Impactos da reforma tributária nos créditos de ICMS acumulados


Impactos da reforma tributária nos créditos de ICMS acumulados


Por Clarissa Viana e Mariana Lima

Desde a aprovação histórica da reforma tributária em dezembro de 2023, com a promulgação da Emenda Constitucional nº 132, várias alterações importantes decorrentes do novo sistema tributário vêm demandando atenção dos contribuintes, especialmente aquelas que requerem uma postura ativa e antecipada, na busca por alternativas para minimizar o impacto financeiro negativo das novas regras e focar os recursos existentes na geração de novas oportunidades negociais.

Uma questão importante que deve estar “no radar” das empresas – que decorre da criação do Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com a extinção do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) – é a necessidade de adotar medidas para assegurar que os créditos de ICMS acumulados pelas empresas sejam monetizados no prazo mais curto possível.

O acúmulo de créditos de ICMS surge a partir da impossibilidade da empresa de absorver integralmente os créditos gerados na apuração, nos casos que, sistematicamente, as empresas apuram mais créditos do que débitos, como, por exemplo, as empresas exportadoras.

Ao contrário do que se possa imaginar, o texto da emenda constitucional trouxe a possibilidade de utilização do saldo de créditos de ICMS após 2033 para compensação com o novo imposto. O problema é que a norma prevê o aproveitamento desse saldo de créditos em 240 parcelas mensais, iguais e sucessivas – ou seja, diluído no prazo de 20 (vinte) anos – e que, a partir de 2033, os saldos credores serão atualizados pelo IPCA ou outro índice que venha a substitui-lo, e não mais pela Taxa SELIC.

Assim, além do longo prazo para utilização dos créditos acumulados, o que implica em dispêndio de “caixa” pelas empresas, o índice de atualização do saldo acumulado será um índice inferior àquele aplicado aos débitos, que é a Taxa Selic. Ou seja, a Fazenda Pública adotará índices diversos para atualizar créditos e débitos, o que já foi afastado pelo Supremo Tribunal Federal em julgamento do passado (Recurso Extraordinário nº 870.947 – Tema de Repercussão Geral 810).

Além disso, não se pode afastar o risco de lei complementar, a ser futuramente editada para regulamentar o IBS, vir a introduzir restrições adicionais à utilização do saldo e sua transferência a terceiros, mesmo nas hipóteses hoje já permitidas. Afinal, segundo o texto da EC nº 132, caberá à lei complementar dispor sobre “as regras gerais de implementação do parcelamento previsto no § 3º” e “a forma pela qual os titulares dos créditos de que trata este artigo poderão transferi-los a terceiros”.

Para os créditos de ICMS acumulados por exportadoras, a legislação atual permite realizar a transferência a terceiros sob duas únicas condições: (i) que o adquirente esteja situado no mesmo Estado e (ii) que a autoridade fazendária tenha reconhecido a existência do crédito a ser transferido.

Contudo, os contribuintes exportadores já enfrentam dificuldades para utilizar e transferir a terceiros seus créditos de ICMS, pois, além da morosidade na análise e liberação dos créditos, diversos Estados impõem restrições não previstas na lei geral sobre o tema (Lei Complementar nº 87/96), tais como a necessidade de utilizar os créditos para quitar apenas parte dos débitos correntes, devendo pagar o restante em moeda corrente, bem como a impossibilidade do contribuinte ter pendências com o Fisco Estadual, inclusive débitos com exigibilidade suspensa. Há Estados – como Minas Gerais, por exemplo – que, além de limites individuais, impõem ainda um limite mensal global máximo de créditos passíveis de utilização/transferência, abarcando todos os contribuintes do Estado, criando-se uma espécie de “fila”.

Entretanto, essas limitações impostas pelos Estados para o aproveitamento e transferência de créditos de ICMS acumulados são indevidas, na medida em que extrapolam as normas previstas na Lei Complementar nº 87/1996 e no Código Tributário Nacional. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça consolidou o entendimento nesse exato sentido.

Diante do cenário de incerteza quanto à futura lei complementar que regulará, após 2033, a forma de utilização e transferência dos créditos acumulados, surge a necessidade de se adotar medidas que busquem monetizar tais créditos, de modo a, desde já, afastar as atuais restrições ao aproveitamento ou agilizar a análise de pedidos de transferência que extrapolem o prazo previsto em lei (120 dias no Estado de São Paulo, por exemplo). Tudo no intuito de monetizar o maior volume de créditos antes da extinção definitiva do ICMS.

Uma alternativa para monetizar os créditos acumulados de ICMS é buscar a sua utilização para o pagamento do ICMS-Difal (diferencial de alíquota), para as empresas a ele sujeitas. Isso porque, com o advento da Lei Complementar nº 190/2022, a norma limitou a utilização de crédito acumulado de ICMS para compensar débito correspondente ao imposto devido ao Estado de origem, nas operações envolvendo tomador ou consumidor final não contribuintes, de modo que o contribuinte da diferença de alíquota sempre tenha que liquidá-la em dinheiro.

Minas Gerais, inclusive, veda a compensação de débitos do ICMS-Difal com créditos de ICMS, mesmo que seu recolhimento seja realizado pelo consumidor final contribuinte do Imposto (na entrada da mercadoria no Estado de destino).

Em todos esses casos, as limitações impostas pelos Estados extrapolam a Constituição e já há amparo do Judiciário para derrubá-las.

Conforme a máxima conhecida no meio jurídico, “o direito não socorre aos que dormem”, de forma que é importante que os acumuladores de crédito se atentem às possibilidades e ajam enquanto ainda há tempo.