar uma política de gestão de indicadores-chave de desempenho ESG, deverá prestar explicações em seu FR sobre o porquê da escolha. 

À primeira vista, a avalanche de novas regras pode parecer um excesso de regulamentação. Para determinar a necessidade de regulação de determinado setor, é fundamental entender o objetivo que se pretende atingir com o racional de tal regulação. O excesso tem sido severamente criticado por diversas razões, dentre elas a ineficácia de algumas normas, a falta de transparência e o alto custo de transação com cumprimento de normas e fiscalização, além do risco de obstrução de desenvolvimento de novas tecnologias. 

A regulação demasiada, em algumas situações, cria também falsa sensação de segurança jurídica, o que incentiva o incremento de tomada de risco e menor fiscalização. Em outras situações, regras complexas podem servir ao interesse de determinados grupos que visam a criar barreiras para ingresso de novos concorrentes em determinados setores.

Sem prejuízo, há diversas razões pelas quais se justificaria algum tipo de regulação para determinadas indústrias. Em geral, visa-se primordialmente à proteção dos stakeholders, a prevenir assimetria de informação, a preservar o interesse público, a estabilidade financeira e o desenvolvimento econômico.

No presente caso, é preciso notar que não há uma obrigação de cumprimento de metas ou parâmetros na nova regulamentação da CVM. O que ocorre é uma obrigação pormenorizada de informar e detalhar as práticas que já ocorrem (ou explicar o porquê de não ocorrerem). Assim, o uso da técnica “pratique ou explique” pela CVM foi uma forma de introduzir a pauta ESG no mercado brasileiro sem forçá-la goela abaixo nas companhias, oferecendo maior liberdade para as empresas, que já estão sujeitas às obrigações de cunho societário, ambiental e social previstas nas legislações específicas. 

Sobre isso, a nova resolução prevê, inclusive, a necessidade de divulgação do status de cumprimento de obrigações legais e regulatórias ligadas a questões ambientais e sociais pelas companhias, reforçando que se trata de uma obrigação de informar, sem qualquer tipo de exigência fática de condutas. A diferença é que agora a obrigação de informar afeta diretamente o pilar da governança, dando um novo peso às questões ambientais e sociais. 

O simples fato de as companhias abertas terem que divulgar dados como os acima citados para o órgão regulador traz de certa maneira mais segurança e transparência para os stakeholders envolvidos, reduzindo a assimetria de informação e o risco da prática de greenwashing ou ESG-washing pela qual algumas empresas apenas aproveitam para surfar na onda da sigla em campanhas com efeito maior de marketing, sem de fato assimilarem e implementarem a cultura ESG corporativamente. 

Não foram impositivas, mas definitivamente foram significativas as inclusões feitas pela CVM, que reiteram a mensagem da importância das práticas ESG no mundo corporativo.

Hoje, comemoro, em memória da minha avó, os 90 anos do sufrágio feminino, o manejo sustentável que meu avô já fazia e também as conquistas ESG no mundo corporativo, esperançosa de que também cheguem logo ao mundo em guerra.

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