Por Bruno Vianna Espirito Santo*
De longa data a Administração Pública vem, gradativamente, deixando de exigir dos concorrentes em licitações voltadas à delegação de serviços públicos a apresentação dos planos de negócios. Em seu lugar, passou-se a demandar a apresentação de cartas emitidas por instituições financeiras de grande porte declarando que analisaram os mencionados planos de negócio e atestam sua exequibilidade.
Atualmente, vem crescendo o número de certames que não são organizados e geridos direta ou exclusivamente pelo Poder Público, por meio de suas comissões de licitações, que passam a ser assessoradas – e em certa medida substituídas – por instituições especializadas na realização de ofertas públicas e recebimento de múltiplas propostas.
Não é difícil perceber que, no primeiro caso, poderia ser argumentado que a necessária contratação de uma instituição financeira para realizar a análise dos planos de negócio configura a criação de uma demanda artificial dos serviços prestados pelas entidades mencionadas.
Lado outro, não se pode ignorar que tanto a contratação acima mencionada quanto a organização de certames por terceiros externos ao órgão ou entidade licitante implica no desembolso de vultosas somas (no último caso as cifras notoriamente alcançam as centenas de milhares de reais). Ainda, a participação em licitações organizadas por terceiros usualmente demanda a contratação dos serviços prestados por agentes credenciados (ex: corretoras), inserindo mais uma engrenagem no processo.
E é aqui que a surge a potencial interseção entre a Lei da Liberdade Econômica e as grandes licitações realizadas, sobretudo, pela União e pelos Estados.
Conforme constatado em inúmeras análises sobre a Lei Federal nº 13.874/2019, melhor conhecida como a “Lei da Liberdade Econômica”, seu texto é, por vezes, excessivamente abstrato, ambíguo e aberto a diversas interpretações. Em razão da potencial imprecisão de seus dispositivos, é possível questionar a extensão de sua incidência sobre a atuação do Poder Público de forma geral, e especificamente, dos incisos V e VI do art. 4º ¹.
Os dispositivos mencionados determinam que é dever da Administração Pública, no exercício de regulamentação de norma pública, evitar o abuso do poder regulatório, de maneira a indevidamente “aumentar os custos de transação sem demonstração de benefícios” ou “criar demanda artificial ou compulsória de produto, serviço ou atividade profissional”.
Partindo da premissa de que a Administração não pode incorrer em abuso ao regulamentar norma pública, é possível também afirmar que, da mesma forma, não poderia agir de modo a incorrer nas condutas vedadas, exceto se no estrito cumprimento de lei.
Nota-se que, com base em uma interpretação extensiva da Lei da Liberdade Econômica, as práticas acima descritas – históricas ou recentes – podem não mais estar adequadas ao ordenamento.
É importante ressaltar que as considerações acima não significam que as mencionadas exigências são automaticamente ilegais. Na atual ordem constitucional, a Administração Pública tem o dever de motivar seus atos, de forma que poderá justificar, caso a caso, as exigências que vir por bem inserir nos editais de licitação.