Reflexão sobre o uso da Inteligência Artificial: Avanços tecnológicos e a necessária proteção de direitos, princípios e valores


Reflexão sobre o uso da Inteligência Artificial: Avanços tecnológicos e a necessária proteção de direitos, princípios e valores


Praticamente todos os dias, já há alguns meses, tem circulado um tipo de vídeo gerado por ferramentas diversas de IA, com a representação perfeita de um ser humano em sua aparência, trejeitos, conhecimento, voz e movimentos.  Esses vídeos com avatares próximos da perfeição da representação humana dividem a atenção com outros, totalmente criados por IA, colocando até mesmo no mercado de trabalho seres (podemos chamá-los assim?) que não existem na realidade. 

Caso você não tenha visto nenhum do tipo e queira se inteirar do que estamos falando antes de prosseguir a leitura, listamos aqui alguns exemplos:

Reid Hoffmann, cofundador do LinkedIn, divulgou recentemente uma entrevista com o REID AI, seu avatar apelidado de “gêmeo digital”, criado com algumas ferramentas de IA (entrevista aqui). 

Que tal o contrário, transformar personagens digitais em humanos? A IA permite isso também. Um trailer do desenho animado Os Simpsons™ estrelado por humanos na década de 1950 pode ser visto aqui

Outro exemplo tem-se verificado em perfis de influenciadoras digitais criadas por IA, algumas podendo faturar, segundo notícias, USD 11 mil por mês (notícia aqui). 


Esses poucos exemplos ilustram como tudo parece ser possível de criação por IA atualmente, desde peças processuais a livros, filmes, obras de arte e publicações de criadores de conteúdo. Para um grupo de pessoas, alguns desses vídeos são assustadores. Para outros, divertidos. Para outros, ainda, visionários e úteis em uma economia de criadores, permitindo um tipo de otimização do tempo antes inacessível. Todos esses posicionamentos têm seus pontos positivos e negativos, os quais ajudam a refletirmos sobre limites éticos e legais necessários ao uso da IA. 

Se pensarmos que o objetivo é entretenimento e arte, a IA se constitui como mais uma forma de expressão, mas, mesmo nesse contexto, surgem desafios na área de propriedade intelectual e também no papel do trabalho: o que será do cinema, com todo seu conjunto de atores, produtores, figurinistas, profissionais de todo tipo que exercem essa arte com tanta emoção há mais de um século, mas que também tem, normalmente, altos custos, quando uma programação de IA permite produzir virtualmente qualquer coisa?  

Quando, por outro lado, o propósito do uso de IA é eficiência e otimização de tempo, ela é vista como de alta utilidade. Imagine poder criar um roteiro, ambiente e gestos com IA para um vídeo na sua área de atuação sem ter que passar por todo um processo de edição, cortes, regravações, inserção de legendas, novos takes a cada pequeno erro? Esse uso permite otimizar tempo, esforço físico e trabalho de edição, mas, por outro lado, pode gerar efeitos negativos como eliminação de postos de trabalho, uso indevido de imagem, de voz, propagação de fake news, além de poder dar espaço a ações malignas contra crianças e outros públicos vulneráveis.

Sem alguma regra que imponha identificação de conteúdo gerado por IA, por exemplo, poderemos ficar sujeitos a engano por conteúdos gerados artificialmente. Já há diversos exemplos divulgados na mídia, como o caso de um funcionário de uma empresa que transferiu 25 milhões de dólares a pedido de um deepfake criado por IA, vividamente se passando pelo CFO da empresa (noticiado aqui). Imagine o efeito que vídeos maliciosos com informações falsas (mas com aparência de verdadeiras) podem causar também, por exemplo, sobre uma campanha eleitoral ou sobre a imagem de uma pessoa!

Como tudo na vida, o uso da IA também precisa de equilíbrio e de limites para não extrapolar seu espaço indiscriminadamente. Sem um mínimo de controle, de regras, de valores a serem observados, poderemos passar a viver em um mundo em que a emoção de uma atriz na tela será substituída por um avatar; onde o trabalho, a técnica e o esforço de um pintor serão preteridos por ates digitais intocáveis, conquanto valiosíssimas, como ocorre com alguns NFTs; onde conhecimento adquirido com esforço ao longo de uma vida será substituído por imagens geradas por ferramentas com capacidade sobre-humana de sintetizar informações.

Para que se chegue a tal equilíbrio, contudo, alguns desafios precisam ser enfrentados, dentre os quais o balanceamento entre o avanço tecnológico e a preservação de direitos, garantias e padrões éticos, morais e culturais mínimos. Até onde um daqueles pode ir sem impedir a modernização ou sem ofender direitos como privacidade, intimidade, direito autoral e princípios como ética e transparência?

Já vivemos um momento que que a IA nos sugere músicas, filmes, livros, substituindo, para alguns, aquela indicação do vendedor de livros ou dos colegas de trabalho; em que robôs nos atendem – ou tentam, sem sucesso, atender-nos – para solução de questões junto a fornecedores de produtos e serviços. Parece que chegamos a um tempo da humanidade e do desenvolvimento tecnológico em que teremos que nos acostumar a assistir a avatares, achando que eles são pessoas, a ver representação de pessoas que na verdade não participaram da filmagem ou que sequer vivos estão, a ouvir vozes que parecem conhecidas, mas cuja autorização de uso é questionável.

Precisamos lembrar que a IA é uma invenção humana e deve ser passível de controle e supervisão pela ação humana. Sem tal balanceamento, não é difícil imaginar que cheguemos ao extremo de receber ordens de robôs e criaturas impalpáveis, em um cenário típico de filme de ficção científica. Será que, um dia, até o vinho que beberemos será elaborado por IA? Bem, isso é assunto para uma próxima publicação. 

O que faremos com a IA e o que deixaremos que ela faça por nós? Cabe a nós, como sociedade, refletirmos a respeito e acompanharmos as discussões nos âmbitos legislativo e regulatório. Até 9 de maio de 2024 a sociedade pode oferecer contribuições ao texto preliminar do substitutivo do PL 2338/2023, divulgado recentemente pela Comissão Temporária Interna sobre Inteligência Artificial (CTIA) do Senado Federal. O PL visa regulamentar o uso de Inteligência Artificial no Brasil, conforme discutido em publicações anteriores da nossa equipe de TMT.

A equipe de TMT – Tecnologia, Mídia e Telecomunicações do Azevedo Sette Advogados acompanha o desenvolvimento do tema e fica à disposição para dúvidas e contribuições.