Participante de reality show tem direito à privacidade?


Participante de reality show tem direito à privacidade?


Por Paula Collona

Indo direto ao ponto, o direito à privacidade é um direito fundamental e irrenunciável que está previsto no artigo 5°, X da Constituição Federal, um direito fundamental a todos da sociedade. Veja:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Em suma, não é possível abrir mão deste direito, entretanto, como tudo no direito, há exceções. Ao aceitar participar de um programa de televisão de reality show como o Big Brother Brasil, o participante renuncia temporariamente os direitos à privacidade, intimidade e imagem. A renúncia temporária é aceita pelo ordenamento jurídico, conforme o seguinte enunciado:

Enunciado nº 4 da I Jornada de Direito Civil: O exercício dos direitos da personalidade pode sofrer limitação voluntária, desde que não seja permanente nem geral.

Logo, durante os aproximados 3 meses de confinamento, os direitos de privacidade e liberdade passam a não valer para o participante. A partir do momento em que o programa termina, o participante volta a ter pleno direito a liberdade e privacidade.

Um outro ponto que deve ser levado em consideração é que após o fim do programa, o público continua com a curiosidade e uma relação imaginária de intimidade com os participantes, e a partir desse momento o participante passa a ter o “interesse do público”.

É nesse momento que surge na mídia a insistente confusão entre interesse do público e interesse público.

De forma mais detalhada, convém conceituar interesse público e mera curiosidade de acordo com decisões tomadas pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos: (...) o interesse público somente pode ser invocado como defesa da mídia diante de uma situação em que haja a veiculação de matérias confidentes ou privadas, propriamente, nos casos em que a publicação revelar reportagens pelas quais o público deveria ter um interesse.

Em tese, o interesse do público são informações em que não há utilidade para a coletividade ou desenvolvimento social porque dizem respeito às atividades diárias que todos nós fazemos. Nessa toada, o modo como a vida alheia é exposta incentiva a invasão de privacidade, fazendo parecer que a curiosidade é um sentimento inocente e escondendo a gravidade que pode se tornar.

Importa também citar que o direito à privacidade e à intimidade traz à tona questionamentos sobre o que é considerado privado e o que é público. Dito isso, cito a famosa

Teoria Alemã de 1950, criada pelos alemães Henrich Hubmann e Henrich Henkel, onde limitam as esferas da reserva da vida privada da seguinte forma:

Esfera Privada – O indivíduo esconde do público geral alguns pontos da sua vida. Caso resolva revelar aspectos de sua vida será apenas para amigos e pessoas que convivem muito e tem certa confiança.

Esfera Íntima – São acontecimentos ainda mais íntimos, que ocorrem entre o indivíduo e sua família. As demais pessoas não têm acesso.

Esfera do Sigilo – Muito mais fechada e íntima. São aquelas ideias mais profundas que se tem e que absolutamente ninguém sabe.

Por conseguinte, a população brasileira tem culturalmente a tendência a achar que pessoas famosas automaticamente devem abrir mão de sua privacidade e compartilhar tudo com seus fãs, o que não tem qualquer tipo de base legal. Assim, não é incomum ocorrer situações de invasão de privacidade e violação da imagem logo nos meses seguintes do fim do confinamento.

Outro direito fundamental que o público erroneamente acredita que seja ilimitado, é o direito à imagem. Novamente, é um direito da personalidade que pode apenas ser flexibilizado, seguindo a mesma tendência exposta pelo direito à privacidade.

Ademais, nos casos em que a imagem do participante for usada para fins diversos ao combinado no contrato com a emissora, o participante poderá buscar indenizações por danos morais/materiais.

Por fim, reforço que o direito à privacidade e a imagem é fundamental e não pode ser renunciado, entretanto, pode ser flexibilizado temporariamente. Caso a pessoa que tenha interesse em abrir mão desse direito, é importante a orientação de uma assessoria jurídica antes de qualquer decisão a fim de elaborar contratos que sejam eficientes em relação à proteção de seus direitos fundamentais, e não prejudique futuramente o cliente.

Referências:

1. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm

2. https://www.sedep.com.br/artigos/direito-a-imagem-de-pessoas-famosas-nao-e-ilimitado/

3. CHEQUER, Claudio. A mera curiosidade do público não faz um assunto transformar-se em tema de interesse público. Disponível em: <http://www.cartaforense.com.br/conteudo/artigos/a-mera-curiosidade-do-publico-naofaz- um-assunto-transformar-se-em-tema-de-interesse-publico/8839> Acesso em: 23 abr. 2019.

4. FERNANDES, Milton. Proteção Civil da Intimidade. São Paulo, 1977, p. 56 apud MORI, Michele Keiko. Direito à intimidade versus informática. Curitiba. Juruá Editora, 2010, p. 27