Minas Gerais promove alterações no sistema de licenciamento e fiscalização


Minas Gerais promove alterações no sistema de licenciamento e fiscalização


Desde o início de 2016, o Estado de Minas Gerais tem realizado ampla revisão no regramento legal, nas competências institucionais e própria na estrutura e organização do Sistema Estadual de Meio Ambiente do Estado de Minas Gerais, visando principalmente uma maior eficiência, segurança e celeridade nos processos de licenciamento ambiental1 e de fiscalização no âmbito da competência deste Estado.

Dando continuidade a este processo, no dia 25.01.2017, foi publicado o Decreto Estadual nº 47.137/2017, alterando o Decreto Estadual nº 44.844/2008 e regulamentando aspectos relevantes do licenciamento ambiental e dos procedimentos administrativos de fiscalização. Dentre as alterações mais relevantes destacam-se as seguintes:

Quebrando o paradigma do licenciamento trifásico tradicional (LP, LI e LO2) para todos os empreendimento passíveis de licenciamento ambiental3, onde o empreendedor deveria aguardar a emissão de uma licença para então formalizar um novo processo para emissão da licença subsequente, a norma regulamenta os casos de solicitação de licenças ambientais de forma concomitante (LP+LI+LO) prevista na Lei Estadual nº 21.972/2016. O regulamento prevê que o processo de licenciamento poderá ser realizado em fase única para os empreendimentos: a) de pequeno porte e grande potencial poluidor; b) de médio porte e médio potencial poluidor ou c) de grande porte e pequeno potencial poluidor.

A norma estabelece ainda a possibilidade de emissão de LP e LI concomitantes para os seguintes empreendimentos: a) de médio porte e grande potencial poluidor; b) de grande porte e médio potencial poluidor; c) de grande porte e grande potencial poluidor e, que a LI e a LO poderão ser concedidas concomitantemente quando a instalação implicar também na operação do empreendimento.

Contudo, o Decreto ressalva a possibilidade da SEMAD, quando o critério técnico assim o exigir, determinar que o licenciamento se proceda no modelo trifásico para empreendimentos enquadrados em qualquer classe.

Outro tema relevante tratado na norma é Autorização Provisória para Operar (APO), que é um mecanismo já previsto na legislação mineira que possibilita a operação do empreendimento logo após a formalização do pedido de LO, enquanto se aguarda a análise definitiva pelo órgão ambiental.

Vale registrar, inicialmente, que a norma manteve o mesmo rol de atividades que poderão se beneficiar da APO, limitado para atividades de extração mineral; exploração agrossilvipastoril; tratamento e disposição final de esgoto sanitário e de resíduos sólidos. Com isso outros setores, tipologias e atividades igualmente relevantes (ex.: infraestrutura, energia e outras atividades de utilidade pública) permaneceram excluídos desta prerrogativa, contudo, sem que se vislumbre razão específica para tal tratamento desigual.
A regulamentação genérica sobre a APO causava certa controvérsia sobre as hipóteses de seu cabimento e deixava margem de discricionariedade para o órgão ambiental acolher ou não o pedido.

Nos termos da nova redação do decreto (§5º do art. 9º), o direito de requerer a APO passa a ter requisito adicional a ser atendido. Além da formalização do pedido de LO (que já era exigido anteriormente), o empreendedor deverá comprovar a instalação das medidas de controle ambiental necessárias para a operação. Além de certa redundância na inclusão do novo requisito, visto que a conclusão da instalação e o atendimento das condicionantes pertinentes à licença anterior constitui requisito para requerer a LO, a norma continua genérica e é omissa sobre a forma de comprovação dos requisitos para sua concessão, notadamente, se haverá necessidade de vistoria pelo órgão ambiental ou se os próprios documentos apresentados na formalização do pedido de LO serão considerados suficientes para este fim, o que na prática poderá fazer significativa diferença em termos de prazo para análise e concessão do pedido.

Some-se à incerteza supracitada, o fato de que a norma acabou por substituir a redação anteriormente dada ao §4º do art. 94 por outra matéria distinta e, com isso, retirou a previsão expressa de que a SEMAD dispunha do prazo de 10 (dez) dias para análise e emissão do Certificado da APO[5}.

Outro aspecto relevante refere-se ao prazo máximo de validade das licenças ambientais. Anteriormente, o prazo máximo para uma LO concedida pelo COPAM era de 8 anos, sendo que a legislação estipulava que o prazo máximo da primeira LO para um empreendimento de grande porte deveria ser de 4 anos (DN COPAM 17/96).

Com a alteração feita pelo Decreto, as licenças ambientais poderão ser outorgadas com os seguintes prazos máximos de validade: 05 (cinco) anos para LP; 06 (seis) anos para LI ou LP+LI e até 10 (dez) anos para LO ou licenças concomitantes (LI+LO ou LP+LI+LO). Além disso, a norma estabelece que a partir da primeira renovação da licença, a LO não poderá ter prazo inferior a seis anos. Tal alteração promove o alinhamento da legislação ambiental do Estado de Minas Gerais com a legislação federal (Resolução CONAMA 237/97), permitindo maiores prazos para as licenças ambientais (especialmente daqueles empreendimentos que demonstrem bom desempenho ambiental e que não tenham sofrido autuações) e, ainda, potencialmente diminuirá a sobrecarga do Estado com o alto volume de processos de revalidação de licenças, possibilitando que os agentes públicos foquem esforços em questões de maior relevância.

A alteração na legislação também regulamenta o prazo para o empreendedor responder ao pedido de informações complementares feito no curso do processo de licenciamento, que já havia sido reduzido para 60 dias, prorrogáveis por mais 60 (conforme Lei MG nº 21.972/2016). Contudo, o novo Decreto ressalva que nos casos em que os estudos solicitados exigirem tempo maior para elaboração, este prazo poderá ser aumentado a critério do órgão ambiental.
Em relação à manifestação de outros órgãos no processo de licenciamento ambiental (ex.: IPHAN, IEPHA, Corpo de Bombeiros, etc), a legislação traz importante alteração no sentido de que as manifestações destes órgãos não vincularão a decisão do órgão ambiental, sendo possível a continuidade e a conclusão da análise do processo de licenciamento ambiental e, até mesmo, a emissão de licença ambiental antes do pronunciamento daqueles órgãos.

Contudo, a norma determina que a licença ambiental emitida terá seus efeitos suspensos até que o empreendedor obtenha a manifestação dos órgãos ou entidades públicas intervenientes. Além disso, caso as manifestações dos órgãos ou entidades públicas intervenientes importem em alteração no projeto ou em critérios avaliados no licenciamento ambiental, a licença emitida permanecerá suspensa e o processo de licenciamento ambiental será encaminhado para nova análise e decisão pela autoridade competente (art.11-A). A norma é omissa quanto aos prazos a serem observados para emissão desta nova decisão do órgão, quando cabível.

De um lado, é certo que tal dispositivo estabelece importante mecanismo para evitar que a morosidade de outros órgãos acabe por atrasar o processo de licenciamento ambiental no Estado, sendo nesse aspecto positiva. Por outro lado, haverá certa insegurança jurídica, especialmente, em razão da validade e a eficácia da licença ficarem suspensas e sujeitas ao posterior pronunciamento de órgão interveniente, inclusive, não integrante do SISNAMA.

Em relação à fiscalização e aplicação de sanções administrativas o Decreto também regulamenta aspectos relevantes.

A legislação já possibilitava a redução do valor de multas aplicadas por meio de auto de infração em até cinquenta por cento mediante assinatura de Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e adoção de medidas de reparação e correção do dano ambiental nele fixadas (art. 49). Esse mecanismo de conversão de multas é interessante e pode ser oportuno para todas as partes (Estado, infrator, sociedade e meio ambiente), pois de um lado o TAC assegura que as medidas para cessação do dano e a recuperação ambiental por parte do infrator serão adotadas imediatamente, privilegiando a celeridade e eficiência nas medidas ambientais decorrentes da infração e, por outro lado, põe fim à discussão administrativa ou judicial sobre o (des)cabimento da multa e responsabilização sobre o dano.

Com a alteração promovida nesse dispositivo, a norma passa a contemplar, como medidas do TAC para fins de conversão da multa, a realização de ações ou o fornecimento de materiais que visem à promoção e melhoria de atividades de educação ambiental, regularização e fiscalização ambiental. É importante se atentar para o fato de que a norma permite que a escolha das medidas a serem estabelecidas no TAC para fins de redução da multa (cessação ou reparação do dano X promoção ambiental ou compensatórias) seja feita forma discricionária pelo órgão ambiental, o que impacta na lógica do mecanismo e pode afetar negativamente no grau de incentivo para adoção da medida, pois a cessação e a reparação do dano causado constituem obrigação legal inerente ao infrator, ao passo que as medidas de promoção e apoio à fiscalização indicadas na norma são estritamente facultativas.

A aplicação das multas diárias é outro tema que foi regulamentado no Decreto. Com a nova regulamentação, o órgão competente deverá indicar as medidas e prazos adequados à cessação da poluição ou degradação ambiental, por meio de auto de fiscalização, parecer ou termo de ajustamento de conduta, sendo que o valor da multa diária deverá corresponder a cinco por cento do valor máximo da multa simples cominada para o tipo de infração identificado, multiplicado pelo período (dias) que se prolongou no tempo a poluição ou degradação (art. 70, §4º).

Contudo, importante salientar que em relação ao termo da incidência da multa diária – que tem como base “período que se prolongou no tempo a poluição ou degradação” – é possível que a nova legislação tenha incorrido em certa atecnia ou, até mesmo, ilegalidade. Isso porque, o ato infracional pode se prolongar no tempo em razão de uma infração continuada (ação ou omissão continuada), o que justificaria a incidência da multa diária. Por outro lado, mesmo após cessada a conduta ilegal e contida a fonte poluidora, a poluição ou degradação ambiental pode se prolongar no tempo e perdurar por vários meses ou até anos, por exemplo, em casos de contaminação de solo, águas subterrâneas ou supressão de maciço florestal. Logo, a interpretação literal da norma daria a entender ser possível a continuidade da aplicação de multa diária mesmo após a cessação da conduta (ação ou omissão) ilegal/irregular até que o dano seja integralmente reparado, o que contraria uma série de princípios de direito administrativo sancionador e de direito ambiental, inclusive, o preceito da responsabilidade administrativa subjetiva, recentemente confirmado pelo Superior Tribunal de Justiça. Ao nosso ver, a norma deve ser interpretada no sentido que a multa diária incidirá até que o infrator cesse o ato ilegal continuado (ação ou omissão).

O Decreto em exame ainda altera e inclui novos tipos infracionais contidos nos Anexos I, II e III do Decreto nº 44.844/2008.

Quanto ao Código de infração nº 124 (Deixar de comunicar imediatamente ao NEA ou à PMMG a ocorrência de acidente com danos ambientais), a norma manteve a descrição do tipo mas trouxe critérios mais detalhados sobre o tempo para comunicação do acidente e para a aplicação do fator multiplicador em razão da demora na comunicação, estabelecendo que a comunicação deverá ser realizada pelo empreendedor responsável pelo acidente, ou por seu representante ou contratado, ao NEA ou à PMMG por telefone, imediatamente à ocorrência do sinistro, sendo que a comunicação realizada por terceiros (incluindo órgãos públicos, mídia, etc.) não exime a obrigação de comunicação por parte do empreendedor, para fins de aplicação desta infração.

Em caso de comunicação ocorrida após a primeira hora, até o transcurso de quatro horas da ocorrência do acidente, será aplicado o valor da multa simples. Após o transcurso de quatro horas da ocorrência do acidente até o prazo de vinte e quatro horas, o valor da multa simples será multiplicado por dois e no caso de não comunicação do acidente em até vinte e quatro horas, o valor da multa aplicada pela infração será multiplicado por três, sem prejuízo de outros agravantes e/ou acréscimos previstos na legislação.
São incluídos 03 novo tipo de infração, nos termos do Código 136, 137, 223, sendo o Código 136 “Deixar de apresentar ao órgão ambiental a manifestação de órgão ou entidade pública interveniente relativa ao processo de licenciamento ambiental, no prazo de 30 dias, contados de seu recebimento”, e os códigos 137 e 223 o fato de “desrespeitar, total ou parcialmente, penalidade de suspensão ou de embargo de atividades”, todas as três consideradas infrações gravíssimas.

O Código de nº 301 foi ajustado essencialmente para incluir na descrição do tipo a expressão “ou em desacordo com a licença ou autorização concedida pelo órgão ambiental” ampliando o rol de hipóteses de incidência, que antes incluía apenas “Explorar, desmatar, destocar, suprimir, extrair, danificar ou provocar a morte de florestas e demais formas de vegetação de espécies nativa, em áreas comuns, sem licença ou autorização do órgão ambiental.”

Os Códigos de Infrações nº 316, 350, 353, 361, referentes às infrações contra política florestal e biodiversidade, foram alterados para incluir valores específicos de multas devidas calculadas em razão de volume de material ou áreas de vegetação irregularmente afetadas.

Por fim, é importante ressaltar que o Decreto já está em vigor e as novas regras aplicam–se aos processos de licenciamento em trâmite no órgão ambiental, desde que requerido pelo interessado e realizada a complementação da documentação necessária para a correta instrução (art. 12 e 14 do Decreto Estadual nº 47.137/2017). De igual forma, em razão das alterações promovidas deverá ser observado o princípio da retroatividade benéfica em relação aos benefícios ora estabelecidos e tipos infracionais alterados para condições menos gravosas.

A equipe Ambiental do Azevedo Sette Advogados está à inteira disposição para tratar do assunto acima e de seus reflexos.

[1] Vide: Lei Estadual nº 21.972/ 2016, que dispõe sobre o Sistema Estadual de Meio Ambiente e Recursos Hídricos – SISEMA; Decreto Estadual 46.937/2016, que regulamenta o art. 28 da Lei nº 21.972/2016; Decreto 46.953/2016, que dispõe sobre a organização do Conselho Estadual de Política Ambiental – COPAM; Decreto 46.967/2016, que dispõe sobre a competência transitória para a emissão de atos autorizativos de regularização ambiental; Decreto 46.973/2016, que altera os decretos que dispõem sobre a organização da SEMAD, COPAM, FEAM, IEF e IGAM; Decreto 47.042/2016, que dispõe sobre a organização da SEMAD e Decreto 47.050/2016, que altera o Decreto 46.501 que dispõe sobre a organização do CERH.
[2] LP – Licença Prévia, LI – Licença de Instalação, LO – Licença de Operação.
[3] Excetuados aqueles nas classes I e II que já possuíam previsão legal para serem licenciados via Autorização Ambiental de Funcionamento – AAF em fase única.
[4] “§4º Se o processo de LO estiver devidamente formalizado, o Certificado de Autorização Provisória para Operar será emitido pelo órgão ambiental competente, no prazo de até dez dias, contados da data do protocolo do requerimento de que trata o § 2º.”
[5] Entretanto, na omissão da norma, poderia ser suscitada a aplicação do Art. 22 da Lei Estadual nº 14.184/02 “Inexistindo disposição específica, os atos do órgão ou da autoridade responsável pelo processo e dos administrados que dele participem serão praticados no prazo de dez dias.”.