5G e a Segurança da Aviação no Brasil


5G e a Segurança da Aviação no Brasil


A disponibilização de serviços de telefonia móvel com o padrão tecnológico de 5ª geração (5G) em diversos países, que indubitavelmente ocasionará relevantes avanços para a população e para as mais diversas frentes da economia, suscitou, por outro lado, preocupações por parte do setor de transportes aéreos mundial. 

Na segunda quinzena de janeiro de 2022, após um período de adiamento, as operadoras Verizon e AT&T iniciaram o lançamento de seus serviços 5G nos Estados Unidos da América (EUA). Porém, segundo alertas, as respectivas redes móveis poderiam causar interferências em determinados instrumentos utilizados por aeronaves, como, por exemplo, em radioaltímetros (que operam na faixa de 4,2 a 4,4 GHz), e isto poderia acarretar riscos em situações como pousos em condições de baixa visibilidade. 

Os serviços 5G das operadoras Verizon e AT&T, é importante salientar, fazem uso da faixa de 3,7 GHz até 3,98 GHz. Entretanto, não somente esta faixa é utilizada para disponibilizar o 5G nos EUA. A T-Mobile, outra relevante operadora de telefonia móvel norte-americana, faz uso das faixas de radiofrequências de 600 MHz e 2,5 GHz para a prestação dos serviços e, nestes espectros, não foram levantadas preocupações relacionadas à segurança da aviação. 

Diferentemente do que ocorre com os serviços da Verizon e AT&T nos EUA, no Brasil a faixa de frequências da banda C utilizada para a tecnologia 5G corresponde aos 3,3 a 3,7 GHz e, nos países em que tal espectro é alocado para os mesmos fins, não houve evidências de interferências prejudiciais aos transportes aéreos. Portanto, isto implica dizer que, no Brasil, existe um intervalo de no mínimo 500 MHz entre as frequências do 5G e aquelas utilizadas por radioaltímetros.

Em virtude do cenário de possíveis efeitos deletérios à aviação, a agência governamental norte-americana Federal Aviation Administration (FAA) optou pela criação de zonas de exclusão do 5G ao redor de 50 aeroportos como ocorreu, por exemplo, nos aeroportos internacionais de Nova York, Los Angeles, Miami e Chicago. Em uma abordagem conservadora, o Canadá também impôs restrições à instalação de antenas de sinal 5G próximas a determinados aeroportos, muito embora naquele país a faixa de 3,5 GHz tenha sido destinada à referida tecnologia de telecomunicações. 

É interessante observar que, na União Europeia, serviços 5G foram lançados sem problemas, igualmente pelo uso de espectros diversos do que ocorre no território norte-americano. Mas, mesmo assim, as autoridades francesas optaram por implementar restrições ao serviço em alguns de seus aeroportos.

A Associação Internacional de Transporte Aéreo (IATA), organização que representa, lidera e atende o setor, tendo por membros mais de 290 empresas em 120 países (dentre as quais as principais empresas aéreas brasileiras, Azul, Gol e Latam), também se manifestou sobre o assunto, expressando que, muito embora reconheça a importância do uso de espectro para os serviços de telefonia celular, a manutenção dos níveis de segurança dos passageiros, das tripulações dos voos e das aeronaves é crucial para a aviação, e a coexistência segura do 5G e da aviação deve ser uma das principais prioridades governamentais.

No Brasil, a Agência Nacional de Telecomunicações (ANATEL) igualmente se preocupou com a possibilidade de interferências ocasionadas pelos serviços 5G na operação de radioaltímetros, tendo efetuado uma consulta pública a respeito da questão no primeiro semestre de 2022. Além disso, a ANATEL discutiu a matéria com a Agência Nacional de Aviação Civil (ANAC).

A ANAC, vale mencionar, conduziu uma análise abrangente sobre o assunto, que contou com informações obtidas de diversas fontes, como a FAA, a reguladora de espectro canadense Innovation, Science and Economic Development (ISED) e o Radio Technical Committee for Aeronautics (RTCA, organização norte-americana que emite padrões de desempenho técnico para a conformidade com as regulamentações da FAA e outras autoridades regulatórias da aviação), além de fabricantes tanto de aeronaves, quanto de radioaltímetros, análise esta que resultou em uma recomendação à ANATEL.

A consulta pública realizada pela ANATEL recebeu contribuições por parte não somente das maiores prestadoras de serviços de telecomunicações brasileiras Claro, Telefônica e TIM, como também da fabricante brasileira de aeronaves Embraer e da Concessionária Aeroporto Rio de Janeiro S.A. (que opera o aeroporto internacional carioca), além de outras empresas e entidades.

Como resultado do respectivo processo administrativo, no último dia 04 de julho a ANATEL publicou o Ato nº 9064/2022.

Segundo o normativo, em aeródromos especificados no referido Ato e que contam com a dependência de radioaltímetros em procedimentos de aproximação sob baixa visibilidade, a ANATEL determinou, em caráter provisório e de precaução, que os feixes principais de antenas utilizadas em estações base, nodais ou repetidoras que operem nas subfaixas de 3.300 a 3.700 MHz e cuja instalação se localize em áreas próximas aos aeródromos listados, deverão ter “seu apontamento limitado entre a linha do horizonte e abaixo”, sendo este limite aplicável às antenas AAS e não-AAS. 

As áreas próximas aos aeródromos foram definidas como o retângulo compreendido nas distâncias de 2100 metros das extremidades da pista de pouso e decolagem, e 910 metros de cada lado do eixo central da pista. Mais ainda, o Ato nº 9064/2022 esclarece que a “localização de uma estação base, nodal ou repetidora deve ser referenciada a partir da coordenada geográfica da base da infraestrutura de suporte das antenas”.

Além disso, de acordo com o referido Ato (e em consonância com a recomendação da ANAC), para a estação base, nodal ou repetidora que esteja instalada nas áreas acima citadas, a potência máxima (e.i.r.p.), por polarização, deve ser limitada a 67 dBm/100 MHz quando a operação se der na subfaixa de 3.300 MHz a 3.600 MHz; ou 65 dBm/100 MHz, caso a operação ocorra na subfaixa acima de 3.600 MHz.

As restrições impostas pela ANATEL, vale ressaltar, são aplicáveis aos movimentados aeroportos de Brasília (no Distrito Federal), Pampulha e Confins (em Minas Gerais), Congonhas, Campinas e Guarulhos (em São Paulo), Galeão (no Rio de Janeiro) e Afonso Pena (no Paraná), dentre outros.

É também interessante observar que, refletindo a cautela da Agência com o assunto, foi previsto que o Ato nº 9064/2022 deverá ser revisado até 31 de dezembro de 2022, levando-se em consideração a evolução do assunto tanto em nível nacional, quanto internacional, de maneira que poderá haver uma alteração das citadas restrições no futuro.

Em continuação aos resultados do leilão de espectro havido em novembro de 2021, os serviços 5G que utilizam a faixa de radiofrequências de 3,5 GHz já começaram a ser implementados no Brasil. A primeira cidade em que ocorreu a ativação da tecnologia foi Brasília, a capital do país. Até o momento, Belo Horizonte, João Pessoa, Porto Alegre e São Paulo (a maior cidade brasileira) também já contam com o serviço, mas há expectativa de que em muito breve outras capitais de estados passem a integrar a lista.

A adoção, por parte de autoridades regulatórias, de medidas voltadas à preservação da segurança da aviação no território nacional, à semelhança do que ocorre mundialmente, implica não somente em maior tranquilidade para os usuários dos serviços, como também em um cenário de grande importância para o incremento das atividades econômicas ligadas ao setor.

Neste sentido, observe-se que o mercado aéreo brasileiro tem demonstrado resultados econômicos bastante interessantes. Exemplificativamente, apenas no primeiro trimestre de 2022, segundo dados publicados pela ANAC, as empresas aéreas brasileiras citadas anteriormente apresentaram resultado líquido positivo da ordem de R$ 4,5 bilhões, um relevante crescimento após a queda das movimentações ocasionada pela pandemia de Covid-19. O aeroporto de Guarulhos, localizado no estado de São Paulo, é o mais movimentado do país, por onde transitaram 5,81 milhões de passageiros somente entre janeiro e fevereiro de 2022. Já em junho deste ano, no mercado doméstico, 6 milhões de passageiros utilizaram os transportes aéreos e foram transportadas 35,8 mil toneladas de cargas; em viagens internacionais, no mesmo mês, foram 1,2 milhão de passageiros transportados e 82,9 mil toneladas de cargas. Estes indicadores são um reflexo da magnitude do país. 

Diante de tais números, é fácil depreender que as medidas publicadas pela ANATEL certamente desempenharão um importante papel, tanto para o transporte de pessoas, como também de cargas. Com relação a este último item, a própria ANATEL prevê que o setor de logística de cargas em geral deverá ser fortemente impactado pela disponibilização dos serviços 5G no Brasil, por meio, por exemplo, da implementação de veículos autônomos, de monitoramento online, digitalização de documentos e, também, pelo uso da Internet das Coisas (IoT). Além disso, segundo a Agência, existe a expectativa de que o 5G traga relevantes benefícios econômicos ao país, gerando um valor de R$ 1,2 trilhão até 2035.

Para receber as principais notícias e posicionamentos legislativos sobre este e outros temas relacionados a telecomunicações, acompanhe a equipe de Tecnologia, Mídia e Telecomunicações (TMT) do Azevedo Sette Advogados.