Atraso de obra e (im)possibilidade de cumulação de multa moratória com perdas e danos


Atraso de obra e (im)possibilidade de cumulação de multa moratória com perdas e danos


Diante do cenário econômico brasileiro dos últimos anos, muitos foram os fatores que contribuíram para o atraso na entrega dos imóveis vendidos na planta, o que gerou uma enxurrada de ações nos Tribunais brasileiros visando a cobrança da multa contratual pelo atraso e indenização por perdas e danos (lucros cessantes).

O Superior Tribunal de Justiça já se posicionou sobre a possibilidade da dupla condenação, tendo em vista a natureza das indenizações envolvidas, quais sejam: uma moratória e outra compensatória.

No entanto, ao nosso ver, os Tribunais pátrios vêm aplicando a dupla condenação sem a devida análise da questão, pois, o direito brasileiro está assentado basicamente em dois tipos de inadimplemento: absoluto e relativo. O primeiro tem lugar quando o inadimplemento é total e a obrigação não foi cumprida e nem o será, já o segundo decorre da mora, isto é, ainda que tardiamente a obrigação será satisfeita.

Tais formas de inadimplemento acarretam consequências distintas para o credor, porquanto no inadimplemento total a obrigação não será mais cumprida, ao passo que no relativo, ainda que em atraso, ela será realizada. No caso em análise, infere-se que o atraso na conclusão das obras enquadra-se no descumprimento relativo, pois, a despeito do atraso, o imóvel será concluído.

Essa conceituação preliminar é de importância ímpar para se identificar a modalidade de multa predefinida nos contratos de promessa de compra e venda de imóveis na planta, isto é, se possuem caráter moratório ou compensatório. A multa moratória tem lugar quando a obrigação é relativamente inadimplida, já a compensatória quando não puder ser efetivada a obrigação.

Logo, a multa delimitada nos contratos para atraso de obra tem cunho indenizatório pelo inadimplemento relativo da obrigação (mora). Porém, a despeito de seu caráter moratório, não se pode admitir que seja cumulada com perdas e danos sob o argumento de que estes possuem natureza compensatória, conquanto não houve inadimplemento absoluto, mas relativo.

Observa-se, assim, que tanto a multa moratória, como os lucros cessantes buscam indenizar o credor pela mora, sendo que em hipótese nenhuma é possível compreender que os lucros cessantes detêm caráter compensatório, pois não estamos diante de um inadimplemento absoluto, mas relativo.

Dessa forma, se a natureza da indenização é a mesma, dada a forma de inadimplemento envolvido (relativo), tem lugar a previsão do art. 416 do Código Civil, de que não pode o credor exigir, além da multa, perdas e danos se assim não foi convencionado pelas partes, ou, se o foi, o credor não provar que o prejuízo excede à indenização pré-fixada em contrato.

Contudo, os Tribunais brasileiros vêm permitindo a cumulação sem qualquer comprovação de que o prejuízo excedeu a indenização pré-fixada em contrato e sem atentar para a espécie de inadimplemento.