Redução de jornada para empregados com filhos portadores de necessidades especiais – Posicionamento da Jurisprudência


Redução de jornada para empregados com filhos portadores de necessidades especiais – Posicionamento da Jurisprudência


Por Juliana Petrella Hansen, Andréa de Fatima Estevão Cruz e Liege Godoi Buzoni 

Em edições anteriores, já tratamos de temas que afetam as relações de trabalho em razão das responsabilidades que pais e mães assumem com a criação de seus filhos, como por exemplo o artigo de parentalidade que tratamos na edição de 2021.  

O tema vem ganhando mais espaço, ainda que em passos tímidos. Em 2002, houve a promulgação da Lei 14.457/2022, que instituiu o Programa Emprega + Mulheres, implementando medidas com o fim de garantir não só que o mercado seja mais inclusivo e atento à mulher, mas também que o ambiente de trabalho se faça equânime e seguro. Falamos um pouco sobre equidade no ambiente de trabalho no artigo de dias atrás (“Mecanismos de Apoio e Equidade de Gênero”).

Neste artigo de hoje, o foco será analisar como o Poder Judiciário tem enfrentado o tema da parentalidade, sobretudo pela perspectiva dos pais com filhos portadores de necessidades especiais. 

A Constituição Federal atribui à família, à sociedade e ao próprio Estado (Poder Público) inúmeras diretrizes e normas destinadas à proteção e integração da pessoa com deficiência com "absoluta prioridade" à criança e ao adolescente, conforme teor do art. 227, § 1º, II, juntamente com o Decreto nº 6.949/09, que introduziu no ordenamento jurídico brasileiro a Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, com o status de emenda constitucional (art. 5º, § 3º, da CF/88).

Contudo, os empregados sob regime da CLT e que são pais de filhos portadores de necessidades especiais, a princípio, não possuem direitos específicos na lei trabalhista ou mesmo na legislação previdenciária. Todavia, recentes decisões têm garantido a esses pais a redução de jornada com a manutenção do salário. 

A Lei 13.146/2015, que trata da inclusão da pessoa com deficiência, define em seu artigo 2º que a pessoa com deficiência é aquela que tem impedimento de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, o qual, em interação com uma ou mais barreiras, pode obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.

O principal papel dessa lei é assegurar e promover condições de igualdade ao portador de necessidades especiais no exercício dos seus direitos e das liberdades fundamentais e, com isso, realizar a sua inclusão social e plena cidadania. 

A par do que dispõe a Lei 13.146/2015, é preciso esclarecer que os servidores públicos federais, por meio da Lei 13.370/2016, que deu nova redação ao §3º do artigo 98 da Lei 8.112/1990, foram os primeiros a conquistar a previsão legal de redução da jornada ao servidor com cônjuge, filho ou dependente portador de necessidades especiais, sem redução do salário. 

Após essa inclusão legislativa, no final do ano de 2022 o Supremo Tribunal Federal, no Tema 1097 (RE 1237867), veio a decidir por unanimidade o direito à redução da jornada de trabalho do servidor público que tenha filho ou dependente com deficiência, seja ele servidor federal, estadual ou municipal. 

Diante desse cenário, a Justiça do Trabalho vem decidindo de modo favorável aos empregados celetistas pais de filhos portadores de necessidades especiais. Essas decisões são importantes, eis que visam dar maior efetividade ao direito de igualdade em seu sentido material e não apenas formal. Além disso, tais decisões têm alta relevância social, já que privilegiam o melhor interesse da criança com deficiência ou necessidades especiais, nos termos do que dispõem os artigos 1º, inciso III, e art. 227 da Constituição Federal, bem como o artigo 7º da Convenção Internacional sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência.

A Lei 13.146/2015 protege e incentiva a inclusão daqueles que possuem alguma necessidade especial em pé de igualdade aos demais, porém se esquece daquele que é o cuidador e que muitas vezes assume com grande ônus o cuidado e auxílio à pessoa com deficiência e, em verdade, compartilhando muitas vezes a própria deficiência. Por esse motivo, parecem-nos acertadas as recentes decisões dos Tribunais Trabalhistas, que, mesmo sem amparo legal específico, por aplicação analógica, vêm estendendo a flexibilidade de horário sem prejuízo salarial.  Nesse sentido, citamos alguns julgados do Tribunal Superior do Trabalho com analogia à lei dos servidores públicos, bem como amparados pelos princípios da dignidade da pessoa humana e da proteção à criança e ao adolescente, nos termos dos artigos 1º , III , e 227 da Constituição Federal, bem como do artigo 7º da Convenção Internacional sobre Direitos das Pessoas com Deficiência: (i) TST - RR: 13726820195220005, Relator: Delaide Alves Miranda Arantes, Data de Julgamento: 06/04/2022, 8ª Turma, Data de Publicação: 22/04/2022; (ii) TST - RR: 0000031-38.2021.5.06.0019, Relator: Hugo Carlos Scheuermann, Data de Julgamento: 12/09/2023, 1ª Turma, Data de Publicação: 20/09/2023.

Aquém do vêm decidindo os tribunais, membros do Congresso Nacional têm se mobilizado para que a redução da jornada seja incluída na CLT de modo expresso, garantindo assim a redução no horário sem prejuízo do salário e sem a necessidade de compensação do horário.

Os parlamentares vêm defendendo a necessidade de regulamentação legislativa da matéria, pelo fato de que muitas vezes o cuidador tem dificuldade de integrar-se ao mercado comum de trabalho, pois não consegue conciliar o tempo de trabalho exigido pela CLT com os cuidados diários indispensáveis à pessoa portadora de necessidades especiais. Inclusive, diante dessa falta de inclusão no mercado de trabalho, os cuidadores acabam muitas vezes dependentes economicamente do Poder Público por meio dos benefícios que são concedidos para subsistência do deficiente. Curioso notar, contudo, que boa parte dessas iniciativas legislativas não cuidam de endereçar outros temas relevantes e conexos, como a existência de políticas públicas de apoio à família, bem como a implementação de incentivos à iniciativa privada para adoção de medidas/políticas que apoiem os pais com filhos portadores de necessidades especiais. 

Assim, a redução da carga horária aos pais é, sem dúvida, uma maneira de garantir efetividade aos direitos previstos para as crianças com deficiência, propiciando a atenção e o cuidado especial que esses menores necessitam, aliás, direitos esses que devem ser assegurados para garantir a própria dignidade da pessoa humana e o melhor interesse da criança. 

De outra ponta, surge, também, a reflexão quanto ao impacto dessas decisões para o mercado de trabalho das mulheres, já que são elas, em boa parte das vezes, que assumem as obrigações de guarda e cuidado dos filhos, criando mais uma camada de dificuldade para a sua efetiva inserção no mercado de trabalho.

Outro aspecto de extrema importância é a cautela que se deve ter com relação a potencial viés discriminatório que pode ser arguido para fins admissionais, de promoção e término da relação de emprego, quando intimamente ligado ao fato de os empregados terem filhos portadores de necessidades especiais. 

Não obstante os desafios impostos, é certo que medidas que apoiem os empregados com familiares que sejam pessoas com deficiência devem ser incentivadas e vistas como um passo à frente na busca da verdadeira igualdade de oportunidade ao deficiente e ao seu cuidador. Ademais, tal concessão pelas empresas coaduna ainda com o princípio da valorização do trabalho humano e com o princípio da função social da empresa, inscritos no caput e no inciso III do art. 170 da Constituição Federal, os quais dispõem que o interesse patrimonial do empregador deve atuar em conformidade com o postulado maior da dignidade da pessoa humana. 

Não há dúvidas quanto à complexidade do tema, sobretudo em razão da ausência de políticas públicas de apoio às famílias, bem como de apoio às empresas, para que sejam incentivadas a criarem políticas nesse sentido. Ainda que pairem tais lacunas e desafios, é certo que o tema atualmente bate à porta das empresas por meio de decisões judiciais.