Por Isabel Franco, Glaucia Ferreira e Viviane Próspero
O GAFI, Grupo de Ação Financeira, esteve no Brasil, em março de 2023, para a chamada Avaliação, que analisa o nível de conformidade do país com as 40 Recomendações do GAFI (“Recomendações”) e o nível de efetividade do sistema de prevenção e combate à lavagem de dinheiro e ao financiamento do terrorismo (“FT”) e da proliferação de armas de destruição em massa (“PLD/FTP”). Este artigo trata dos reflexos das Recomendações para as pessoas obrigadas (“PO”) – aquelas relacionadas no artigo 9º da Lei no 9.613, de 1998, para as quais os artigos 10 e 11 impõem obrigações de PLD/FTP - pelo Conselho de Controle de Atividades Financeiras (“COAF”), por meio de seus instrumentos de fiscalização.
O GAFI, entidade intergovernamental estabelecida em 1989 durante a reunião do G7 em Paris, tem por função a definição de padrões internacionais e a promoção da efetiva implementação de medidas legais, regulatórias e operacionais contra a lavagem de dinheiro, o financiamento do terrorismo e a proliferação das armas de destruição em massa, além da proteção da integridade do sistema financeiro internacional relacionadas a esses crimes. Visa também identificar vulnerabilidades nacionais, em colaboração com outros atores internacionais, a fim de proteger o sistema financeiro internacional de uso indevido. No Brasil, sua representação é liderada pelo COAF, Unidade de Inteligência Financeira do Brasil e autoridade central do sistema de PLD/FTP.
Periodicamente, o GAFI analisa o nível de conformidade dos países membros e o nível de efetividade do sistema de PLD/FTP, com base nas 40 Recomendações do próprio GAFI, que são reconhecidas como o padrão internacional de PLD/FTP e estabelecem um sistema abrangente e consistente de medidas que devem ser adotadas pelos países membros. Referida análise, chamada Relatório de Avaliação Mútua (“Relatório”), foi publicada em dezembro de 2023 para o Brasil, e forneceu recomendações sobre como pode ser fortalecido o sistema brasileiro. Assim, as principais conclusões do Relatório incluíram:
a) a falta de profundidade no entendimento dos fluxos financeiros vinculados a crimes ambientais;
b) a necessidade de uma maior cooperação e coordenação entre as autoridades, especialmente a Polícia, o Ministério Público e a Receita Federal do Brasil (“RFB”), de forma que os esforços empenhados nas medidas de PLD/FTP sejam melhor articulados e alinhados aos objetivos e prioridades de tais medidas, que devem possuir estratégias mais abrangentes e de longo prazo;
c) a insuficiência de recursos para as autoridades (principalmente para promotores e COAF), o que impede a produção de inteligência financeira aprofundada para identificar um maior número de esquemas de lavagem de dinheiro, além de frustrar os esforços para rastrear redes financeiras criminosas;
d) a melhoria da implementação de sanções contra o FT pelo setor privado, notadamente pelo setor financeiro, sendo necessária uma maior orientação para o setor privado. As organizações sem fins lucrativos ainda não estão sujeitas às medidas de prevenção ao FT;
e) a falta de regulamentação de algumas atividades, em especial as de advogados e prestadores de serviços de ativos virtuais, deixando tais áreas de atuação sujeitas a sérias vulnerabilidades;
f) a falta de informações sobre os beneficiários finais das empresas na base de dados da RFB, bem como a dificuldade de acesso às suas informações declaratórias, tanto pelo COAF quanto pelas demais autoridades administrativas dedicadas ao combate à corrupção, devido ao sigilo fiscal;
g) a necessidade de melhorias, por parte das autoridades brasileiras, na extradição e na velocidade das respostas, nos casos de solicitações de cooperações internacionais.
Essas conclusões se refletem no dia a dia das PO por meio dos instrumentos de fiscalização do COAF, que são a Avaliação Eletrônica de Conformidade (“AVEC”), a Averiguação Preliminar Objetiva (“APO”) e a Averiguação Preliminar Ampla (“APA”), com os quais as PO podem se deparar, a depender do grau de risco que representem, em consonância com a Recomendação 1 do GAFI, que dispõe sobre o dever dos órgãos de supervisão de adotarem medidas que garantam que a aplicação de recursos e esforços em PLD/FTP seja proporcional aos riscos identificados.
Assim a AVEC, formulário automatizado de fiscalização, visa mensurar o grau de conformidade da PO em relação às obrigações de PLD/FTP estabelecidas nas normas vigentes. Nele deve estar refletida de maneira fidedigna a situação da PO, pois passível de posterior verificação pelo regulador. Além de analisar as respostas recebidas, o COAF também envia um feedback para que a PO tenha um parâmetro sobre o grau de seu cumprimento das obrigações, o qual pode ser classificado em três situações:
a) sem recomendações, quando os controles forem considerados adequados;
b) recomendação sem acompanhamento, quando verificadas inadequações de baixo risco; e
c) recomendação com acompanhamento, quando verificadas inadequações que possuam maior risco. Nesse caso, haverá a designação de prazo para que sejam adotadas as providências necessárias à adequação das inconformidades.
Após o término do prazo, uma nova AVEC deve ser preenchida, com o objetivo de identificar se foram seguidas as recomendações ou não. Apesar de os resultados obtidos por meio desse procedimento não ensejarem quaisquer consequências de natureza punitiva, enfatiza-se que o resultado da AVEC compõe um dos critérios considerados pela área de fiscalização do COAF para a seleção das pessoas a serem alcançadas por averiguações preliminares.
Em seguida à AVEC, o COAF adota o procedimento de Averiguação Preliminar, que abrange as modalidades de APO e APA.
a) a APO visa verificar o cumprimento das obrigações de natureza objetiva, em situações de baixo risco, como, por exemplo, ausência de cadastro no COAF; ausência de comunicação de não ocorrência de propostas, transações ou operações passíveis de comunicação ao COAF. São situações em que apurações pormenorizadas não se fazem necessárias para a constatação do descumprimento.
b) a APA é o procedimento de fiscalização às situações que envolvam maior complexidade ou risco, com a requisição de dados e documentos, que serão analisados quanto à conformidade com as obrigações pelas normas vigentes. Referida análise compreende, no mínimo, o cadastramento no COAF; a identificação e manutenção do cadastro de clientes; o registro de operações; o atendimento às requisições do COAF; a realização de comunicações de operações em espécie ou de operações suspeitas; o envio de declaração de não ocorrência; a adoção de políticas, procedimentos e controles internos que assegurem o cumprimento dos demais deveres.
Dessa forma, quando por meio dos instrumentos de fiscalização do COAF é constatada infração à legislação de PLD/FTP pela PO, instaura-se o Processo Administrativo Sancionador (“PAS”) para apuração das condutas imputadas, no qual é assegurado às partes o direito à ampla defesa e ao contraditório, além da proteção por sigilo legal. Em caso de condenação, podem ser aplicadas sanções como advertência; multa pecuniária; inabilitação temporária, pelo prazo de até dez anos, para o exercício do cargo de administrador das pessoas jurídicas; e cassação ou suspensão da autorização para o exercício de atividade, operação ou funcionamento.
Concluindo, o que pode parecer abstrato, quando se fala em GAFI e PLD/FTP, reflete-se de forma prática no dia a dia da PO, por meio dos instrumentos de fiscalização do COAF, que se aprimoram cada vez mais. Se o crime de LD/FTP está mais sofisticado a cada dia, assim também devem ser os instrumentos e práticas para coibi-lo.
REFERÊNCIAS
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