Medidas da ANATEL para a Mitigação da Prática de Telemarketing Abusivo no Brasil


Medidas da ANATEL para a Mitigação da Prática de Telemarketing Abusivo no Brasil


Segundo manifestou a Agência Nacional de Telecomunicações (“ANATEL”), a maior quantidade de chamadas publicitárias indesejadas realizadas no mundo ocorre no Brasil. Este fato foi também divulgado pela Truecaller, empresa sueca que disponibiliza aplicativo identificador de chamadas e de bloqueio de spam com mais de 310 milhões de usuários mundialmente, segundo a qual, de janeiro a outubro de 2021, o Brasil liderou a lista dos 20 países mais afetados por ligações desta natureza, estando à frente de Peru, Ucrânia, Índia, México, Indonésia, Chile, Vietnã, África do Sul, Rússia, Colômbia, Espanha, Equador, Turquia, Itália, Honduras, Costa Rica, Grécia, Emirados Árabes Unidos e Estados Unidos da América, em ordem decrescente de ocorrências.

A prática há tempos vem gerando desconforto para muitos dos usuários de serviços de telecomunicações brasileiros, tanto em virtude da quantidade de ligações efetuadas, como também pelo fato de diversas destas chamadas serem efetuadas aos finais de semana e no período noturno.

Por consequência, não raramente os destinatários deixam de atender àquelas chamadas originadas por números desconhecidos, ainda que isto possa implicar em consequências negativas para os próprios usuários dos serviços. Em contrapartida, os indivíduos que optam por atender às ligações não identificadas com frequência sofrem os incômodos advindos da indesejada oferta abusiva de produtos e serviços.

A questão tem sido acompanhada pela ANATEL há tempos e foi objeto de análises internas, bem como de diálogo entre a Agência e as operadoras de telecomunicações, visando a busca de soluções efetivas para a mitigação da prática. 

Tanto assim que, exemplificativamente, já no ano de 2019, as prestadoras de serviços de telecomunicações dos Grupos Algar, Claro, Oi, TIM, Vivo, Sky e Sercomtel encaminharam à Agência correspondência em que, apesar de reconhecerem a relevância das atividades de telemarketing para o crescimento dos serviços de telecomunicações no Brasil, “por meio da oferta e comercialização de bens e serviços de interesse da população em geral”, igualmente apontaram a necessidade de estabelecer princípios para “nortear o adequado emprego das ferramentas de telemarketing, sob a perspectiva dos consumidores, aplicável exclusivamente, na esfera de atuação das Prestadoras de serviços de telecomunicações”. Tais princípios, no entendimento das empresas, seriam: ligar para os consumidores apenas em horários adequados; não ligar de forma insistente para os consumidores; respeitar o desejo dos consumidores de não receber ligações; receber e tratar reclamações sobre ligações indesejadas; garantir a aderência à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (Lei nº 13.709/2018); e cooperar na melhoria das práticas de telemarketing em outros setores.

Ainda em 2019, com base em Despacho Decisório da ANATEL, houve a criação da “Lista Nacional de Não Me Perturbe”, um cadastro nacional setorial de números de telefones fixos e móveis de consumidores que não desejam receber ligações de ofertas de produtos e serviços de telecomunicações, mas que passou a incluir também a oferta de crédito consignado e cartão de crédito consignado, estando aberta à inserção de empresas de outros setores econômicos. A inscrição de uma significativa quantidade de usuários dos serviços de telecomunicações, desde o seu lançamento, reflete “a importunação que tais chamadas têm causado aos consumidores”, nas palavras da agência regulatória brasileira. Neste sentido, segundo a Conexis Brasil Digital, entidade que reúne empresas de telecomunicações e conectividade, em abril de 2022 a plataforma alcançou a marca de 10 milhões de telefones cadastrados, a maior parte deles referentes aos Estados de São Paulo, Paraná e Minas Gerais.

Posteriormente, em 2021, ocorreu a criação, no âmbito da ANATEL, de um Grupo de Trabalho de Telemarketing (composto por diversas Superintendências da Agência), com a finalidade de apresentar ao seu Conselho Diretor possíveis alternativas de curto, médio e longo prazo com o objetivo de coibir a prática de telemarketing abusivo. O resultado da análise conduzida pelo referido Grupo demonstrou que a designação obrigatória de códigos de numeração específicos às empresas que realizam atividades de telemarketing ativo seria uma das medidas factíveis, além da devida identificação no terminal de destino das ligações, bem como da opção de bloqueio preventivo dos originadores de tais chamadas.

Não havia, até recentemente, qualquer imposição na legislação regulatória brasileira quanto ao uso de numeração específica para a realização de ligações de publicidade ativa, ou seja, as empresas que originam tais chamadas podiam se valer de qualquer código para a prática. 

Contudo, com a publicação do Ato nº 10413/2021 do Superintendente de Outorga e Recursos à Prestação da ANATEL em dezembro de 2021, que aprovou os Procedimentos Operacionais para Atribuição de Recursos de Numeração, a Agência estabeleceu, dentre outras disposições regulamentares, a alocação do código não geográfico (CNG, que corresponde ao conjunto de caracteres que permite ao seu assinante receber chamadas, de forma unívoca, em todo o território brasileiro) 303 para o uso exclusivo para atividades de telemarketing ativo, proibindo, para tal finalidade, o uso de quaisquer outros códigos. Com base no citado Ato, o código gerador de chamadas passou a ser identificado no visor dos terminais dos usuários no formato 0303N7N6N5N4N3N2N1. 

Adicionalmente, o referido Ato especificou que o telemarketing ativo corresponde à prática de oferta de produtos ou serviços que é realizada por meio de ligações ou mensagens telefônicas, sejam elas gravadas ou não, tendo igualmente determinado que, mediante solicitação dos usuários, as operadoras devem realizar o bloqueio preventivo deste tipo de chamadas.

A adoção desta numeração veio de encontro com o quanto disposto na Resolução nº 709/2019 da ANATEL (que aprovou o Regulamento Geral de Numeração – RGN), a qual estipula que as prestadoras de serviços de telecomunicações devem utilizar adequadamente os recursos de numeração atribuídos, ou seja, em observância às regras de utilização, ao uso eficiente e aos procedimentos de marcação definidos pela citada Agência. A mesma Resolução também estabelece que a destinação, atribuição ou designação dos recursos de numeração podem ser alterados a qualquer momento, desde que o interesse público ou o cumprimento de convenções ou tratados internacionais assim o determine, bem como que, em caso de alteração, os custos aplicáveis devem ser arcados pelas prestadoras de serviços de telecomunicações, não podendo haver prejuízos à continuidade ou à qualidade dos serviços prestados.

Além disso, os códigos no formato 303, vale mencionar, já eram anteriormente destinados pelas prestadoras do serviço telefônico fixo comutado (STFC) àqueles assinantes que conduzem atividades que podem causar intenso volume de chamadas em curtos períodos de tempo, de acordo com a Resolução nº 388/2004 da ANATEL. 

Foi também estabelecido pelo Ato nº 10413/2021 que as redes de telecomunicações devem possibilitar que o código das empresas de telemarketing ativo originadoras das chamadas seja claramente visualizado pelo usuário de destino das chamadas. Assim sendo, desde junho de 2022, todas as empresas de telemarketing que ofertam produtos ou serviços devem utilizar o código 0303, proporcionando aos consumidores a possibilidade de identificar o originador da chamada e, então, decidir por atender a ligação ou não.

Mais ainda, estipula o mesmo normativo que as empresas de telemarketing ativo devem utilizar um único CNG 303, podendo utilizar o referido código para receber chamadas, de acordo com a regulamentação. Ressalte-se, a mais, que em havendo a liberação dos recursos de numeração 303, estes não poderão ser novamente designados antes de um período mínimo de 6 meses, prazo que poderá ser desconsiderado caso a redesignação seja atribuída ao seu último titular. 

Em conformidade com os termos do Ato nº 10413/2021, as prestadoras respondem civil, penal e administrativamente pelas informações que inserem no Novo Sistema de Administração de Planos de Numeração (nSAPN), um sistema de suporte às atividades de administração dos recursos de numeração (ou seja, os conjuntos de códigos de acesso e/ou de identificação utilizados para permitir o estabelecimento de conexões entre diferentes terminações de rede, possibilitando a fruição de serviços de telecomunicações). Além disso, o uso de numeração não autorizada ou, ainda, em desacordo com a regulamentação, sujeita as operadoras a sanções, sendo oportuno enfatizar que as prestadoras dos referidos serviços devem criar processos adequados de controle e administração das numerações, de maneira que seu uso adequado e eficiente reste assegurado.

Outra importante medida foi adotada pela ANATEL na reunião de seu Conselho Diretor havida em junho de 2022. Na ocasião, foi mencionado que, frequentemente, as empresas de telemarketing fazem uso das assim denominadas robocalls (ou seja, ligações automatizadas, efetuadas com o uso de robôs, cuja capacidade de gerar chamadas é infinitamente superior àquela dos seres humanos), causando grande incômodo aos usuários dos serviços de telecomunicações, muitas vezes sem que sequer haja cobrança gerada por tais ligações telefônicas. Como resultado do quanto ponderado e decidido na oportunidade, por meio da Resolução nº 752/2022, a ANATEL revogou os dispositivos regulamentares que anteriormente estipulavam somente serem faturáveis as chamadas com duração superior a 3 segundos, tanto no âmbito do STFC, quanto do serviço móvel pessoal (SMP), de maneira que se pode esperar que a decisão desestimule este tipo de prática.

A possibilidade de faturamento de ligações automatizadas, de fato, é uma importante medida complementar ao quanto já havia disposto a ANATEL no início do mesmo mês de junho de 2022 por meio do Despacho Decisório nº 160/2022/COGE/SCO, o qual determinou que diversas prestadoras de serviços de telecomunicações, incluindo as líderes do mercado brasileiro Claro S.A., Telefônica Brasil S.A. e TIM S.A., devem (i) proceder ao bloqueio de chamadas que não façam uso de recursos de numeração atribuídos pela Agência, sejam elas originárias de suas próprias redes de STFC ou SMP ou provenientes de interconexão; (ii) considerar o emprego de solução tecnológica para o disparo massivo de chamadas em volume superior à capacidade humana de discagem, atendimento e comunicação (completadas ou com desligamento em até 3 segundos) como uso indevido dos recursos de numeração e uso inadequado de serviços de telecomunicações; (iii) identificar e enviar à ANATEL listagem de usuários que, nos 30 dias anteriores ao Despacho, haviam gerado 100.000 ou mais chamadas por dia com duração entre 0 e 3 segundos, bem como informações sobre o volume de chamadas diárias com as referidas características; (iv) após 15 dias da publicação do Despacho (havida em 06 de junho de 2022), identificar os usuários que originem ao menos 100.000 chamadas, em um dia, com duração entre 0 e 3 segundos, bloqueando a originação destas por um prazo de 15 dias; (v) enviar à ANATEL, quinzenalmente, relatório acerca dos usuários que sofreram o bloqueio e os respectivos recursos de numeração utilizados, o volume de tráfego e as datas de bloqueios das chamadas. As determinações citadas nos itens (iv) e (v) anteriores, a saber, permanecerão em vigor pelo prazo de 3 meses. 

Adicionalmente, o referido Despacho Decisório prevê a possibilidade de aplicação de multa de até R$ 50 milhões caso as citadas medidas sejam descumpridas por parte das prestadoras de serviços de telecomunicações e usuários ofensores (ou seja, as empresas de telemarketing) identificados. 

Também importante, o mesmo Despacho cuidou de estabelecer que o bloqueio das chamadas não deve prejudicar a manutenção de outros tipos de serviços contratados pelos usuários que não configurem prática abusiva. Além disso, foi especificamente previsto que, caso o usuário se comprometa formalmente, junto à ANATEL, a não praticar as condutas mencionadas e apresente as providências adotadas neste sentido, o bloqueio das chamadas poderá ser suspenso. As referidas medidas, contudo, não são aplicáveis aos usuários que prestem serviços de emergência e de utilidade pública.

Por fim, neste mês de julho de 2022, a ANATEL iniciou procedimento de tomada de subsídios sobre abusos em chamadas de telemarketing ativo, voltada à apresentação de contribuições e sugestões sobre o assunto. A tomada de subsídios estará em andamento até agosto de 2022, e inclui os seguintes questionamentos:

  • Quais práticas podem ser consideradas como uso indevido dos recursos de numeração e uso inadequado de serviços de telecomunicações?
  • Quais critérios, objetivos e/ou subjetivos, podem ser adotados para caracterizar estas práticas?
  • Quais medidas podem ser adotadas para minimizar os efeitos negativos dessas práticas?
  • Quais os impactos da vedação dessas práticas nas redes das prestadoras de serviços de telecomunicações?
  • Quais os impactos da vedação dessas práticas nas atividades de centrais de atendimento e nas atividades dos respectivos tomadores do serviço?
  • Quais medidas adicionais poderiam ser adotadas para interromper o uso indevido dos recursos de numeração e o uso inadequado de serviços de telecomunicações no contexto da abusividade de chamadas para a população em geral?

Desta forma, percebe-se com clareza que a ANATEL vem atuando reiteradamente para adotar diversas medidas de mitigação às ligações abusivas, de maneira a proteger os usuários dos serviços de telecomunicações como decorrência do acompanhamento deste relevante assunto no contexto do consumidor brasileiro.

Com o mesmo objetivo de coibir as inúmeras ligações indesejadas, e em consonância com as medidas adotadas pela ANATEL, em 18 de julho, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), em uma ação que envolveu os órgãos estaduais de defesa do consumidor (Procons) de toda a nação, suspendeu a atividade de 180 empresas de telemarketing do Brasil que realizavam práticas abusivas, incluindo empresas de telecomunicações e instituições financeiras. Caso as empresas afetadas pela decisão deixem de acatar a ordem, estarão sujeitas a multas que poderão chegar a R$ 13 milhões. 

Para receber as principais notícias e posicionamentos legislativos sobre este e outros temas relacionados a telecomunicações, acompanhe a equipe de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações (TMT) do Azevedo Sette Advogados.