Cenário da concessão de CREMA


Cenário da concessão de CREMA


*Frederico Bopp Dieterich

O Governo Federal está estudando uma medida provisória para estruturar a concessão da conservação e manutenção de rodovias. Haveria cobrança de pedágio, e a criação de um fundo de equalização para, na prática, viabilizar um subsídio cruzado entre vias superavitárias e deficitárias. Ademais, já se noticiou que o Tesouro Nacional faria um aporte a este fundo equalizador.

Isso parece familiar ao CREMA (Contrato de Restauração e Manutenção), programa criado no final da década de 1990 pelo antigo DNER, com o apoio do Banco Mundial. Naquela ocasião, foi instituído o Programa de Restauração e Descentralização de Rodovias Federais, que adotou uma mudança do modelo de manutenção da malha rodoviária federal, calcado no conceito de gestão por desempenho.

Os serviços licitados sob o CREMA consistiam, basicamente, (i) na manutenção rotineira de rodovias consideradas regulares a boas, e (ii) serviços integrados de restauração e manutenção de rodovias consideradas ruins a regulares.

Aparentemente, veremos o “novo CREMA”. Agora sob a roupagem de concessão de serviço público, e com uma Conta de Desenvolvimento Rodoviário para centralizar recursos e subsidiar empreendimentos deficitários.

A evolução do conceito traz algumas importantes mudanças face ao “CREMA tradicional”: (i) a lei essencial de regência passa a ser a Lei n. 8.987 (Lei de Concessões), aplicando-se apenas subsidiariamente a Lei n. 8.666 (Lei de Licitações e Contratos); (ii) as licitações provavelmente serão realizadas pela ANTT e não mais pelo DNIT, haja vista a competência legal daquela agência para efetuar concessões de rodovias; (iii) também a fiscalização e regulação seriam realizadas pela ANTT; (iv) o contratado será uma Sociedade de Propósito Específico, a concessionária; (v) empreiteiros serão acionistas e terão que conviver diariamente com decisões de investimento e gestão de financiamentos, além de fazer acontecer a obra/serviço; (vi) para se licitar concessões não se exige projeto básico; (vii) o fato de não haver pagamento pelo contratante extingue a necessidade de rubrica orçamentária; (viii) o contratado (ou seja, a concessionária) não só pode, como deve obter os recursos para custear os serviços e obras; (ix) remuneração da concessionária apenas por tarifas (e, eventualmente, algum subsídio); (x) fim das medições e faturas pagas pelo DNIT; (xi) possibilidade de a concessionária obter receitas acessórias; (xii) controle passa a ser finalístico e não por unidade executada; (xiii) cultura de mensuração por desempenho (e não por quantitativos), e de aplicação de sanções pelo seu não atingimento; (xiv) foco em resultado e não na produção; (xv) reequilíbrio econômico-financeiro de uma concessão é mais complexo que o de um contrato sob a Lei n. 8.666; (xvi) concessionária assume o risco da concessão por sua conta e ordem (salvo alguns eventos específicos de reequilíbrio listados no contrato); (xvii) impossibilidade de paralisar serviços sem proteção judicial; etc.

Destacamos que estas circunstâncias devem ser levadas em conta pelos empreiteiros atuantes nos contratos de manutenção sob o regime da Lei nº 8.666 com bastante cautela. Afinal, o perfil de risco de sua atividade econômica será amplamente afetado. Sem falar no seu ciclo de licitações, que se tornará mais esparso e/ou mais alongado.

Incumbe reiterar que haveria uma substancial mudança da natureza contratual, que enseja uma correlata alteração de riscos, direitos e obrigações. Pode parecer que pouco mudou (já que o escopo de serviços é praticamente idêntico), mas não. Trata-se de um conjunto bem distinto de encargos, e impõe-se à concessionária uma gestão profissional de todos os riscos e não apenas da produção nas frentes de trabalho.

Para os empreendedores não acostumados ao modelo de concessões, destacamos os principais riscos e oportunidades…

OPORTUNIDADES – investimentos mais baixos; tendência de ter financiabilidade facilitada; maior amplitude de interessados; remuneração por tarifas pagas pelos usuários.

RISCOS – aumento do endividamento; possível ausência de enquadramento no BNDES; capacidade de gestão; governança mais estruturada; descontos mirabolantes não funcionam bem face aos riscos assumidos em concessões.

Estas são considerações iniciais sobre o tema, já que dependemos da aludida medida provisória para verificar a real situação. Contudo, elas não perdem em mérito ou pertinência, pois visam a ajudar os interessados a se posicionar frente à evolução do mercado.

  • Autor é sócio do Azevedo Sette Advogados, com ampla experiência na área de Infraestrutura.