Interconexão de Redes/Contratos de Interconexão


Interconexão de Redes/Contratos de Interconexão


Sem dúvidas, a mobilidade de pessoas está cada vez mais presente na vida contemporânea. As facilidades proporcionadas pelos modernos meios de transporte, com os deslocamentos ocorrendo de maneira cada vez mais rápida, acabam por impactar o mercado de telecomunicações. A crescente demanda por conectividade em tempo integral, tanto em termos domésticos quanto mundiais, espelha esta mobilidade. Diante deste cenário, é fácil perceber a importância da interconexão entre as redes de diferentes operadoras para assegurar o acesso contínuo aos serviços de telecomunicações.

A Lei nº 9472, de 16 de julho de 1997, conhecida como Lei Geral de Telecomunicações (“LGT”), reconhece a relevância das interconexões e contém diversas disposições a seu respeito. 

Inicialmente, vale mencionar que conforme os termos da LGT, a interconexão é definida como “a ligação entre redes de telecomunicações funcionalmente compatíveis, de modo que os usuários de serviços de uma das redes possam comunicar-se com usuários de serviços de outra ou acessar serviços nela disponíveis”. 

A obrigatoriedade da interconexão entre as redes de telecomunicações de suporte à prestação de serviços de interesse coletivo explorados no regime público ou privado é garantida pela LGT, devendo ocorrer em conformidade com a regulamentação aplicável.

A título de esclarecimento, de acordo com a Resolução nº 73 da Agência Nacional de Telecomunicações (“ANATEL”), de 25 de novembro de 1998, serviço de telecomunicações de interesse coletivo é definido como “aquele cuja prestação deve ser proporcionada pela prestadora a qualquer interessado na sua fruição, em condições não discriminatórias, observados os requisitos da regulamentação”, sendo que a sua exploração deve atender os interesses da coletividade. A exploração no regime público, por sua vez, ocorre com base em uma concessão ou permissão, estando a prestadora dos respectivos serviços sujeita a obrigações de universalização e continuidade. Já a exploração no regime privado depende uma autorização outorgada pela ANATEL, não sendo aplicáveis à prestadora as referidas obrigações de universalização e continuidade. No Brasil, somente o serviço telefônico fixo comutado (“STFC”) é prestado sob o regime público, muito embora a exploração possa ocorrer igualmente sob o regime privado. Todas as demais modalidades de serviços de telecomunicações, como o serviço móvel pessoal (“SMP”) e o serviço de comunicação multimídia (“SCM”), são oferecidas sob o regime privado. 

Conforme determina a LGT, as redes devem ser organizadas como vias integradas de livre circulação, sendo o direito de propriedade das mesmas condicionado ao cumprimento de sua função social. Além disso, a operação integrada das redes, em âmbito nacional e internacional, é igualmente garantida pela LGT.

A mesma Lei ressalta que a implantação, o funcionamento e a interconexão das redes são regulamentados pela ANATEL, de maneira que a compatibilidade entre elas seja assegurada e também para haver a sua harmonização a nível doméstico e internacional. À Agência cabe também versar sobre os planos de numeração dos serviços de telecomunicações, garantindo o atendimento aos compromissos internacionais.

Porém, deve-se observar que as questões relativas às interconexões são regidas não somente pela LGT, mas também por regulamentos, normas específicas de cada serviço, bem como pela regulamentação que dispõe sobre a competição. 

A Resolução da ANATEL nº 693, de 17 de julho de 2018, que aprovou o Regulamento Geral de Interconexão (“RGI”), é o normativo que contém os princípios e as regras básicas que regem a interconexão de redes e sistemas das prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo, inclusive no que se refere aos aspectos comerciais, técnicos e jurídicos correlatos. 

Neste Regulamento, à interconexão é atribuída a mesma definição conferida pela LGT, mas as suas disposições adicionalmente esclarecem que a “contratação de serviço de telecomunicações de interesse coletivo por outra prestadora de serviços de telecomunicações a fim de prover conexão à internet aos usuários” igualmente constitui um relacionamento de interconexão. A mais, o RGI estipula que a viabilidade das interconexões pode ser proporcionada não só com o emprego de meios próprios, mas também mediante a contratação de meios de terceiros, por exemplo. 

Outros importantes conceitos relativos à questão das interconexões podem ser encontrados no RGI. Exemplificativamente, rede de telecomunicações é definida como o “conjunto operacional contínuo de enlaces e equipamentos, incluindo funções de transmissão, comutação ou quaisquer outras indispensáveis à operação de serviço de telecomunicações”. Também relevante, área de prestação deve ser entendida como a “área geográfica, estabelecida no contrato de concessão, termo de permissão ou termo de autorização, na qual a prestadora pode ofertar o serviço de telecomunicações”. Ponto de interconexão (“POI”), por sua vez, é o “elemento de rede empregado como ponto de entrada ou saída para o tráfego a ser cursado da interconexão com outra rede, constituindo o ponto de referência para definição de direitos e obrigações de cada uma das partes envolvidas no contrato de interconexão”. A mais, ponto de presença para interconexão (“PPI”) corresponde ao “elemento de rede empregado como acesso remoto de um Ponto de Interconexão, tornando-se o ponto de referência para definição dos deveres e obrigações de cada uma das partes envolvidas no contrato de interconexão”.

As prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo são obrigadas a disponibilizar suas redes para a interconexão quando existe uma solicitação neste sentido por parte de outra prestadora de serviços de telecomunicações de interesse coletivo; contudo, esta obrigação não se aplica à interconexão para trânsito de dados, exceto se houver disposição contrária na regulamentação de competição. 

A solicitação de interconexão deve conter uma série de informações. Assim sendo, deve ser incluída a qualificação da empresa solicitante; a respeito da área de atuação da solicitante, devem ser indicadas a sua concessão, permissão ou autorização, a modalidade de serviço a ser prestada, área de abrangência geográfica e data para início das atividades. As demais informações exigidas, inclusive no que se refere ao objetivo da interconexão requerida e aos aspectos técnicos correlatos, encontram-se elencadas no RGI.

A interconexão deve ocorrer em pontos da rede que sejam tecnicamente viáveis e, ainda, em conformidade com os termos da Oferta Pública de Interconexão aplicável, se houver. É oportuno saber que cada prestadora arca com os custos de entrega do tráfego advindo de sua rede até o POI ou PPI da prestadora recebedora do tráfego, inclusive nas chamadas a cobrar, mas acordos sobre condições diferentes não são vedados pelo RGI se estiverem em linha com a regulamentação vigente. 

O RGI determina a quantidade mínima de POIs ou PPIs a ser disponibilizada, além de esclarecer que todas as tecnologias consideradas adequadas ao provimento da interconexão devem estar disponíveis nestes pontos para quaisquer interessados, em conformidade com os termos da relevante Oferta Pública de Interconexão. Na hipótese de indisponibilidade dos meios ou das facilidades no POI solicitado, a prestadora que recebeu o pedido deverá ofertar uma alternativa compatível, bem como arcar com os custos adicionais eventualmente incorridos com a interconexão com o ponto alternativo aplicável.

Adicionalmente, caso uma prestadora planeje realizar alterações na rede e estas possam afetar as redes de outras operadoras, tais alterações devem ser comunicadas com no mínimo 90 dias de antecedência. As contrapartes têm 30 dias para se manifestar a respeito do assunto e as alterações somente podem ser realizadas após acordo entre as partes.

O RGI segue esclarecendo que Ofertas Públicas de Interconexão devem ser apresentadas pelas prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo à ANATEL para homologação no mínimo uma vez a cada 12 meses ou, ainda, em caso de alterações. As prestadoras detentoras de poder de mercado significativo (ou seja, aquelas cuja posição possa influenciar de forma significativa as condições do mercado relevante, de acordo com os termos da Resolução da ANATEL nº 600, de 8 de novembro de 2012) poderão substituir a retromencionada Oferta por uma Oferta de Referência de Produtos de Atacado nos casos em que a interconexão seja de fato um mercado relevante de atacado previsto na regulamentação de competição. Por outro lado, as prestadoras de pequeno porte (ou seja, o grupo detentor de participação de mercado nacional inferior a 5% em cada mercado de varejo em que atua, de acordo com os termos da Resolução nº 600/2012) estão isentas desta obrigatoriedade.

A manifestação da ANATEL a respeito da homologação das referidas Ofertas deve ocorrer em até 60 dias, prazo este que poderá ser suspenso na pendência de apresentação de esclarecimentos e documentos necessários à sua análise, ou até mesmo prorrogado por igual período caso haja justificativa para tanto. Uma vez homologada, a Oferta Pública deve ser disponibilizada na página da prestadora na Internet, desta maneira conferindo ampla publicidade à mesma.

As mencionadas Ofertas devem conter diversas informações, tais como razão social, CNPJ e endereço da sede da operadora aplicável; identificação da concessão, permissão ou autorização, modalidades de serviços prestados e área de abrangência geográfica; localização geográfica dos POIs ou PPIs, descrição de suas limitações técnicas e padrões técnicos; minuta de contrato padrão para interconexão e os preços a serem praticados, dentre outros itens elencados no RGI. Além disso, as Ofertas devem contemplar a interconexão direta para troca de tráfego telefônico, indireta para troca de tráfego telefônico, e para troca de tráfego de dados. A interconexão para o trânsito de dados também pode ser incluída.

Adicionalmente, as referidas Ofertas devem ser norteadas pelos seguintes princípios estipulados no RGI: tratamento não discriminatório dos solicitantes; preservação da integridade da rede conectada; confidencialidade das informações, inclusive aquelas de âmbito privativo dos usuários; alocação eficiente de recursos de rede necessários à operacionalização da Interconexão; critérios razoáveis e objetivos para previsão do tráfego, crescimento da rede, dimensionamento e ampliação das rotas; requisitos estritamente necessários à operacionalização da interconexão; e atualização tecnológica das soluções de rede disponíveis.

De acordo com as disposições do RGI, são proibidas as práticas que tenham por objetivo cursar tráfego artificialmente gerado (o que significa dizer que o tráfego na rede deve refletir precisamente o que foi avençado no contrato de interconexão); comprometam a segurança, a estabilidade e/ou o correto funcionamento das redes, a rastreabilidade de conexões e/ou chamadas, o modelo regulatório de interconexão e/ou a estrutura de remuneração das redes; ou que caracterizem uso indevido de assimetrias regulatórias estipuladas. 

Mais ainda, com a finalidade de assegurar a continuidade e a qualidade na hipótese de falha nos pontos de interconexão, alternativas de contingência devem ser previstas pelas prestadoras de serviços de telecomunicações.

O compartilhamento de equipamentos, infraestrutura, facilidades e outros meios para a operacionalização da interconexão é expressamente admitido pelo RGI, e o acesso à área em que se encontra instalado o equipamento de propriedade da outra prestadora deve ser garantido, em conformidade com os devidos procedimentos contidos no contrato de interconexão.

É importante salientar que muito embora as partes interessadas possam negociar livremente as condições aplicáveis à interconexão das redes, o seu provimento deve ocorrer de maneira não discriminatória, com condições técnicas adequadas, bem como garantir preços isonômicos e justos, conforme determina a LGT. 

Ao conduzir as negociações dos contratos de interconexão, a livre, ampla e a justa competição entre as operadoras deve ser preservada, sendo portanto coibidos pelo RGI (i) a prática de subsídios visando a redução artificial de tarifas ou preços; (ii) o uso de informações de concorrentes que resultem de contratos de interconexão, na ausência da devida autorização; (iii) a omissão de informações de natureza técnica e comercial que sejam relevantes para a prestação dos serviços; (iv) a imposição de condições abusivas como exigência para a celebração do contrato, ou que impliquem no uso ineficiente de redes ou equipamentos interconectados; e (v) a obstrução ou demora intencional nas negociações. O uso de contratos de interconexão para alterar condições regulamentares aplicáveis aos serviços de telecomunicações é expressamente proibido.

Em linha com a LGT, o RGI estabelece que o acordo resultante das negociações deve ser formalizado em contrato, cuja eficácia depende de homologação por parte da ANATEL, homologação esta que poderá ser negada se o contrato for prejudicial à ampla, livre e justa competição. É relevante observar também que a ANATEL poderá arbitrar as condições da interconexão caso um acordo entre as partes não seja alcançado.

A ANATEL deverá se manifestar sobre a homologação do contrato ou de suas alterações em até 60 dias, mas poderá solicitar que adequações sejam incorporadas ao documento, caso em que ocorre a suspensão do prazo.

O contrato que estiver plenamente conforme a minuta incluída em Oferta Pública de Interconexão ou Oferta de Referência de Produto de Atacado anteriormente homologadas pela ANATEL e que contenha cláusula de ciência e concordância com as citadas Ofertas será considerado homologado e eficaz.

Uma cópia do contrato de interconexão celebrado, bem como de suas alterações (exceto se tais alterações se referirem a determinados aspectos do projeto técnico ou mudanças na qualificação das partes em virtude de operações societárias já anuídas, que devem ser meramente comunicadas à autoridade regulatória), deverá ser encaminhada à ANATEL e estará disponível na Biblioteca da Agência para consulta por parte do público em geral, ressalvadas as partes sigilosas. 

Quando não existir uma Oferta Pública de Interconexão ou Oferta de Referência de Produto de Atacado, a eficácia dos contratos de interconexão para trânsito de dados se dará a partir de sua assinatura e a homologação pela ANATEL não é exigida, muito embora a Agência possa requerer uma cópia destes instrumentos.

É muito importante notar que o contrato de interconexão deve conter diversas informações, tais como o objeto; modo, forma e condições do provimento da interconexão; direitos, garantias e obrigações das partes relevantes; preços a serem cobrados (caso não determinados pela ANATEL); condições relativas ao compartilhamento de infraestrutura; condições técnicas referentes à implementação e à qualidade da Interconexão; tratamento dispensado ao tráfego fraudulento; multas e sanções. Entretanto, em caso de descumprimento das obrigações avençadas nos contratos de interconexão, a própria ANATEL poderá aplicar sanções.

Se o conteúdo do contrato celebrado estiver em conformidade com os termos de uma Oferta Pública de Interconexão ou Oferta de Referência de Produto de Atacado de Interconexão, a implementação da interconexão deve estar operacional dentro de um prazo que varia de 60 a 90 dias. Porém, na hipótese de as disposições contratuais versarem sobre conteúdo diferente daquele incluído nas anteriormente mencionadas Ofertas, os prazos para a operacionalização da interconexão serão contados somente a partir da homologação do contrato pela ANATEL. 

Havendo atraso nos prazos citados, a operadora responsável deverá ressarcir a parte prejudicada, de acordo com as condições e os valores previstos no contrato pertinente. Contudo, em decorrência de determinadas situações e caso assim seja avençado pelas partes, tais prazos e as sanções aplicáveis em virtude de descumprimento poderão ser alterados.

Em caso de inadimplência do pagamento dos valores devidos pelo uso das redes e as regras contratuais sobre a sua contestação houverem sido exauridas, poderá ocorrer a suspensão da interconexão, desde que haja uma notificação neste sentido e no mínimo 30 dias tenham decorrido desde o seu recebimento. A suspensão pode ser total (com a interceptação de todas as chamadas) ou parcial (com a interceptação de todas as chamadas originadas na rede da parte inadimplente e destinadas à rede da prestadora credora). Enquanto a suspensão estiver em vigor, ambas as prestadoras envolvidas deverão veicular um comunicado sobre a suspensão do encaminhamento das chamadas. Além disso, deve ser dada ciência à ANATEL.

À ANATEL também deve ser dada ciência em caso de interrupção da interconexão, que poderá ocorrer após 3 meses de suspensão contínua em virtude de inadimplência ou em caso de falta de tráfego por 6 meses consecutivos, casos em que igualmente se faz necessária uma notificação prévia; ou, ainda, por rescisão contratual.

Por fim, deve-se observar que os acordos de troca de tráfego envolvendo prestadoras de serviços de telecomunicações de outros países estão sujeitos às disposições e aos procedimentos que tenham sido determinados em acordos firmados pela Administração Brasileira com outros países ou blocos econômicos.

Para receber as principais notícias e posicionamentos legislativos sobre este e outros temas relacionados a telecomunicações, acompanhe a equipe de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações (TMT) do Azevedo Sette Advogados.