Concessões de Telefonia Fixa e Arbitragens


Concessões de Telefonia Fixa e Arbitragens


No final da década de 1990, ocorreu no Brasil o fim do monopólio dos serviços de telecomunicações, até então detido por empresas sob controle acionário estatal e com a exploração dos serviços sendo administrada pelo sistema Telebrás, que controlava todos os operadores de telefonia do país. 

A reestruturação do setor teve início com o advento da Emenda Constitucional Número 8, de 15 de agosto de 1995, que alterou o texto da Constituição Federal de 1988 e determinou que a exploração dos serviços de telecomunicações poderia ocorrer tanto diretamente pela União, quanto mediante outorgas concedidas ao capital privado sob os regimes de autorização, concessão ou permissão. 

A promulgação da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997, denominada Lei Geral de Telecomunicações (“LGT”), foi outro fator essencial para o processo de reestruturação. A LGT estabeleceu a nova estrutura regulatória do setor e criou a Agência Nacional de Telecomunicações (“Anatel”), a autoridade brasileira que regula e supervisiona os serviços de telecomunicações. A Anatel apresenta uma atuação voltada para o desenvolvimento das telecomunicações brasileiras e o atendimento do interesse público e, desde a sua instalação, vem desempenhando um papel primordial para o traçado dos contornos da regulamentação setorial. 

Posteriormente, como resultado do processo de reestruturação, as empresas de telecomunicações estatais foram vendidas por meio de processos licitatórios, desta maneira possibilitando a entrada de novos players no mercado. 

Isto é exatamente o que ocorreu com a exploração do serviço de telefonia fixa (o qual, de acordo com os termos da regulamentação em vigor no Brasil, é denominado Serviço Telefônico Fixo Comutado, “STFC”), nas modalidades de serviço local, serviço de longa distância nacional e serviço de longa distância internacional. As empresas que abrangiam todo o território brasileiro foram leiloadas e a operação dos serviços foi transferida para a iniciativa privada (à época da privatização, por exemplo, para o grupo Telefônica; consórcios que contaram com a participação de empresas tais como Telecom Itália, Banco Opportunity, Construtora Andrade Gutierrez e outras entidades; e MCI International). 

As respectivas transferências para as novas prestadoras de serviços foram realizadas sob o regime de concessão, em consonância com a LGT. Atualmente, como resultado de diversas alterações havidas após o processo de privatização, as concessões de STFC são detidas pelas operadoras Algar Telecom S.A. (“Algar”), Claro S.A. (“Claro”), Oi S.A. (“Oi”), Sercomtel S.A. (“Sercomtel”) e Telefônica Brasil S.A. (“Telefônica/Vivo”), sob contratos de concessão cujos vencimentos ocorrerão no final de 2025.

Neste ponto, é interessante esclarecer que, no Brasil, a telefonia fixa é o único tipo de serviço de telecomunicações que pode ser explorado tanto no regime público, quanto no regime privado. 

No regime público, a exploração depende de uma concessão, outorgada pela Anatel, como ocorreu no caso das privatizações citadas, estando as concessionárias sujeitas a obrigações de universalização e de continuidade. As obrigações de universalização, que são objeto de metas periódicas elaboradas pela Anatel, têm por objetivo possibilitar o acesso de pessoas ou instituições de interesse público aos serviços de telecomunicações, independentemente de sua localização e condição socioeconômica, bem como permitir a utilização de telecomunicações em serviços essenciais de interesse público. As obrigações de continuidade, por sua vez, têm por objetivo possibilitar aos usuários dos serviços de telecomunicações a sua fruição de maneira ininterrupta, sem paralisações injustificadas, e os serviços devem estar disponíveis para os usuários em condições adequadas de uso. Assim sendo, quando a exploração do STFC se dá no regime público, há mais rigor no controle das condições de prestação dos serviços. 

Já no regime privado, a exploração dos serviços ocorre por meio de autorizações, que também são outorgadas pela mesma Agência. Neste modelo, porém, há mais flexibilidade nas condições de sua prestação. As autorizações para a prestação do STFC em conformidade com o regime privado foram concedidas pela Anatel posteriormente à privatização, resultando em concorrência no mercado deste tipo de serviços.

Em virtude de alterações introduzidas na LGT por força da Lei nº 13.879, desde o ano de 2019, é prevista a possibilidade de realizar a adaptação das outorgas de serviços de telecomunicações prestados sob a modalidade de concessão para o regime de autorização. A adaptação, vale dizer, depende de uma solicitação por parte das concessionárias nesse sentido, o que implica dizer que a adaptação não é mandatória.

Entretanto, para que a Anatel autorize a adaptação e com isto ocorra a extinção antecipada dos contratos de concessão (ou seja, antes do prazo final em 2025), determinados requisitos devem ser cumpridos por parte das operadoras, dentre os quais podem ser citadas a manutenção dos serviços ofertados, a assunção de compromissos de investimentos e a apresentação de garantias para assegurar tais obrigações. 

Além disso, é necessário que a Anatel realize cálculos financeiros para determinar o valor econômico associado às adaptações. Este valor econômico, de acordo com os termos da LGT, corresponde à “diferença entre o valor esperado da exploração do serviço adaptado em regime de autorização e o valor esperado da exploração desse serviço em regime de concessão, calculados a partir da adaptação”, podendo ser revertido em compromissos de investimento em linha com diretrizes estabelecidas pelo governo. A LGT ainda estipula que no cálculo do valor econômico “serão considerados bens reversíveis, se houver, os ativos essenciais e efetivamente empregados na prestação do serviço concedido”. Isto significa que tais cálculos determinam, a final, os montantes a serem pagos pelas concessionárias à União ou, se aplicável, a serem recebidos pelas empresas da União.

Segundo as operadoras de STFC, ocorreram relevantes desequilíbrios nas concessões ao longo do tempo que decorreu desde as privatizações. Dentre os fatores que alegadamente provocaram o desequilíbrio, segundo noticiado pela imprensa há alguns anos, teriam sido citados atrasos nas homologações de tarifas, obrigações impostas pelo Regulamento Geral do Consumidor, além de outros fatores, desta maneira podendo resultar em saldos bilionários em favor das empresas. Em virtude disto, as prestadoras têm buscado o reconhecimento de tais condições por parte da Anatel. As empresas de telecomunicações também afirmaram que as concessões se tornaram economicamente insustentáveis, com agravamento da situação advindo do impacto negativo decorrente do decréscimo na utilização do STFC. Esta insustentabilidade, a saber, possibilita que as prestadoras defendam a inviabilidade dos serviços e requeiram medidas de desoneração por parte da Anatel, ou até mesmo a rescisão unilateral dos contratos. 

De fato, diante da ampla disponibilidade de modernas alternativas de comunicação por voz, a telefonia fixa vem perdendo espaço no Brasil, à semelhança do que ocorre em termos mundiais. Conforme dados disponibilizados pela Anatel, em junho de 2023 haviam 26,2 milhões de acessos ao STFC, com o Distrito Federal e os Estados de São Paulo, Paraná e Rio de Janeiro liderando (em ordem decrescente) o número de acessos, em sua maioria voltados ao atendimento urbano. No mês anterior, maio de 2023, haviam 26,38 milhões de acessos, o que demonstra ter havido uma diminuição de 0,7% somente neste período. Doze meses antes, portanto em junho de 2022, haviam 27,87 milhões de acessos no país. Assim, esta diferença reflete um decréscimo anual de 6% no uso deste tipo de serviço. No terceiro trimestre de 2021 isoladamente, houve uma queda acumulada do STFC que superou 485 mil acessos. Porém, é oportuno mencionar que os números informados pela Anatel englobam as ofertas tanto por parte de concessionárias quanto de autorizadas de STFC. Sobre este ponto específico, é relevante observar que a partir do ano de 2021, mais linhas fixas passaram a ser ofertadas por empresas autorizadas do que pelas concessionárias do serviço. Claro é a empresa líder do mercado de STFC, com 7,66 milhões de acessos, sendo seguida pela Oi (7,31 milhões de acessos), Telefônica/Vivo (6,82 milhões de acessos) e Algar (1,23 milhões de acessos), conforme dados disponibilizados pela Anatel atualizados até 01 de agosto de 2023.

Ainda a respeito dos valores aplicáveis para que as empresas prossigam com a possível adaptação das concessões para o regime privado, é oportuno mencionar que foram contratados serviços de consultoria de um consórcio liderado pela Axon Partners Group para a realização dos cálculos correlatos. No primeiro trimestre de 2023, a Anatel se manifestou no sentido de que as operadoras deveriam despender um total de R$ 22,6 bilhões para a adaptação dos contratos. De acordo com os cálculos, que foram individualizados por concessionária, R$ 167,1 milhões caberiam à Sercomtel; R$ 275,3 milhões à Algar; R$ 2,2 bilhões à Claro; R$ 7,7 bilhões à Telefônica/Vivo; e R$ 12,1 bilhões à Oi. Esse valor foi recentemente reajustado e, de acordo com a Agência, o montante total atual seria de R$ 33,6 bilhões, dos quais R$ 19,9 bilhões seriam devidos pela Oi, R$ 8,7 bilhões pela Telefônica/Vivo, R$ 4,1 bilhões pela Claro, R$ 579 milhões pela Algar e R$ 227 milhões pela Sercomtel. Por sua vez, as concessionárias entendem que a União lhes deve um montante de R$ 36 bilhões como consequência dos desequilíbrios financeiros. 

Os entendimentos divergentes entre a Anatel e as empresas de telecomunicações acerca dos pontos mencionados levaram operadoras a solicitar a instauração de procedimentos arbitrais com o intuito de obter o reconhecimento dos fatores e valores por elas alegados, possibilidade esta que havia sido prevista nos contratos de concessão, após o esgotamento de tentativas de solução das controvérsias no âmbito administrativo. 

O primeiro Termo de Compromisso Arbitral foi assinado entre a Anatel e a Telefônica/Vivo em junho de 2021; a arbitragem está sendo conduzida pela Câmara de Comércio Internacional, tendo por objeto o equilíbrio econômico-financeiro, a sustentabilidade da concessão, eventuais indenizações relativas a bens reversíveis não amortizados e outros itens, conforme informado pela Anatel. Posteriormente no mesmo ano, a Agência e a Claro também deram início a um processo arbitral envolvendo concessão de STFC e o seu desequilíbrio econômico. Outra arbitragem envolve a concessionária Oi. Nos processos arbitrais, os valores pleiteados em 2022 seriam de R$ 16 bilhões no caso da Oi; R$ 10 bilhões no caso da Telefônica/Vivo; e R$ 6,6 bilhões no caso da Claro. 

O término das concessões também envolve a importante questão dos chamados “bens reversíveis”. Estes são bens relacionados à prestação dos serviços, como itens de infraestrutura e equipamentos, incluindo torres, redes, dutos e antenas, dentre outros ativos, que podem ter sido transferidos às concessionárias ou por elas incorporados durante a vigência das concessões. Com o encerramento dos contratos, no primeiro caso, os bens devem ser devolvidos ao poder público; mas na segunda hipótese, os bens devem ser indenizados conforme previsto nos respectivos contratos, se a amortização dos mesmos ainda não houver ocorrido. 

Há muitos anos o valor dos bens reversíveis tem sido motivo de controvérsias entre as concessionárias e a Anatel. Segundo dados disponibilizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), em 2013 haviam mais de 8 milhões de bens reversíveis, equivalendo a um montante de R$ 105 bilhões. Neste ponto, vale ressaltar que anteriormente o TCU considerou, com base em acompanhamento realizado acerca da atuação da Anatel, que os trabalhos desenvolvidos por esta Agência até 2021 não seriam suficientes para “avaliar o equilíbrio econômico-financeiro dos contratos de concessão de STFC”. Mais ainda, de acordo com os resultados de auditoria conduzida em 2015, o TCU afirmou que a regulamentação de controle elaborada pela Agência não assegurava “a conformidade e a atualidade das informações sobre os bens reversíveis”, bem como que havia verificado “ineficácia no processo de apuração de irregularidades e na eventual aplicação de penalidades, existência de empecilhos para o controle social dos bens reversíveis e falhas na fiscalização desses bens” e que, desta forma, os métodos de controle e acompanhamento dos bens reversíveis então empregados pela Anatel não eram “suficientes para assegurar a continuidade e a atualidade do serviço de telefonia”.

A definição de todas estas questões se reveste de relevância para a possível migração das concessões em vigor para o regime de autorizações. Digno de nota, já em 2022 as concessionárias teriam indicado que, se as condições a serem cumpridas para a adaptação forem desfavoráveis, as empresas podem simplesmente devolver as concessões ao término de seus prazos. Se isto ocorrer, caberá então à Anatel conceder outorgas do STFC a outras prestadoras, mas caso isto não seja possível, a própria União deverá assumir a responsabilidade pela continuidade dos serviços. 

Ainda que em março de 2023 a Anatel tenha mencionado vislumbrar um potencial consenso na arbitragem que envolve a Oi, a Agência reconheceu também a possibilidade de que a resolução definitiva das controvérsias ocorra somente em 2025. Contudo, as partes envolvidas vêm adotando medidas que refletem a sua intencionalidade de tentar uma solução para as questões. 

Por fim, é oportuno mencionar que o prazo para as concessionárias de STFC apresentarem suas solicitações de adaptação de seus contratos para o regime de autorização já iniciou, encerrando-se em novembro do corrente ano. Assim, o tema é de grande relevância para o cenário das telecomunicações brasileiras e deve ser acompanhado.

Para receber as principais notícias e posicionamentos legislativos sobre este e outros temas relacionados a telecomunicações, acompanhe a equipe de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações (TMT) do Azevedo Sette Advogados.