Concessões de Telefonia Fixa e Bens Reversíveis


Concessões de Telefonia Fixa e Bens Reversíveis


No Brasil, o único tipo de serviço de telecomunicações cuja exploração pode ocorrer tanto no regime público, com a outorga de concessões (ou em determinadas circunstâncias mediante termos de permissão), quanto no regime privado, com a outorga de autorizações, é o serviço telefônico fixo comutado (“STFC”). 

No caso das concessões, há mais rigor nas condições de prestação dos serviços e a regulamentação setorial impõe o atendimento de obrigações de universalização (que visam possibilitar o acesso de qualquer pessoa ou instituição de interesse público aos serviços de telecomunicações, independentemente de sua localização e condição socioeconômica, além de permitir o uso das telecomunicações em serviços essenciais de interesse público) e de continuidade (que, por sua vez, têm por objetivo possibilitar a fruição ininterrupta dos serviços de telecomunicações por parte de seus usuários, sendo que tais serviços devem ser disponibilizados em condições adequadas de uso). O requisito de atendimento às retromencionadas obrigações não se aplica, portanto, às prestadoras de outros tipos de serviços de telecomunicações, como é o caso, por exemplo, na exploração dos serviços de telefonia móvel.

As operadoras Algar Telecom S.A. (“Algar”), Claro S.A. (“Claro”), Oi S.A. (“Oi”), Sercomtel S.A. (“Sercomtel”) e Telefônica Brasil S.A. (“Telefônica”) são as atuais concessionárias de STFC e vêm prestando os respectivos serviços de acordo com contratos de concessão cujo término ocorrerá no final de 2025.

Muito embora os referidos contratos estejam em vigor neste momento, a Lei nº 9472, de 16 de julho de 1997 (Lei Geral de Telecomunicações, “LGT”), em conformidade com as alterações introduzidas em seu texto pela Lei nº 13.879, de 03 de outubro de 2019, prevê a possibilidade de adaptação das concessões do STFC para que este tipo de serviço passe a ser prestado sob regime privado. Entretanto, é importante enfatizar que esta adaptação não tem caráter obrigatório.

Precisamente em virtude da não compulsoriedade da adaptação entre os regimes, resulta que as atuais concessionárias têm à sua disposição algumas alternativas quanto à oferta do STFC, tais sejam: (i) poderão prosseguir com a migração para o regime privado antes do término dos contratos de concessão em 2025; (ii) poderão optar por continuar a explorar o STFC sob a modalidade de concessão; ou (ii) poderão até mesmo deixar de prestar os serviços ao término dos contratos de concessão vigentes.

Existe um prazo para que as concessionárias manifestem à Agência Nacional de Telecomunicações (“Anatel”) seu interesse em adaptar os contratos de concessão celebrados, o qual já foi iniciado e expirará em novembro de 2023. Contudo, a simples manifestação de interesse não é suficiente para que a adaptação ocorra de imediato. É necessário que as operadoras cumpram uma série de requisitos, dentre os quais podemos citar, a manutenção das ofertas de STFC e a assunção de compromissos de investimentos. 

Um ponto muito importante, abrangido nos dispositivos relativos às concessões e naqueles aplicáveis à migração do regime público para o privado, e que tem gerado polêmicas entre as concessionárias do STFC e a Anatel, diz respeito aos assim denominados “bens reversíveis”.

A Resolução da Anatel nº 744, de 08 de abril de 2021 (“Resolução nº 744/2021”, que aprovou o Regulamento de Continuidade da Prestação do STFC em Regime Público), definiu o que sejam bens reversíveis. Segundo o normativo, estes correspondem a “equipamentos, infraestrutura, logiciários ou qualquer outro bem, móvel ou imóvel, ou direito integrantes do patrimônio da Prestadora, de sua controladora, controlada ou coligada, essenciais e efetivamente empregados para assegurar a continuidade e a atualização do STFC em regime público”.

De acordo com os termos da LGT, os bens reversíveis, caso existentes, devem ser devidamente indicados nos contratos de concessão. 

Por sua vez, a Lei nº 8.987, de 13 de fevereiro de 1995 (“Lei nº 8.987/1995”, que dispõe sobre o regime de concessão e permissão de serviços públicos), estabelece que as concessionárias devem manter em dia o inventário e o registro dos bens vinculados às concessões. Exatamente neste sentido, a Resolução nº 744/2021 complementa o mencionado ordenamento, ao determinar que todos os bens reversíveis devem ser devidamente registrados na assim denominada Relação de Bens Reversíveis (“RBR”). Este documento, vale ressaltar, deve ser apresentado anualmente pelas concessionárias à Anatel. 

As mais recentes RBRs das concessionárias foram auditadas e aprovadas pela Anatel em junho de 2023 e se referem aos bens relativos ao exercício de 2019. Segundo dados publicados pela agência reguladora, diversos ativos detidos pelas concessionárias estão identificados nestas RBRs, mas a própria Anatel expõe quais sejam os principais. Assim, temos que: (i) 41 imóveis são detidos pela Sercomtel, 328 pela Algar, 795 pela Claro, 1729 pela Telefônica e 7836 pela Oi; (ii) 22 torres são detidas pela Sercomtel, 138 pela Algar, 635 pela Claro, 895 pela Telefônica e 10956 pela Oi; (iii) 98 centrais de comutação são detidas pela Sercomtel, 148 pela Claro, 567 pela Algar, 1429 pela Telefônica e 14780 pela Oi; e (iv) 66 centrais de transmissão são detidas pela Sercomtel, 427 pela Algar, 1569 pela Telefônica, 3658 pela Claro e 21207 pela Oi.

Deve-se também observar que a anuência da Anatel é exigida para qualquer desvinculação, alienação, oneração e substituição de bens reversíveis. Desvinculação, segundo a regulamentação setorial, corresponde à exclusão, da RBR, de bens não efetivamente empregados ou essenciais à continuidade e atualidade do STFC. Alienação, por sua vez, é a transferência de propriedade por meio de venda, desapropriação, doação ou outra operação. Oneração é o ato ou efeito de gravar um bem com garantia real ou fidejussória em qualquer modalidade de negócio jurídico, assim como sua constrição para fins judiciais, privando a posse ou partes da propriedade do seu titular. Por fim, substituição é a permuta de bem em sub-rogação a outro. Existem exceções à citada anuência, sendo um exemplo disto a desvinculação que ocorra (i) por perda da essencialidade do bem para a prestação do STFC em virtude de alteração normativa, ou (ii) por sucateamento, obsolescência, defeito, furto, roubo, acidente, caso fortuito ou de força maior, que tornem os bens inservíveis para a prestação dos serviços. Esta previsão é de fato apropriada, uma vez que as constantes evoluções tecnológicas podem impactar de maneira significativa a utilidade dos bens envolvidos nas concessões de STFC.

De acordo com o quanto previsto na LGT, com a extinção da concessão, a posse dos bens reversíveis é automaticamente transmitida à União. Em termos gerais, considerando-se que determinados ativos utilizados pelas concessionárias podem ser essenciais à prestação do STFC no regime público, a sua disponibilização é justificável, de maneira que os serviços possam continuar a ser devidamente prestados à população na hipótese de a União precisar assumir a sua operação ou, ainda, se houver a transferência da exploração do STFC para outras concessionárias. Assim, pode-se dizer que há uma conexão próxima entre a reversibilidade dos bens e a continuidade do STFC em regime público. 

Neste mesmo sentido, segue a Resolução nº 744/2021 estabelecendo que, em havendo extinção da concessão de STFC, a continuidade dos serviços no regime público deverá restar garantida pela reversão, à União ou à prestadora sucessora, dos bens e direitos indispensáveis à sua prestação. 

Todavia, há que se ponderar que as concessionárias podem ser empresas detentoras também de autorizações para a exploração de outros serviços de telecomunicações, como ocorre no caso anteriormente mencionado dos serviços de telefonia celular e, assim sendo, existe a possibilidade de os ativos destas empresas serem utilizados para a operação não somente do STFC, mas sim de diversos serviços simultaneamente, o que implica, portanto, no uso compartilhado dos bens entre serviços concedidos e autorizados. 

Em virtude disto, a reversibilidade dos bens prevista na regulação setorial relativa ao STFC explorado no regime público e nos próprios contratos de concessão pode ser aplicável somente a uma parcela específica dos bens das operadoras, posto que a reversibilidade deve ser limitada aos bens estritamente necessários à prestação do STFC. Não obstante, outro cenário também deve ser considerado, tal seja, a possibilidade de uma nova concessionária desejar explorar o STFC em regime público não com a utilização de bens revertidos, mas sim se valendo de bens próprios.

A questão da eventual existência de compartilhamento de bens foi vislumbrada e regulamentada pela Resolução nº 744/2021, ao dispor que ao “término dos contratos de concessão ou termos de permissão, será garantida a cessão de direito de uso dos bens de uso compartilhado em condições justas e razoáveis, caso o Poder Concedente ou a empresa que sucederá a Prestadora queiram fazer uso de tais bens para manter a continuidade da prestação do STFC em regime público”. Também especificamente sobre a matéria, é relevante ressaltar que a LGT dispõe que os “bens reversíveis utilizados para a prestação de outros serviços de telecomunicações explorados em regime privado serão valorados na proporção de seu uso para o serviço concedido”.

Já no que se refere aos valores dos bens reversíveis, é também oportuno especificar que, conforme os termos da LGT, a reversão dos bens havida antes de expirado o prazo contratual das concessões implicará o pagamento de indenização pelas parcelas de investimentos, vinculados aos bens ainda não amortizados ou depreciados, que tenham sido realizados para a garantia da continuidade e da atualidade do STFC outorgado.

Além disso, a Resolução nº 744/2021 prevê que as operadoras de STFC poderão receber, ao final das concessões, indenização relativa aos bens reversíveis que não tenham sido integralmente amortizados, desde que a sua aquisição tenha sido previamente autorizada pela Anatel visando a continuidade e atualidade da prestação dos serviços no regime público. Entretanto, é relevante salientar que a mera autorização da Agência não implica garantia à indenização, bem como que o custo de aquisição dos bens e seu respectivo valor contábil “não vinculam o montante eventualmente devido a título de indenização”. Na realidade, a indenização depende de uma avaliação por parte da Anatel que verifique a necessidade do bem para a continuidade e a atualidade do STFC em regime público. E não menos importante, especifica a mencionada Resolução que o termo final dos contratos de concessão não está condicionado ao pagamento de eventual indenização às operadoras.

Conforme abordamos em nosso último artigo, estão em andamento discussões entre as atuais concessionárias e a Anatel a respeito dos bens reversíveis e das próprias concessões, mas ainda não existe um posicionamento definitivo sobre as questões debatidas, que impacta diretamente o futuro das partes envolvidas

Muito embora tenham havido manifestações no sentido do interesse em continuar à frente da exploração do STFC por parte de algumas empresas, uma eventual decisão das operadoras de devolver as concessões à União também tem sido considerada pela Anatel. Caso isto ocorra, caberá à Agência conceder outorgas para que os serviços continuem a ser prestados por outras operadoras, de maneira a evitar que a União seja compelida a assumir a exploração da telefonia fixa. 

Em antecipação à possível necessidade de novas outorgas, a Anatel abriu uma consulta pública tendo por objeto os termos de uma minuta de edital de licitação para a concessão do STFC nas modalidades de serviços locais, de longa distância nacional e longa distância internacional. De acordo com a Agência, o que se pretende é manter a universalização e a continuidade dos serviços, mas a própria Anatel se manifestou no sentido de que “a nova concessão poderá ter obrigações mais leves em relação aos contratos atuais, inclusive quanto às localidades que deverão ser atendidas”. 

É interessante observar que a minuta de edital apresentada pela Anatel prevê a possibilidade de recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) complementarem a renda advinda da exploração dos serviços e da cobrança de tarifas dos usuários. Para tanto, segundo os termos da minuta, as propostas dos licitantes deverão indicar o valor complementar a ser obtido do FUST para o custeio dos compromissos de atendimento previstos no edital durante a vigência das outorgas. 

No que se refere ao prazo, segundo a proposta de edital, as novas outorgas poderão ser conferidas por cinco anos, prazo este prorrogável uma vez por igual período, sendo este fator justificado por parte da Anatel “em função da dinamicidade do mercado de telecomunicações, da crescente demanda por serviços que proveem acesso à internet, em detrimento dos serviços de voz, bem como a perspectiva de expansão das redes de Serviço Móvel Pessoal (SMP)”. 

É interessante observar que a Lei nº 8987/1995 estipula que o edital de licitação elaborado pelo poder concedente visando a contratação de concessionárias deve indicar os bens reversíveis e, nos casos em que uma concessão anterior houver sido extinta, devem também ser indicadas as características dos eventuais bens reversíveis que serão disponibilizados, além de suas condições. Adicionalmente, o respectivo contrato de concessão também deverá conter cláusula relativa aos bens reversíveis, assim como aos critérios para o cálculo e a forma de pagamento de eventuais indenizações devidas à concessionária.

Contudo, é oportuno mencionar que, em conformidade com a minuta de edital submetido a consulta pública, está previsto que os “bens das concessionárias utilizados para a prestação do STFC em regime público não estarão sujeitos à reversibilidade ao final da vigência dos contratos de concessão”.

Comentários e sugestões sobre o texto da minuta de edital apresentado pela Anatel, devidamente justificados, serão recebidos pela Agência até 25 de setembro de 2023.

Para receber as principais notícias e posicionamentos legislativos sobre este e outros temas relacionados a telecomunicações, acompanhe a equipe de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações (TMT) do Azevedo Sette Advogados.