A consolidação das Transações Federais como eficiente forma de arrecadação - seria o fim dos Parcelamentos Excepcionais?


A consolidação das Transações Federais como eficiente forma de arrecadação - seria o fim dos Parcelamentos Excepcionais?


Por Júlia Maurizi Mendonça Passos e Júlia de Oliveira Fonseca 

As transações tributárias federais, cuja autorização está legalmente prevista no art. 171 do Código Tributário Nacional, tiveram sua primeira regulamentação no final de 2019, com a edição da Medida Provisória nº 899/2019, posteriormente convertida na Lei nº 13.988/2020. A partir de então, foram estabelecidos requisitos e condições gerais para que a União e os respectivos devedores pudessem transacionar. 

A norma passou a prever as seguintes modalidades de transação: 

  • a proposta individual ou por adesão na cobrança da dívida ativa; 
  • a adesão nos demais casos de contencioso judicial ou administrativo tributário; e 
  • a adesão no contencioso administrativo tributário de baixo valor. 

Como se tratava de regra geral que trazia apenas as balizas a serem observadas pela Receita Federal e pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional caso desejassem transacionar com o contribuinte, ainda caberia aos referidos órgãos editarem suas respectivas disposições internas para instituir as transações específicas que seriam disponibilizadas em cada âmbito.  

Já em dezembro de 2019, a PGFN regulamentou a transação tributária na cobrança da dívida ativa da União, possibilitando a regularização fiscal dos contribuintes que não cometeram fraudes e que possuíssem débitos considerados irrecuperáveis e/ou de difícil recuperação, mediante a concessão de descontos e outras condições diferenciadas. 

Surgiram, então, no âmbito da PGFN: (i) a Transação Extraordinária, que apesar de não conceder qualquer desconto, permitia aos contribuintes parcelarem seus débitos de forma mais estendida do que as tradicionais 60 parcelas concedidas pelo parcelamento ordinário; (ii) a Transação Excepcional, que concedia descontos de até 50% ou 70%, a depender do contribuinte, sobre o total dos débitos transacionados (preservado o principal) além de também estender o número de parcelas em relação ao parcelamento ordinário; (iii) a transação de pequeno valor (para pagamento de débitos de até 60 salários-mínimos) e (iv) a Transação Individual, que poderia ser proposta pelo próprio contribuinte que quisesse pagar débitos cujo montante fosse superior a R$ 15.000.000,00 ou a R$ 1.000.000,00, estes últimos se suspensos por medida judicial ou garantidos.  

É importante rememorar que, nos anos de 2020 e 2021, muitas empresas enfrentaram significativas dificuldades financeiras em razão da pandemia do COVID-19. Assim, as transações tributárias surgiram como forma de viabilizar a superação da crise econômica dos contribuintes com débitos inscritos em dívida ativa da União, além de aumentar a arrecadação dos cofres públicos federais que, inevitavelmente, também foram seriamente afetados pela diminuição/paralisação das atividades de diversos setores da economia. 

Pode-se dizer, portanto, que, além de auxiliar os contribuintes que não teriam condições de regularizar suas dívidas perante a PGFN sem a concessão de um benefício, o instituto da transação também ajudou a reduzir os impactos negativos que vinham sendo observados na arrecadação do Fisco Federal no contexto pandêmico. 

O que se viu, todavia, é que, nos anos seguintes à crise econômica causada pela Pandemia, quando os indicadores econômicos voltaram a crescer, a PGFN aperfeiçoou as transações, editando normas que passaram a beneficiar ainda mais os devedores que comprovadamente não tivessem condições de regularizar sua situação perante a Fisco Federal sem a concessão de descontos (débitos considerados irrecuperáveis ou de difícil recuperação). A Receita Federal do Brasil, que até então tinha atuação bem modesta quando o assunto era transação, passou a conceder descontos mais atrativos aos contribuintes a partir deste ano (2023), especialmente àqueles cujos débitos são comprovadamente irrecuperáveis ou de difícil recuperação. 

Fato é que, já em 2019, o então Ministério da Economia entendia que as transações tributárias seriam uma alternativa fiscalmente mais justa do que a reiterada prática de parcelamentos excepcionais, aos quais qualquer contribuinte poderia aderir (exceto raras exceções, como empresas que tivessem falência decretada). Tais parcelamentos previam, em regra, que o desconto seria inversamente proporcional ao número de parcelas, de modo que quanto mais rápido o contribuinte conseguisse quitar seu débito, maior seria o desconto concedido. 

Sobre o aspecto fiscal, uma das características que coloca a transação em vantagem frente aos parcelamentos excepcionais é a menor chance de desperdício do dinheiro público (o que ainda pode ocorrer caso a capacidade de pagamento seja subestimada, mas em menores proporções) e a mudança da mentalidade arraigada em muitos contribuintes brasileiros de que compensa deixar de pagar tributo no País, já que, de tempos em tempos, o Governo lança um “REFIS” que beneficia os “mal pagadores”. 

Nos dias de hoje, o que se observa é que as transações tributárias vêm ganhando cada vez mais força, com maior adesão dos devedores. Segundo estudos divulgados pelo Insper (Relatório #4/2022 do Núcleo de Pesquisa em Tributação), até o dia 01/07/2022 tinham sido pactuadas 1.211.834 transações. Após aplicados os percentuais de desconto, o valor total da dívida transacionada totalizava a quantia de R$ 184.345.202.173,12, com arrecadação de R$14.567.285.342,67 até a data de realização da pesquisa (01/07/2022). 

Atualmente, estão vigentes as seguintes transações no âmbito da Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (amparadas pela Lei nº 13.988/2020 com as alterações promovidas pela Lei 14.375/2022 e pela Portaria PGFN 6757/2022, que atualmente preveem as normas gerais sobre transação): 

1) Transação para débitos de difícil recuperação ou irrecuperáveis (Edital PGDAU nº 2/2023) – Elegível aos contribuintes que possuem débitos considerados de difícil recuperação ou irrecuperáveis pela PGFN, cujo valor não seja superior a R$ 50 milhões; 

2) Transações individual e simplificada (Portaria PGFN nº 6.757/2022) - Possibilita ao contribuinte apresentar proposta de negociação diretamente à PGFN, de acordo com os prazos e valores que vierem a ser acordados entre as partes, para a regularização de débitos inscritos em dívida ativa da União e do FGTS. Só são aptos a essas transações débitos a partir de determinados valores, conforme Portaria. 

3) Transação de pequeno valor do Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal – PRLF (Portaria Conjunta RFB/PGFN nº 1/2023) - A negociação abrange somente pessoa física, microempresa e a empresa de pequeno porte que possui débitos inscritos em dívida ativa há mais de ano, cujo valor consolidado seja igual ou inferior a 60 salários-mínimos.  

4) Transação de pequeno valor (Edital PGDAU nº 2/2023) - Possibilita ao contribuinte negociar com benefícios os débitos inscritos em dívida ativa da União há mais de 1 ano, com valor de até 60 salários-mínimos.; 

5) Transação de inscrições garantidas por seguro garantia ou carta fiança (Edital PGDAU nº 2/2023) – Elegível ao contribuinte que possui decisão transitada em julgado em seu desfavor, cujos débitos estão garantidos por seguro garantia ou carta fiança, antes da ocorrência do sinistro ou do início da execução da garantia; 

Na Receita Federal do Brasil, por sua vez, estão vigentes os seguintes programas (amparados pela Lei nº 13.988/2020 com as alterações promovidas pela Lei 14.375/2022 e pela Portaria 247/2022):  

1) Programa de Redução de Litigiosidade Fiscal – PRLF (Portaria Conjunta RFB/PGFN nº 1/2023) - O "Litígio Zero” prevê a possibilidade de renegociação de dívidas por meio da transação tributária para débitos discutidos junto às Delegacias da Receita Federal de Julgamento (DRJ) e ao Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF). 

2) Transação no contencioso de créditos tributários irrecuperáveis (Edital RFB nº 01/2022) – São elegíveis os créditos tributários constituídos de ofício e considerados irrecuperáveis, administrados pela Secretaria Especial da Receita Federal. 

3) Transação no contencioso de pequeno valor (Edital RFB nº 02/2022) – Aplicável aos débitos de pequeno valor em contencioso administrativo fiscal, assim considerados os que não superem o valor correspondente a 60 (sessenta) salários-mínimos. 

4) Transação individual (Portaria RFB nº 247/2022) – O contribuinte poderá apresentar proposta de transação tributária diretamente à Receita Federal para quitar seus processos que estejam em trâmite no contencioso administrativo. Só são aptos a essa transação débitos a partir de determinados valores, conforme Portaria. 

Não há dúvidas de que o instituto da transação tributária tem se mostrado um caso de sucesso, promovendo mudanças profundas na relação do Poder Público com o setor privado. A celebração de mais de um milhão de acordos em um curto período sinaliza que as transações vieram para ficar, mas, apesar das especulações no sentido de que elas seriam uma substituta dos parcelamentos excepcionais, ainda é cedo para se fazer essa afirmação, especialmente quando é sabido que muitos contribuintes aguardam ansiosamente por mais um “REFIS”.