Desafiando o status quo: quais são as ferramentas que as mulheres estão usando para promover sua própria inclusão no mercado?


Desafiando o status quo: quais são as ferramentas que as mulheres estão usando para promover sua própria inclusão no mercado?


Por Alessandra Martins de Souza e Natasha Midori Hinata 

Por décadas movimentos organizados por mulheres lutam para conquistar a igualdade de condições e tratamento dispensados aos homens na sociedade. Essa luta não é homogênea em sua composição, nas suas proposições ou mesmo nos seus métodos1, mas é seguro dizer que a busca por inserção e igualdade de condições no mercado de trabalho se destaca dentre os temas comuns de reivindicação.  

 A busca por alterar as bases estruturais da sociedade e o engajamento da comunidade na inclusão de mulheres no mercado de trabalho são ferramentas usadas com múltiplas abordagens, já que (felizmente) avanços foram conquistados ao longo dessas décadas. A má notícia é que esses avanços ainda não são suficientes para nos declarar como uma sociedade inclusiva e em estado de igualdade de gênero e, por esse motivo, este artigo pretende trazer um olhar atual para esse tema. Em especial, nos perguntamos o que acontece quando as ferramentas do engajamento não atingem os objetivos almejados ou quando o prazo para a “chegada ao topo” acaba sendo muito superior ao esperado?  

A percepção de que o mercado não acompanha as demandas femininas na velocidade esperada não é recente. Em que pese o progresso, as mulheres ainda possuem baixíssima representatividade em cargos de liderança, por exemplo. Segundo o relatório Women in the Workplace 2022, da McKinley2, embora representem 48% das posições de entrada no mercado de trabalho e 40% de posições de gerência (as duas primeiras faixas avaliadas), apenas 26% dos cargos de liderança (os chamados c-level) são ocupados por mulheres. Esse percentual cai para baixíssimos 5% quando falamos de mulheres negras. Isso representa um tímido aumento de 6% nos últimos 5 anos, quando comparado ao relatório de 2017. 

Ainda segundo o relatório, as mulheres, que já enfrentam grandes desafios para ingressar no mercado em condições semelhantes aos homens, se deparam com dificuldades das mais diversas em seu caminho para atingir o topo da estrutura. O broken rung, ou “degrau quebrado”, pelo oitavo ano consecutivo é um dos principais fatores que impedem o crescimento das lideranças femininas. No caso, para cada 100 homens promovidos de posições iniciais para cargos de gerência, apenas 87 mulheres são promovidas. Essa disparidade só aumenta conforme as mulheres acessam cargos mais altos na estrutura corporativa. Adicionalmente, as mulheres sofrem frequentes questionamentos quanto à sua capacidade e competência para a posição ocupada e constantemente têm questões pessoais indicadas como elementos decisivos em sua - não - promoção a cargos de liderança, algo que ocorre com muito menos frequência com homens.  

Como as mulheres bem sabem, a vida corporativa feminina apresenta desafios adicionais, que – infelizmente – incluem questões como disparidade salarial, gravidez, parentalidade, o corpo feminino e idade. Eventos recentes na Nova Zelândia, com a renúncia da primeira-ministra Jacinda Ardern, acenderam o debate sobre desafios pós-inclusão: a manutenção dos cargos3. 

Afinal, o que fazer? Mulheres pelas Mulheres 

Como sempre, mulheres notaram que engajar a sociedade como um todo para mudar suas estruturas não traz resultados na velocidade e qualidade de que precisam. Assim, vemos iniciativas 100% femininas tomarem a dianteira para tentar dar o “empurrão” que faltava. Seja por grupos de apoio e incentivo voltado ao público feminino, ou iniciativas setoriais e empreendedorismo gerado por mulheres, fica claro que as mulheres vêm buscando conquistar cada vez mais o seu espaço, e criar uma cultura de trabalho diferente, mais inclusiva, acolhedora e consciente dos desafios e anseios da profissional mulher. 

Dentre as iniciativas existentes, uma dos Estados Unidos se destacou recentemente na mídia. Voltada à liderança feminina, a Chief se define como uma rede, com o objetivo de fornecer uma comunidade exclusiva para mulheres em cargos de liderança de nível executivo. Fundada em 2019, a organização tem como missão capacitar mulheres em posições de liderança para alcançar todo o seu potencial, através de programas e serviços de desenvolvimento profissional, coaching e networking. A organização acredita que a diversidade de perspectivas e experiências trazidas por mulheres em cargos de liderança é crucial para o sucesso das empresas e organizações. 

Os membros da Chief são selecionados através de um processo rigoroso de inscrição e entrevista para garantir que a rede seja composta por mulheres líderes de alta qualidade e com experiência significativa em suas respectivas áreas de atuação. Atualmente, a procura é tão grande que há uma fila de espera de 60 mil mulheres querendo ingressar na comunidade, o que é um atestado empírico de que há gargalos no mercado de trabalho e as mulheres estão ativamente buscando superá-los. 

No Brasil contamos com um grupo 10 anos mais antigo que o estadunidense, focado no mercado jurídico, que é o Jurídico de Saias4. O grupo é formado por mulheres advogadas atuantes em departamentos jurídicos de empresas, associações ou entidades sem fins lucrativos. Foi criado em 2009 e tem como objetivo o desenvolvimento profissional das mulheres nas carreiras do direito, bem como a discussão sobre as questões de gênero e implementação de ferramentas de aceleração de carreira. Nas próprias palavras do grupo, “nosso propósito é sermos protagonistas em nossas respectivas áreas de atuação, colaborando para o desenvolvimento de novas lideranças femininas dentro da comunidade jurídica brasileira”. Nessa área, inclusive, já encontramos bancas de advogadas, formadas exclusivamente por mulheres, e, em alguns casos, voltadas ao atendimento de mulheres. 

Além das atuações em grupos, há outras ferramentas bastante interessantes para as mulheres darem propulsão à sua própria inclusão, como a criação de fintechs voltadas para a inclusão econômica e financeira.  

As fintechs vêm se mostrando como ferramentas de desenvolvimento de vários setores da economia e da sociedade. Como abordado já pelas autoras5, as fintechs se mostraram como grandes propulsoras para a bancarização da população e aumento de acesso a serviços bancários. Nesse artigo, queremos fazer um recorte específico sobre a inclusão feminina que elas podem impulsionar. O artigo da jornalista e criadora de conteúdo Nicole Casperson6, publicado na Forbes em 12 de março de 20237, aponta que os serviços financeiros perdem receitas de cerca de US$ 700 bilhões (R$ 3,6 trilhões) ao ano por não atenderem às necessidades do público feminino. Essa perda de receita representa, para as mulheres, falta de inserção e oportunidade. 

Desta forma, reflete a autora, mulheres de diversas origens e com diferentes experiências de vida são ideais para criar soluções projetadas especificamente para atender às necessidades negligenciadas por esse mercado. 

Como exemplo, temos a Tala: uma fintech que usa dados de smartphones para conceder empréstimos a pessoas com pouco ou nenhum histórico de crédito. A empresa já atendeu mais de 7,5 milhões de clientes, 58% mulheres, em mercados emergentes como Quênia, México, Filipinas e Índia. “Estamos ajudando a melhorar a vida das mulheres no nível fundamental”, disse o fundador e CEO da Tala, Shivani Siroya. “Isso cria ciclos de melhorias nas famílias e em outras áreas.” 

Com acesso a empréstimos digitais, 63% dos clientes da Tala relataram redução do estresse financeiro. Enquanto isso, 58% das usuárias experimentaram uma melhora na tomada de decisões e 67% falaram sobre ter mais independência financeira.  

Outra fintech voltada para mulheres é Nav.it, um aplicativo de gestão de dinheiro criado e administrado por mulheres, visa capacitar financeiramente seus usuários, dos quais 65% são mulheres, para que elas possam colocar dinheiro de volta em sua comunidade. Em linha semelhante, outra fintech fundada por mulheres, a Aura, tem como proposta aumentar a consciência financeira e a alfabetização das mulheres nesse setor. Em comum, essas mulheres enxergaram que através da educação financeira e do acesso ao crédito, mulheres foram incluídas no mercado de trabalho e em uma vida mais independente. 

O que o futuro reserva para as mulheres? 

O futuro certamente parece indicar que essas iniciativas continuarão sendo muito relevantes para acelerar a promoção da paridade de gênero. As perguntas que nós, como sociedade, devemos fazer são, quais ferramentas devemos adotar e como usá-las em favor da inclusão e permanência da mulher na nossa sociedade, levando em conta, inclusive, aspectos relativos à diversidade entre mulheres. 

Vimos aqui que grupos associativos pode ser uma das respostas. Mas modelos econômicos, como as sociedades empresárias dedicadas a tecnologia e finanças, como as aqui indicadas, também podem ter efeitos práticos muito positivos. 

O que estamos presenciando é a identificação dos principais fatores que afligem a comunidade feminina no mercado de trabalho atualmente, e que, como estudos apontam, serão os fatores de maior importância para a próxima geração de profissionais mulheres. Como advogadas atuantes no direito empresarial, nós autoras gostariam de ver exploradas cada vez mais essas ferramentas jurídicas, societárias e econômicas, para a promoção de inclusão, e convidamos nossos leitores a refletir conosco sobre como fazê-lo. 

O nosso artigo abordou apenas um dos muitos temas relevantes desse cenário, e as iniciativas listadas representam uma pequena parte de um todo vasto. Elas são muitas e têm vários recortes. Sobre o tema, recomendamos também a leitura do artigo “A participação feminina nos conselhos de administração das empresas no Brasil”, das nossas colegas Larissa Vargas de Carvalho Pereira e Júlia Alves, publicado na edição desse ano em nosso especial8.

Referências:

1 Deixamos aqui uma referência de um artigo breve, porém didático, sobre as diferentes vertentes e ondas dentro do próprio movimento feminista: BOTELHO, Julia. Feminismo: Ondas e Correntes. Politize, 2022. Disponível em: <https://www.politize.com.br/feminismo/>. Acesso em: 14 de março de 2023.

2 https://www.mckinsey.com/featured-insights/diversity-and-inclusion/women-in-the-workplace#/

3 Análise interessante da jornalista Luciana Gurgel destaca as dificuldades experimentadas pela ex-primeira-ministra, bem como o tratamento sexista de veículos de mídia na cobertura do caso. GURGEL, Luciana. Partida de Jacinda Ardern joga luz sobre assédio e representação de mulheres na mídia. MediaTalks By J&Cia, 2023. Disponível em: <https://mediatalks.uol.com.br/2023/02/03/partida-de-jacinda-ardern-joga-luz-sobre-assedio-e-representacao-de-mulheres-na-midia/https://forbes.com.br/forbes-money/2023/03/fintechs-impulsionam-igualdade-economica-para-mulheres-em-todo-o-mundo/>. Acesso em: 14 de março de 2023.

4 https://juridicodesaias.com.br/

5 Fintechs: Agentes de Fomento de Negócios e de Inclusão Financeira. Disponível em: https://www.azevedosette.com.br/noticias/pt/fintechs-agentes-de-fomento-de-negocios-e-de-inclusao-financeira/6595. Acesso em: 15 de março de 2023. 

6 A jornalista é a fundadora do Fintech is Femme, uma newsletter que tem mais de 60 mil assinantes. Ela também foi considerada uma das mulheres mais inspiradoras da indústria de fintechs em 2022 pela organização de base NYC FinTech Women. Vide: https://workweek.com/brand/fintech-is-femme/

7 CASPERSON, Nicole. Fintechs impulsionam igualdade econômica para mulheres em todo mundo. Forbes Money, 2023. Disponível em: <https://forbes.com.br/forbes-money/2023/03/fintechs-impulsionam-igualdade-economica-para-mulheres-em-todo-o-mundo/>. Acesso em: 14 de março de 2023.

https://www.azevedosette.com.br/noticias/pt/a-participacao-feminina-nos-conselhos-de-administracao-das-empresas-no-brasil/6932