Telemedicina em tempos de COVID-19: evolução legislativa


Telemedicina em tempos de COVID-19: evolução legislativa


Seguindo a intenção do ofício enviado pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) ao então Ministro da Saúde, que reconheceu a possibilidade do uso emergencial da telemedicina no combate ao contágio da COVID-19, foi apresentado o Projeto de Lei nº 696/2020 (PL 696/2020), no dia 18 de março, no Plenário da Câmara dos Deputados, que dispôs sobre o uso da telemedicina durante a crise causada pelo coronavírus (SARS-CoV-2). Em regime urgente de tramitação, foi aprovado o Substitutivo ao PL 696/2020 e a redação final foi enviada ao Senado Federal, por meio do Ofício nº 195/20/SGM-P. 

A matéria foi recebida no Senado Federal no dia 27 de março e foi incluída na Ordem do Dia da Sessão Deliberativa Remota do dia 31 de março, onde o projeto foi aprovado, com emenda e subemenda. O PL 696/2020 foi remetido à sanção presidencial no dia 01 de abril, pelo Senado Federal.

A emenda de redação oferecida pelo Senado suprimiu o texto “em quaisquer atividades da área de saúde” dos artigos 1º e 2º da referida proposta, limitando o âmbito de aplicação da lei à medicina. Por sua vez, subemenda de redação trazida pelo Senado, baseada no conteúdo da Emenda nº 2 apresentada pelo Senador Prisco Bezerra, que se referia à validade dos receituários médicos emitidos com suporte digital, alterou a redação do artigo 2º da proposta legislativa, dispondo que, durante a crise ocasionada pela COVID-19, serão válidas as receitas médicas apresentadas em suporte digital, desde que possuam assinatura eletrônica ou digitalizada do profissional que realizou a prescrição, sendo dispensada sua apresentação em meio físico. 

Finalmente, no dia 16 de abril de 2020, o Presidente da República sancionou, com vetos, a Lei nº 13.989, de 15 de abril de 2020, que dispõe sobre o uso da telemedicina – entendida, entre outros conceitos, como o exercício da medicina mediado por tecnologias para fins de assistência, pesquisa, prevenção de doenças e lesões e promoção de saúde – enquanto durar a crise do novo coronavírus, autorizando a modalidade em caráter emergencial. 

A lei ainda determinou o dever de informação ao paciente, pelo médico, sobre todas as limitações inerentes ao uso da telemedicina, tendo em vista a impossibilidade de realização de exame físico durante a consulta. Também previu que a prestação do serviço de telemedicina deverá seguir os padrões normativos e éticos usuais do atendimento presencial, inclusive em relação à contraprestação financeira, não cabendo ao Poder Público custear ou pagar por tais atividades quando não for o caso exclusivo de serviço prestado ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Os dois vetos parciais realizados pelo Presidente da República foram feitos por inconstitucionalidade e contrariedade ao interesse público. O primeiro veto foi com relação ao artigo 6º do PL 696/2020, que determinava que a regulamentação da telemedicina após a crise ocasionada pela COVID-19 seria da competência do Conselho Federal de Medicina (CFM), enquanto o segundo referiu-se à validade de receitas médicas apresentadas em suporte digital durante o período da pandemia, desde que possuíssem assinatura eletrônica ou digitalizada do profissional que realizou a prescrição, sendo dispensada sua apresentação em meio físico. 

A justificativa para o primeiro veto foi no sentido de que a regulação das atividades médicas por meio da telemedicina após o fim da atual pandemia deverá ser regulada por lei específica, de acordo com o artigo 5º, incisos II e XIII da Constituição Federal.

Por outro lado, as razões do segundo veto foram no sentido de que o dispositivo em tela ofenderia o interesse público e geraria risco sanitário à população, por equiparar a validade e autenticidade de um mero documento digitalizado, de fácil adulteração, ao documento eletrônico com assinatura digital com certificados ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira). A utilização de assinatura digitalizada para a prescrição de receitas de controle especial e antimicrobianos poderia colapsar o sistema atual de controle de venda de medicamentos controlados, disparando também o consumo de opioides e outras drogas, contrariamente às normas técnicas de segurança e controle da Agência de Vigilância Sanitária – Anvisa. 

Cabe frisar que, conforme o teor dos artigos 5º e 6º da Portaria nº 467/2020 do Ministério da Saúde – a qual dispõe, em caráter excepcional e temporário, sobre as ações de Telemedicina, com o objetivo de regulamentar e operacionalizar as medidas de enfrentamento da epidemia da COVID-19 –, a emissão de receitas à distância será válida em meio eletrônico, mediante: 

I) Uso de assinatura eletrônica, por meio de certificados e chaves emitidos pela ICP-Brasil; 

II) Uso de dados associados à assinatura do médico, de tal modo que qualquer modificação posterior possa ser detectável; ou

III) Atendimento de determinados requisitos, como a identificação do médico, a associação ou anexo de dados em formato eletrônico pelo médico e admissão pelas partes como válida ou aceita pela pessoa a quem for oposto o documento.

Ademais, considerando que o mesmo diploma legal ainda prevê que a prescrição da receita médica observará os requisitos previstos em atos da Anvisa, é necessário pontuar que, de acordo com esclarecimentos dados pela Agência, as receitas de controle especial e prescrições de antimicrobianos dependerão de assinaturas digitais com certificados ICP-Brasil (Infraestrutura de Chaves Públicas Brasileira) para serem consideradas válidas, devendo ser verificadas por farmácias e drogarias que disponham de recursos para consultar a via original em formato eletrônico e /ou de acordo com o sistema de validação digital que o Governo Federal, em conjunto com Conselho Federal de Medicina e o Conselho Federal de Farmácia disponibilizou em 23 de abril de 2020 por meio do website: https://assinaturadigital.iti.gov.br/.

Contudo, a possibilidade de assinatura digital com certificação ICP-Brasil é restrita às receitas de controle especial e nas prescrições de antimicrobianos, possuindo limitações, não se aplicando a outros receituários eletrônicos de medicamentos controlados, como os talonários de Notificação de Receita A (NRA), Notificação de Receita Especial para Talidomida, Notificação de Receita B e B2 e de Notificação de Receita Especial para Retinoides de uso sistêmico.

Assim, com a nova lei, os profissionais da medicina possuem diretrizes mais claras para dar continuidade às suas atividades de maneira remota. Não obstante, a prática da telemedicina ainda pode demonstrar desafios, principalmente relacionados à privacidade e proteção de dados pessoais dos pacientes na realização de teleconsultas e à prescrição de receitas médicas e atestados com assinaturas digitais.

Para receber as principais novidades legislativas e jurídicas sobre a COVID-19, acompanhe o Hotline de coronavírus do escritório Azevedo Sette Advogados.