A Reforma Tributária e os impactos no Agronegócio


A Reforma Tributária e os impactos no Agronegócio


A Reforma Tributária, aprovada pela Câmara dos Deputados no último dia 07 de julho na forma da Emenda Aglutinativa à Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 45-A/2019, propõe, em linhas gerais, a simplificação do sistema tributário brasileiro e, especialmente, a reformulação da tributação sobre o consumo visando não apenas a simplificação, mas também a neutralidade da mesma ao longo das cadeias de produção.  

A proposta aprovada, agora pendente de análise pelo Senado Federal, prevê a criação do IVA (Imposto sobre Valor Agregado), formado a partir da consolidação dos tributos federais (PIS, Cofins e IPI), estadual (ICMS) e municipal (ISS). O novo Imposto Sobre o Valor Agregado será instituído de forma “dual”, isto é, uma parte de sua alíquota será alocada à CBS (Contribuição sobre Bens e Serviços) que será administrada pelo Governo Federal, enquanto a outra parcela será alocada ao IBS (Imposto sobre Bens e Serviços), que será administrado pelos Estados e Municípios. do. 

Além disso, entre outras alterações e inovações, a PEC também propõe a criação do Imposto Seletivo (IS), que implicará na tributação de bens e serviços considerados prejudiciais à saúde ou ao meio ambiente, afastando a incidência do IPI (Imposto sobre Produtos Industrializados) sobre os mesmos durante a transição. A proposta de criação do IS visa o desestimulo do consumo dos itens que serão contemplados pela sua incidência. 

No que tange o setor agro, haja vista sua inegável relevância para a economia brasileira, o texto aprovado pela Câmara incluiu à Reforma algumas medidas que objetivam garantir uma carga tributária menos onerosa e regimes diferenciados ao agronegócio. Ora, a reformulação do nosso sistema atual jamais poderia ocorrer sem atenção especial ao referido setor, uma vez que este representa cerca de 25% do PIB nacional, contribuindo significativa e favoravelmente para a balança comercial, para geração de emprego e renda e para produção de alimentos que é tão relevante não apenas para Brasil, mas para todo o globo.  

Por esse motivo, a política tributária em diferentes esferas, historicamente, buscou desonerar o segmento agro através de benefícios fiscais de PIS (Programa de Integração Social), COFINS (Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social), ICMS (Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços) entre outros. Entretanto, no bojo da atual proposta, estes benefícios e tanto outros restaram fulminados, à medida em que os tributos a eles relacionados forem extintos. 

No texto da PEC que foi aprovado, foram atendidas algumas demandas da bancada ruralista, resultando na ampliação da lista de setores que terão direito a determinados benefícios e um regime tributário diferenciado. Assim a atual proposta prevê os seguintes, principais, avanços para o setor: 

Redução de 60% das alíquotas de IBS e CBS nas operações envolvendo produtos agropecuários, aquícolas, pesqueiros, florestais e extrativistas vegetais in natura, e insumos agropecuários e aquícolas; 

Alíquota zero de IBS e CBS para produtos da cesta básica (a serem definidos posteriormente por Lei Complementar); 

Imunidade do IPVA de aeronaves, tratores e máquinas agrícolas; 

Regime específico para as cooperativas agrícolas, de modo a garantir a competitividade e assegurar o crédito das etapas anteriores; 

Possibilidade de o produtor rural, pessoa física ou jurídica, e produtor integrado (aqueles que recebem insumos e materiais de grandes empresas para produção – de maneira vinculada e exclusiva), com receita inferior a 3,6 milhões de reais por ano, optar se irá ou não contribuir para o IBS e CBS 

Direito ao crédito presumido nas operações com produtores não contribuintes, de forma a assegurar a competitividade dos mesmos junto aos adquirentes de seus produtos; 

Manutenção da obrigação constitucional de conferir diferencial competitivo aos biocombustíveis em relação ao PIS e COFINS, ICMS, IBS e CBS. 

Apesar dos aspectos positivos decorrentes da versão aprovada da PEC, imperioso dizer que o texto da reforma ainda gera insegurança jurídica e econômica aos agentes do agronegócio. Isso porque, conforme será demonstrado a seguir, algumas das particularidades do setor em comento deixaram de ser observadas nesta versão da Proposta que seguiu para o Senado e que deverá ser votada em breve. 

Primeiramente, há de se destacar a preocupação dos contribuintes acerca da criação do IS que, conforme mencionado, busca desestimular o consumo de bens e serviços que são considerados danosos à saúde humana ou ao meio ambiente. Ora, é sabido que, a depender da perspectiva observada, os defensivos agrícolas e alimentos ultraprocessados podem se enquadrar nos itens a serem contemplados pela incidência do IS. Nesse sentido, um aspecto que requer atenção é a possibilidade do aumento da tributação sobre tais itens, o que, se concretizada, afetará diretamente os custos dos insumos e, consequentemente, de toda a cadeia de produção. Assim, apesar da redução de 60% da alíquota do IBS e CBS, para evitar esse potencial impacto danoso, o legislador precisará fazer prevê outros mecanismos, como, por exemplo, afastar a incidência do IS quando se tratar de produtos ou insumos do agro, como medida compensatória à necessidade estratégia e primordial de fomentar a política histórica de desoneração do setor agro. 

Ainda sobre o IS, outro ponto que gera insegurança para o setor é a possível incidência do imposto sobre veículos e maquinários utilizados no processo produtivo do agronegócio, visto que muitos deles possuem certo potencial poluente.  

Outra questão que tem gerado reações de vários setores, inclusive para o setor agro, consiste na previsão de uma alíquota única para todas diferentes as atividades, sem que ocorra a concessão de benefícios fiscais. Soma-se a este contexto o fato de que a alíquota de referência somente será definida após aprovação da Reforma Tributária, por meio de Lei Complementar. Desse modo, somente será possível saber a efetiva carga tributária nas diversas cadeias produtivas ao setor após a regulamentação da PEC, o que, de certa forma, contribui para a insegurança instaurada.  

Nesse contexto, vislumbra-se o aumento da carga tributária para o agronegócio, uma vez que, historicamente, o setor é beneficiado por incentivos fiscais que propiciam seu desenvolvimento. No âmbito do mercado global, a competitividade dos produtos agrícolas brasileiros poderá ser afetada a partir da elevação da tributação para os setores de comércio e de prestação de serviços resultando em pressão às margens de lucro do setor, podendo motivar um indesejável onda de redução de investimentos no setor. 

Debate igualmente relevante é relativo à efetiva desoneração das cadeias e o mecanismo da não cumulatividade ao longo das mesmas. Isso porque, apesar da redução de alíquotas do IBS e CBS antes comentadas, o adquirente dos produtos agrícolas beneficiados pelas reduções, só poderá creditar-se do valor equivalente ao IBS e CBS efetivamente cobrado, e consequentemente, decorrendo daí uma reoneração das cadeias subsequentes, jogando por terra o benefício anterior. Para endereçar esse impacto adverso, deveria se previsto um crédito presumido para o adquirente equivalente ao montante do IBS e CBS que deixaram de ser cobrados nas cadeias anteriores em função da redução das alíquotas, a exemplo do crédito presumido foi previsto para os adquirentes de produtores não contribuintes. 

Outro ponto relativo à não cumulatividade que não levou em consideração as peculiaridades do setor agro - sazonalidade de produção, safras, regionalização e fluxo de realização de receitas – é quanto ao momento da apropriação dos créditos. A aplicação da não-cumulatividade na forma da proposta atual impactará o fluxo de caixa do setor, que é muito específico, ou seja, em qual momento e medida haverá recuperação dos créditos fiscais. Fica o questionamento, vez que há um descasamento entre a teoria e prática. 

Ainda nessa linha, cumpre ressaltar que o texto final remetido ao Senado não dispõe sobre a viabilização de rápida e eficaz devolução de créditos acumulados na cadeia de exportação de mercadorias. Tal questão pode impactar fluxo de caixa dos agentes do agro, o preço das mercadorias remetidas ao exterior, minando, por óbvio, a competitividade do Brasil no mercado. 

De uma forma geral, a inobservância da proposta quanto às especificidades do agronegócio é fator capaz de resulta em aumento da carga tributária efetiva do setor é. Há de se pensar sobre as peculiaridades regionais do Brasil, sobretudo a sazonalidade das safras, volatilidade de preços de comodities, a existência de produtores rurais pessoas físicas, entre outras.  

Apesar da reforma objetivar a simplificação do sistema atual com a diminuição do número de tributos uma emenda foi apresentada na Câmara de última hora incluindo o art. 20 ao texto que foi posteriormente aprovado, o qual permite que os estados criem um tributo sobre produtos primários e semielaborados. Além de retomar a discussão sobre quais aspectos classificam tais produtos, o dispositivo retoma também a questão relacionada aos fundos de investimento em infraestrutura e habitação. Isso porque para que os entes da federação instituam o tributo é necessário que estes tenham os referidos fundos em vigor em 30 de abril de 2023 e que o aporte de recursos nesses fundos seja uma condição para que os contribuintes possam ter benefícios fiscais na cobrança do ICMS. 

A discussão sobre a constitucionalidade das contribuições aos fundos que existem nos estados é antiga e existem ações sobre o tema no STF. De certo, caso o dispositivo seja aprovado pelo Senado, tais contribuições serão constitucionalizadas por definitivo, podendo elevar os custos do agronegócio e gerar a migração de novos investimentos do setor para outras regiões produtivas. 

Por obvio, a pressão estatal sobre a possibilidade redução do repasse aos cofres públicos trouxe a pauta, de última hora, a convalidação dos fundos estaduais que, impactará diretamente os contribuintes, vez que, os referidos fundos terão sua vigência até 31 de dezembro de 2043 e, em contrapartida, os benefícios tributários concedidos pelos estados – como, por exemplo o diferimento, poderão vigorar até 2032.  

Por fim, mais um ponto de atenção no que concerne a questão das particularidades do setor é a violação ao princípio basilar constitucional da isonomia e da capacidade contributiva. A alíquota uniforme poderá gerar a equiparação de áreas que possuem cadeias produtivas distintas e diversas, seja nos custos ou nas operacionalizações. Dessa forma, mesmo com o desconto de 60%, tendo em vista que a igualdade tributária visa tratamento igualitário a aqueles contribuintes que estão em situação equivalente, verifica-se certa transgressão ao princípio em questão. Sobre a capacidade contributiva, considerando que se utiliza de indicativos das forças econômicas individuais que possibilitam o pagamento diferenciado dos tributos pelos contribuintes, também é possível inferir que tal aspecto será lesionado. Caso a Lei Complementar que virá instituir o regime especial para o agronegócio não observe essas questões com a minuciosidade necessária, o setor será indubitavelmente prejudicado. 

Diante dos pontos expostos, não surpreende que a atual redação da PEC 45 gere dúvidas e inseguranças aos agentes participantes do agronegócio. Urge a necessidade de um texto mais específico e que observe questões que envolvem a legalidade tributária e os princípios consagrados pela Constituição. Se o objetivo da reforma é criar um sistema simplificado, o legislador deve se atentar aos pontos de dúvida que a proposta tem provocado, principalmente quanto ao setor em comento. Por hora, restam inseguranças jurídicas e econômicas aos contribuintes. 

*Com contribuição de Eduarda Haussman.