Quem disse que temos que escolher?


Quem disse que temos que escolher?


Por Leandra Guimarães 

Gosto de falar da minha carreira não apenas pelo viés da experiência profissional, mas também pelo viés da vivência de uma mulher, filha, esposa e mãe, com todos seus atributos, em uma jornada profissional muito realizadora. 

Nasci em Sabará, sou casada há 35 anos, tenho três filhos.

Sou filha de engenheiro e professor, tendo meu pai grande influência em meu gosto e disciplina nos estudos e no desenvolvimento do meu raciocínio matemático e habilidade com números. Minha mãe, sempre muito acolhedora e amorosa, me trouxe segurança e confiança para fazer as minhas escolhas pessoais e profissionais.

Eu, irmã do meio, com jeito de mais velha, e duas irmãs de personalidades muito diferentes, mas muito unidas e, desde sempre, aprendendo com nossas diferenças. Essa irmandade imprimiu em mim valores de lealdade e sinceridade e, até hoje, me proporciona momentos de leveza e diversão.

Essencial também foi, e continua sendo, o apoio incondicional de um parceiro de vida na medida, para equilibrar os ônus e bônus dos nossos papeis.

E os filhos? Maravilhosos, autênticos e desbravadores, me levam com eles em suas conquistas e descobertas, me ensinando sempre, até quando eu achava que estava educando. Três gerações distintas, para não haver zona de conforto e evoluir sempre.

Considero a família o lugar de reconexão, é para onde sempre volto, nos momentos bons e nos momentos difíceis.

Profissional, Mulher e Mãe – não necessariamente nessa ordem

Minha trajetória na área tributária começou em 1988, como assistente na área de consultoria tributária da Arthur Andersen em um ambiente preponderantemente masculino. Naquele ano, fui a única mulher contratada no escritório de Belo Horizonte. Ter sido contratada num concorrido processo seletivo de uma grande empresa multinacional foi, sem dúvida, minha primeira realização!

Logo em seguida me tornei mãe. Essa primeira experiência com a maternidade me trouxe amadurecimento pessoal, força e determinação profissional, fazendo diferença, um marco decisivo na minha trajetória.

Hoje quando rememoro esse período, vejo como a combinação desses fatores: aquele ambiente tipicamente masculino, competitivo e desafiador e o amadurecimento trazido pela maternidade impactaram no meu jeito de ser. 

Uma grande amiga, mulher admirável, descreveu muito bem o processo que vivenciei ao dizer que, naquele ambiente, algumas mulheres acabavam assimilando comportamentos masculinos deixando de lado suas próprias características, para serem respeitadas e mais bem aceitas no mundo corporativo. 

Seis anos depois, em 1994, nasce minha segunda filha e conquisto minha promoção à primeira posição gerencial, marcando um novo ciclo em minha vida pessoal e carreira. Mais uma vez, a maternidade brindava minhas conquistas profissionais.

Do meu ingresso na Arthur Andersen até o momento em que deixei a Deloitte e aceitei novos desafios junto ao Azevedo Sette foram 17 anos de experiência profissional.  Foi uma mudança desafiadora e impactante na minha carreira, principalmente, porque neste mesmo momento aconteceu minha terceira e última experiência com a maternidade.  E assim como das outras vezes, tenho certeza de que a gestação renovou minhas forças e me motivou a continuar desenvolvendo minha vida pessoal e profissional. 

Admito que, nem sempre o equilíbrio foi perfeito, mas aprendi com minhas ações e, hoje, compartilho essa vivência com outras mães e profissionais.

Com o passar dos anos as mulheres ganharam espaço mais significativo nas áreas jurídica e financeira. Como comecei minha carreira muito jovem, muitas mulheres que encontrei pelo caminho foram pupilas, amigas, filhas e até sócias, as quais levo no coração, com orgulho de ter contribuído com suas jornadas e de caminhar ao lado das profissionais brilhantes que se tonaram. Mas como nenhum encontro é uma via de mão única, elas me inspiraram a querer ser uma pessoa melhor, a acolher minha essência feminina e a olhar minha trajetória profissional e pessoal com carinho, amor e satisfação, deixando de lado a autocobrança e a rigidez. Sou muito grata por ter encontrado mulheres tão maravilhosas na minha caminhada!

Para uma mulher muito ocupada

Guardo uma lembrança muito especial que reflete muito bem minha trajetória: os desafios do equilíbrio da vida pessoal e profissional e a importância da sororidade na minha caminhada. 

Com a chegada do meu terceiro filho, o caçula, recebendo vistas ainda na maternidade, veio me ver uma daquelas mulheres muito especiais que encontrei nessa vida, me presenteando com o livro “Para uma mulher muito ocupada” com a seguinte dedicatória: “Para uma mulher não só ocupada, mas também talentosa, determinada, corajosa, forte leal e uma supermãe”. 

Recordo que de imediato o último adjetivo, o de supermãe, logo me remeteu à forma a qual eu não gostava, e não queria, ser lembrada, mas as carinhosas palavras da dedicatória e o conteúdo do livro foram lenitivos para mim e, naquele momento, ficou muito claro que além de ser a profissional que eu sou, me fazia muito bem, e muito feliz, ser vista e lembrada como mulher. 

Muitas vezes somos muito críticas conosco e com as pessoas a nossa volta. Entretanto, precisamos ter mais carinho e paciência com nossa trajetória e evolução, isso nos ajuda a ter esse mesmo olhar para com os outros.

O livro ainda trazia reflexões e proposições para nós mulheres e profissionais, um verdadeiro tesouro: A carreira ou o casamento? O trabalho ou os filhos? Nós ou os outros? Mas, quem disse que temos que escolher?

Direito, contabilidade ou finanças? Que tal tudo junto? 

Ainda no colégio, escolhi seguir uma área de interesse voltada para contabilidade, naquele tempo chamada de afeiçoamento à contabilidade. Não era um curso técnico, apenas introdutório, e foi lá que aprendi a diferença entre o débito e crédito do extrato bancário e do balancete contábil. 

Um dos meus primeiros empregos, ainda adolescente, foi no departamento de locação de um escritório de advocacia. Nesta experiência me deparei com os primeiros debates acerca de negociações financeiras, direitos obrigações das partes e alguns aspectos tributários básicos. Aquele ambiente me inspirou para cursar Direito e a graduação veio em 1992 na Faculdade de Direito Milton Campos.

Na medida que o desenvolvimento da carreira na área tributária avançava com atuação, preponderante, no ambiente empresarial, constatei a necessidade saber lidar não apenas com conceitos contábeis, mas também com conceitos financeiros, com o gerenciamento do dinheiro. 

A atuação na área tributária é intrinsecamente ligada a conceitos contábeis e financeiros. No Brasil, onde a carga tributária já atingiu patamares em torno de 33,9% do PIB, é impossível cogitar uma gestão financeira eficiente sem uma gestão tributária igualmente excelente. 

Há relevante simbiose entre a área tributária e financeira. Por vezes a tomada de decisão estratégica tributária pondera diversos impactos financeiros, tais como: o valor do dinheiro no tempo, indicadores financeiros, preços, custos, entre outros. Noutra volta, também é comum que decisões financeiras sejam orientadas pelos potenciais impactos tributários de forma a se obter, numa perspectiva legal, a melhor gestão de resultados econômicos ou financeiros, atendendo aos anseios de diferentes stakeholders.

Neste contexto, buscando um desenvolvimento profissional contínuo, em 2002 conclui o MBA Executivo em Finanças no IBMEC. Após a conclusão, tive a oportunidade de lecionar nessa instituição de ensino e em outras. É algo que adoro, lecionar para mim é uma troca, uma forma de aprendizado contínuo.

A contabilidade sempre foi essencial na minha carreira, a vivência de anos trabalhando numa firma de auditoria e consultoria me agregou parte substancial do meu conhecimento contábil. Mas o desejo de completar minha formação acadêmica ainda existia. 

Após o advento da convergência contábil no Brasil aos padrões internacionais fiquei ainda mais motivada para retornar às salas de aula.  Apesar da minha boa bagagem anterior, considero que essa foi uma experiência renovadora e enriquecedora, meio presencial, meio à distância, e que me proporcionou uma boa atualização técnica. Em 2019 conclui mais uma conquista: a graduação em Ciências Contábeis na Fumec. 

Aproveitando o ritmo, engatei a realização de um antigo projeto, o mestrado profissional em Contabilidade. Esse foi desafiador! Perdi as contas de quantas vezes desisti e prossegui. Mas, enfim, concluí em 2023, na Fucape, com pesquisa na linha de contabilidade tributária.  

Fazendo a diferença

Em 2005, quando cheguei ao Azevedo Sette, me lembro que fui a segunda mulher a integrar o quadro de sócios do escritório. Aquele era um momento estratégico ao qual a sociedade se posicionava para expansão e modernização. O escritório contava já com muitas advogadas, mas elas achavam que tinham que fazer escolhas, e que não seria possível equilibrar diferentes papeis na vida.

Ao ocupar uma posição de liderança escritório e ao mesmo tempo vivenciar os papeis de mulher, filha, mãe, irmã e amiga, creio que fui contribuindo, de alguma forma, para que outras mulheres acreditassem que esse caminho era possível, viável e valorizado pelo Azevedo Sette. 

Hoje passado quase 20 anos como sócia do escritório, muito me alegra ver colegas se tornarem mães e retornarem ao trabalho para continuar a trilhar carreiras de sucesso, fortalecendo o propósito do Azevedo Sette de contribuir para a renovação de políticas e valores, com a promoção e desenvolvimento de um ambiente cada dia mais favorável à carreira da mulher. Atualmente, nosso quadro é composto por 61% de mulheres, com 63% dos cargos de liderança de área ou equipes nas mãos de profissionais do sexo feminino. 

Nos últimos quatro anos, o escritório teve o ingresso e promoção de nove advogadas à posição de sócias. Além disso, dos três gerentes administrativos, duas são mulheres, além da gerência de marketing ser também liderada por uma profissional do sexo feminino.

Isso somado ao fato de que o escritório, no quadro de boas práticas profissionais, além dos benefícios continuados exigidos pela legislação fomenta (i) à promoção de jornada flexível, muito antes do recente home office atual; (ii) sessões de networking, aconselhamento e suporte entre profissionais do escritório e convidadas, no evento chamado ASA Femme, que além do enriquecimento de conhecimento promove a valorização da mulher, inclusive com a escolha de fornecedores  e compra de materiais e brindes, que se façam necessários, sempre de pequenos negócios no entorno do escritório liderados por mulheres empreendedoras; (iii) o engajamento das sócias e advogadas em grupos e fóruns de profissionalização e apoio a outras profissionais mulheres como Infra Women Brazil, Compliance Women Committee e Mulheres no Comando, etc.; (iv) ações de participação e valorização do conhecimento de profissionais mulheres como a série Profissionais Azevedo Sette, que em sua quinta edição em 2023 reuniu 67 autoras (de estagiárias a sócias) resultando em uma coletânea de 35 artigos sobre temas importantes jurídicos e empresariais, mas também de  discussão da equidade e (v) ações educacionais e de saúde como a do outubro rosa, setembro amarelo e janeiro branco, entre outras medidas. 

O poder do agora – nosso melhor momento

Aqui estamos. É certo que os conflitos e desafios nos ajudam a sermos mais confiantes e competentes. Foi assim comigo também. Sempre em processo de mudança, mas, em paz, feliz e realizada com minha trajetória.

Nós mulheres somos poderosas e não podemos esquecer o quão longe conseguimos chegar quando nos amamos, nos respeitamos, nos perdoamos e somos generosas e carinhosas com nossa trajetória.  E vamos ainda mais longe juntas, quando apoiamos, valorizamos e nos tornamos catalizadoras das conquistas umas das outras.

Como disse Michelle Obama, no livro Minha História, está tudo bem haver conflitos internos – ainda mais no caso das mulheres, onde a grande maioria precisa se alternar em muitos papeis – mas não podemos, e não devemos, desistir de nossas próprias conquistas profissionais e pessoais. Sejamos a rede de apoio umas das outras e vamos seguir, porque ainda temos muito a conquistar.

REFERÊNCIAS

Para uma mulher muito ocupada, Lidia Maria Riba, VR Editora, 2001. 

Minha História, Michelle Obama, Editora Objetiva, 2018.

*Artigo publicado originalmente no livro “Woman Experience – As histórias de sucesso de executivas que fazem a diferença na área financeira, volume 2, Editora Arraes, 2023”, com organização do IBEF Minas