Rumo à regulamentação do mercado brasileiro de créditos de carbono


Rumo à regulamentação do mercado brasileiro de créditos de carbono


Por Bruna Bouissou e Ana Beatriz Franzero

Há muito tempo se discute sobre a regulamentação nacional do mercado de créditos de carbono, restando-se evidente a necessidade de se instituir marco regulatório consolidado, claro e eficaz, capaz de alavancar, de fato, a redução da emissão de gases de efeito estufa (“GEE”) e impulsionar a transição para uma economia de baixo carbono, em alinhamento com a Política Nacional sobre Mudanças do Clima (“PNMC”), instituída pela Lei Federal nº 12.187/2009, e a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima, promulgada pelo Decreto Federal nº 2.652/1998.

Em dezembro de 2023, foi dado um relevante passo neste sentido, visto que a Câmara dos Deputados aprovou o Projeto de Lei nº 2.148/2015 (“PL nº 2.148/2015”), que institui o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa (“SBCE”). Desde então, referido PL aguarda análise do Senado Federal.

O SBCE, nos termos do projeto de lei em comento, configura-se como um ambiente regulado em que há a instituição de regime de limitação das emissões de gases de efeito estufa e de comercialização de ativos representativos de emissão, redução de emissão ou remoção de GEE no Brasil.

Estarão sujeitos à regulação do SBCE os operadores1 responsáveis pelas instalações e pelas fontes que emitam, por ano: (i) acima de 10.000 (dez mil) toneladas de dióxido de carbono equivalente, os quais terão as obrigações de (a) submeter plano de monitoramento à apreciação do órgão gestor do SBCE e (b) enviar relato de emissões e remoções de GEE; e (ii) acima de 25.000 (vinte e cinco mil) toneladas de dióxido de carbono equivalente, que deverão, além de atender às obrigações mencionadas nos itens “a” e “b”, enviar relato de conciliação periódica de obrigações2.

Em linhas gerais, poderão ser negociados, no âmbito do SBCE, os seguintes ativos: (i) Cota Brasileira de Emissões (“CBE”), ativo transacionável representativo do direito de emissão de 1 (uma) tonelada de dióxido de carbono equivalente; e (ii) Certificado de Redução ou Remoção Verificada de Emissões (“CRVE”), ativo transacionável representativo da efetiva redução de emissões ou remoção de GEE de 1 (uma) tonelada de dióxido de carbono equivalente.

Conforme estipula o PL nº 2.148/2015, as CBEs serão distribuídas, a título gratuito ou oneroso3, pelo órgão gestor do SBCE ao operador sujeito à obrigação de conciliação periódica de obrigações, observado o limite máximo de emissões definido no Plano Nacional de Alocação, no qual estarão estipulados, também, (i) a quantidade de CBEs a ser alocada entre os operadores; (ii) as formas de alocação das CBEs, onerosa ou gratuita; e (iii) o percentual máximo de CRVEs admitido na conciliação periódica de obrigações.

Ao final de cada período de compromisso, o operador deverá dispor de ativos integrantes do Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões de Gases de Efeito Estufa em quantidade equivalente às suas emissões incorridas no respectivo período.

Veja-se que o projeto de lei em comento estipula uma série de penalidades aos operadores que descumprirem as regras aplicáveis ao SBCE, dentre as quais (i) advertência; (ii) multa; (iii) embargo de atividade, de fonte ou de instalação; (iv) suspensão parcial ou total de atividade, de

instalação e de fonte; e (v) penalidade restritiva de direitos, que poderá consistir em (a) suspensão de registro, de licença ou de autorização, (b) perda ou restrição de incentivos e de benefícios fiscais, (c) perda ou suspensão da participação em linhas de financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito, e (d) proibição de contratar com a administração pública, pelo período de até 3 (três) anos.

Adicionalmente, merecem destaque, também, as seguintes previsões estabelecidas no bojo do PL nº 2.148/2015:

(i) Possibilidade de oferta voluntária – por qualquer gerador ou desenvolvedor de projeto de crédito de carbono ou por ente público desenvolvedor de programas jurisdicionais de crédito de carbono – de créditos de carbono gerados a partir de projetos ou programas que impliquem redução de emissão ou remoção de GEE, para fins de compensação voluntária de emissões de GEE;

(ii) Faculdade de negociação das CBEs e dos CRVEs no mercado financeiro, oportunidade na qual adquirirão natureza jurídica de valores mobiliários, sendo admitido que a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) determine que os mencionados ativos sejam escriturados em instituições financeiras autorizadas; e

(iii) Incidência de tributação sobre o ganho decorrente da alienação das CBEs, dos CRVEs e dos créditos de carbono.

O PL nº 2.148/2015 de fato disciplina o mercado de créditos de carbono, o que vai de encontro aos compromissos assumidos pelo Brasil no tocante à redução e remoção de emissão de GEE.

Nota-se, contudo, que a aprovação do PL nº 2.148/2015 pelo Congresso Nacional, caso ocorra, deve ser necessariamente seguida de sua devida regulamentação, tanto por decreto federal quanto por atos normativos do Poder Executivo, porquanto diversos pontos carecem de detalhamento. A título exemplificativo, menciona-se que a outorga onerosa de CBEs, por expressa determinação do PL nº 2.148/2015, deverá ser disciplinada em regulamento específico.

Importante mencionar, ademais, que o PL nº 2.148/2015 é apenas um dos projetos de lei enquadrados na denominada “pauta verde” do Congresso Nacional, merecendo destaque, ainda, o Projeto de Lei nº 2.308/2023, que institui o marco legal do hidrogênio de baixa emissão de carbono4, e o Projeto de Lei nº 11.247/2018, que disciplina aproveitamento de bens da União para a geração de energia elétrica a partir de empreendimento offshore5.

Ainda que focados em temas distintos, os mencionados projetos de lei possuem o mesmo objetivo: garantir a proteção ao meio ambiente e o equilíbrio climático, de forma a mitigar emissões de GEE por meio do estabelecimento de incentivos econômicos ao mercado.

Diante de todo o exposto, espera-se que as pautas legislativas em questão sejam de fato apreciadas pelo Congresso Nacional em 2024, de modo a se avançar com a regulamentação de temas de extrema importância para se assegurar o desenvolvimento nacional sustentável, em observância, em especial, à PNMC e à Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima.