O papel normativo do Supremo e alguns impactos da decisão no HC 126.292 sobre o sistema jurídico


O papel normativo do Supremo e alguns impactos da decisão no HC 126.292 sobre o sistema jurídico


Por Aldo de Paula Junior

Doutor e Mestre em Direito pela PUC/SP. Professor da FGV Direito SP, IBET e IDP. Advogado.

A decisão desta quarta-feira (17/02) do STF no HC 126.292 (prisão antes do trânsito em julgado) provoca reflexões importantes sobre o papel do Supremo Tribunal Federal na concretização de sentido do texto constitucional e impactos significativos em outras áreas do direito.
O texto do art. 5º, LVII diz que “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”. Este enunciado contém a “garantia constitucional” (esta qualidade tem sentido normativo relevante em nosso sistema) denominada no julgamento como “princípio da presunção de inocência (ou de não culpabilidade)”.
Como destacado no voto vencedor do Min. Teori, a interpretação do STF logo após a Constituição (1991) foi que “a presunção de inocência não impede a prisão decorrente de acórdão que, em apelação, confirmou a sentença penal condenatória”, ou seja, pode prender antes do trânsito em julgado.
Em 2009 o STF mudou a interpretação do mesmo enunciado para entender que “a prisão decorrente de condenação pressupõe o trânsito em julgado da sentença” (HC 84.078/MG (Rel. Min. Eros Grau, Tribunal Pleno, DJe de 26/2/2010), ou seja, não pode prender antes do trânsito em julgado.
E na sessão desta quarta-feira (17/02) o mesmo (?) STF entendeu que o mesmo (!) enunciado (texto) não impede a prisão decorrente de acórdão de segunda instância pendente de recurso aos Tribunais Superiores, ou seja, pode prender antes do trânsito em julgado.
Neste cenário, independentemente do acerto sobre o conteúdo do “princípio da presunção de inocência (ou de não culpabilidade)”, das discussões sobre efetividade do Direito Penal ou sobre o sentimento de impunidade no Brasil, nos interessam as seguintes perguntas:
1) Com qual amplitude (extensão) devem ser interpretados enunciados (textos) que veiculem garantias constitucionais?
2) Se a garantia é cláusula pétrea (não pode ser reduzida nem por emenda constitucional) pode sofrer mutação constitucional (mudança de sentido por meio de interpretação)?
3) Houve mutação constitucional (mudança do sentido por meio da evolução dos tempos) ou mudança de entendimento por alteração da composição da Corte?
4) Se houve mutação constitucional, o que mudou de 2009 para 2016?
5) Por se tratar de mudança de entendimento sobre garantia constitucional, como ficam os fatos produzidos sob a égide do entendimento anterior do próprio Tribunal?
6) Esta interpretação será aplicada a todos os casos submetidos ao mesmo dispositivo constitucional (além do roubo qualificado discutido no caso, os crimes tributários, financeiros, etc.)?
7) Os critérios de hermenêutica constitucional adotados neste caso serão aplicados a todas as demais garantias constitucionais?
8) Qual a força da jurisprudência (e dos precedentes do STF) sobre o sistema diante da mudança em curto espaço de tempo? Os cidadãos (e os Juízes, autoridades administrativas, etc.) devem segui-la (a que está em vigor) ou insistir em nova mudança de paradigma?

São Paulo, 19 de fevereiro de 2016. Opinião, http://jota.uol.com.br/o-papel-normativo-do-supremo-e-alguns-impactos-da-decisao-no-hc-156-292-sobre-o-sistema-juridico