Neutralidade Tributária: A expectativa de manutenção da arrecadação em contrapartida da redução da tributação sobre a folha de pagamento e sobre o consumo


Neutralidade Tributária: A expectativa de manutenção da arrecadação em contrapartida da redução da tributação sobre a folha de pagamento e sobre o consumo


O texto da Proposta de Emenda Constitucional nº 45/19 (“PEC 45”), já aprovada pela Câmara dos Deputados e atualmente em tramitação no Senado, traz em suas disposições, principalmente, a reforma tributária sobre o consumo, com a extinção de tributos atualmente existentes como ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI, e sua substituição por dois novos tributos: CBS e IBS.

No entanto, não passou batido no texto apresentado a indicação da necessária reforma tributária sobre a renda, que deve ser apresentada em breve. 

Apesar de o objetivo principal da PEC 45 ser a reforma da tributação sobre o consumo, o texto legislativo apresentado dispôs que no prazo de 180 dias após eventual promulgação da Emenda, deve ser encaminhado ao Congresso Nacional projeto de lei que verse sobre a Reforma Tributária do Imposto Sobre a Renda, apresentando, também, as estimativas e estudos de impactos orçamentários e financeiros que ocorrerão com a alteração da tributação sobre a renda. 

Como amplamente divulgado pelo Executivo, o objetivo da reforma tributária não é o aumento da carga tributária das empresas, mas sim a simplificação do sistema de tributação existente atualmente. Seguindo esse raciocínio e na tentativa de buscar mecanismos para que a reforma tributária no geral alcançasse esse objetivo, o texto em tramitação, em seu art. 18, parágrafo único, prevê a possibilidade de que eventual aumento da tributação decorrente da reforma tributária do imposto de renda seja utilizado como fonte de compensação para redução da tributação incidente sobre a folha de pagamentos e sobre o consumo de bens e serviços.

Significa dizer que, na hipótese de a reforma da tributação sobre a renda resultar em aumento da carga tributária, esse aumento poderá ser utilizado para justificar uma diminuição da tributação incidente sobre a folha de pagamentos e sobre o consumo de bens e serviços, por meio do mecanismo de compensação.

No entanto, é preciso atentar ao fato de que o dispositivo em questão não é vinculativo para a gestão pública, mas apenas programático, isto é, indicativo de um direcionamento da política pública de arrecadação.

O Governo atual tem indicado que a reforma sobre a renda terá como objetivo, dentre outros, corrigir distorções distributivas que, atualmente, impedem que a progressividade tributária seja amplamente observada. Tal movimento ocorreria por meio da redução das alíquotas do IRPJ e da CSLL, tributos cobrados sobre o lucro das empresas, e, em contrapartida, a instituição da tributação sobre lucros e dividendos pagos às pessoas físicas.

Vale lembrar que, em 2021, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei que previa exatamente esse movimento. O projeto, no entanto, perdeu força e não chegou a ser analisado pelo Senado. Os estudos apresentados pelo Governo à época indicavam que haveria aumento da arrecadação de tributos sobre a renda e, por esta razão, esperava-se que fosse editada norma reduzindo a tributação sobre a folha de pagamentos.

A par da reforma que está por vir, no entanto, o Governo vem apresentando medidas complementares que visam à tributação da renda, que pretende atingir a chamada “população de alta renda”, sob a alcunha da promoção da progressividade tributária e da justiça social. Dentre as medidas anunciadas estão o fim da dedutibilidade dos juros sobre capital próprio (“JCP”) e a tributação dos fundos exclusivos. Na outra ponta, tem-se a correção da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física, que visa adequar a muito defasada faixa de isenção do referido imposto, beneficiando aqueles que detém menor capacidade contributiva.

Como o texto da PEC 45 não vinculou a arrecadação adicional à compensação, mas apenas indicou sua possibilidade, há grande incerteza sobre sua aplicabilidade e efeitos, que somente poderão ser avaliados uma vez apresentada a reforma tributária sobre a renda, quando será possível avaliar com mais detalhes as medidas estruturais sobre o imposto de renda propostas pelo Governo e se haverá ou não arrecadação adicional que justifique a aplicação do dispositivo em comento.

Mais ainda, parece haver uma distinção clara entre os projetos que implicam reforma da tributação da renda que estariam sujeitos a compensação: de um lado, a reforma da renda propriamente dita, que se operaria sobre as pessoas físicas e jurídicas de modo geral e que deverá ser apresentado em momento futuro – dentro dos 180 dias previstos na PEC 45; de outro lado, as alterações já em curso, que se pautam no discurso da correção de distorções sociais e tributação com base no princípio da capacidade contributiva, mas que invariavelmente vão implicar em majoração da arrecadação tributária.

Cabe frisar que a redução da tributação sobre a folha de pagamentos traz fortes implicações na capacidade de contratação e retenção pelas empresas, gerando emprego e renda. A tributação do consumo impacta diretamente toda a população, com maior peso sobre as classes menos privilegiadas. Nesse sentido, a possibilidade de compensação de eventual ganho de arrecadação com a tributação da renda com a tributação sobre o consumo ou sobre a folha de pagamentos se apresenta como um mecanismo que busca, novamente, corrigir distorções sociais.

Resta acompanhar os desdobramentos da reforma tributária sobre o consumo e, subsequentemente, a apresentação do texto da reforma tributária sobre a renda para que se possa verificar se a promessa de não aumento da carga tributária será cumprida, ainda que pela via de compensação. Cenas dos próximos capítulos...