Por Ana Carolina Veloso Ferreira
A evolução da indústria da moda tem transcendido passarelas, vitrines e as fashion weeks ao redor do mundo. Movimentando trilhões de dólares anualmente¹, abrangendo desde vestuário e calçados até acessórios como joias e bolsas, essa indústria vem experimentando uma crescente tendência de fusões e aquisições (M&A) como estratégia para expansão e consolidação de mercado. Exemplos recentes e marcantes desse cenário, tanto no âmbito nacional quanto internacional, incluem os casos de grandes conglomerados como Arezzo&Co com o Grupo Soma e LVMH com a Tiffany & Co., cada um com suas respectivas estratégias de mercado, objetivos de criação de valor e sinergias.
A LVMH Moët Hennessy Louis Vuitton SE ou apenas LVMH, um grupo de escala global no setor de luxo, liderada por Bernard Arnault, tem um histórico de crescimento por meio de aquisições, tendo realizado mais de 100 transações desde 2010². Dentre algumas das aquisições notáveis e marcas que foram integradas ao portfólio da LVMH ao longo dos anos podemos citar Christian Dior (2017), Bulgari (2011), Rimowa (2016), Belmond Ltd. (2018), Fenty Beauty (2017) e, mais recentemente, Tiffany & Co. (2021).
A aquisição da Tiffany & Co., uma das joalherias mais emblemáticas dos Estados Unidos, representou a maior compra na história da LVMH, destacando o valor estratégico significativo que a Tiffany oferecia, principalmente para a divisão de joalheria e relojoaria do grupo, um segmento que até então representava uma parcela menor de seu faturamento. Como consequência, a LVMH fortaleceu sua presença no mercado norte-americano e solidificou ainda mais sua posição de liderança no mercado de luxo mundial, criando uma vantagem competitiva adicional, especialmente após o aumento da demanda por produtos desse segmento e a recuperação do setor após a pandemia.
A sinergia resultante dessa operação foi um de seus maiores atrativos. A transação possibilitou uma integração vertical, combinando a expertise de ambas as empresas em design, manufatura e distribuição de produtos de luxo, promovendo uma economia de escala e um reforço de marca sem precedentes no segmento de alta joalheria.
Apesar de se apresentar como uma estratégia interessante para expansão e consolidação de mercado, as fusões e aquisições podem trazer inúmeras dificuldades e desafios em qualquer setor. Com a LVMH, não foi diferente. Com mais de 75 marcas ao redor do mundo, a LVMH acumulou diversas experiências nas últimas décadas: histórias de sucesso e fracasso foram – e ainda são – contadas em mais de 30 idiomas diferentes.
Durante sua trajetória de aquisições, o grupo LVMH precisou adaptar sua estrutura corporativa para torná-la mais flexível e eficiente, de modo a maximizar o valor da integração estratégica sem comprometer a velocidade e a adaptabilidade de suas afiliadas. Qualquer desenho organizacional, planejamento estratégico e política de alocação de recursos precisou equilibrar a força de uma grande empresa com a flexibilidade e o foco de um pequeno negócio. Assim, o conhecimento adquirido por meio das transações realizadas pelo grupo representa uma vantagem competitiva chave.
“A estratégia correta é saber para onde uma marca em particular está se dirigindo, e os gestores e equipes de cada marca devem imaginar isso. Em seguida, alinhamos o que é feito no nível do grupo e extraímos uma série de aprendizados: quais são os negócios a adquirir, onde temos interesse em desenvolver esta ou aquela marca para beneficiar o grupo como um todo.” (tradução livre)
Bernard Arnault, Presidente do conselho de administração e CEO do grupo LMVH Moet Hennessy Louis Vitton³
Já no âmbito do cenário nacional, a Arezzo&Co anunciou sua fusão com o Grupo Soma4, criando uma potência no varejo de moda com um faturamento combinado de aproximadamente R$ 12 bilhões, R$1,5 bi em EBITDA e R$750 milhões de lucro líquido, mais de 2.000 lojas próprias e franqueadas e 34 marcas sob uma única operação. A fusão visa combinar forças em calçados, bolsas e moda vestuário, abrangendo desde o segmento feminino até o masculino e infantil, demonstrando uma clara estratégia de diversificação de mercado e representando um marco no varejo de moda brasileiro.
Para Arezzo&Co e Grupo Soma, a combinação de operações visa explorar as complementaridades entre as marcas de ambas as empresas, gerando alavancagem de receita e otimização dos canais de venda. A nova configuração empresarial permitirá uma abordagem de mercado mais robusta, com potenciais sinergias em desenvolvimento de produtos, ampliação significativa no portfólio, distribuição e gestão da cadeia de suprimentos, otimização da gestão de franquias, canais de multimarcas e e-commerce, e da planta industrial de malharia da Hering, uma das marcas do Grupo Soma. A fusão também abre caminho para futuras expansões em outras verticais de negócios e a possibilidade de expandir internacionalmente, "trazendo players importantes para o Brasil, que se sentem mais seguros com uma empresa desse porte", segundo Roberto Jatahy, fundador do Soma.
Em um contexto de crescente competição no setor de moda, com desafios como taxas de juros altas e a entrada de novos competidores internacionais, como a Shein, a fusão é vista como uma movimentação estratégica para fortalecer a posição dos grupos no mercado de moda brasileiro e internacional, criando uma das maiores empresas de moda da América Latina. A estratégia por trás do racional de junção dos grupos reflete uma busca por sinergias e para a distribuição e gestão da cadeia de suprimentos e o desenvolvimento de produtos, como por exemplo a criação de calçados, bolsas e acessórios para as marcas do Grupo Soma, com o CEO da Arezzo, Alexandre Birman, liderando a empresa combinada e destacando a importância do crescimento do mercado internacional para o grupo. Por outro lado, a integração dos dois grupos, especialmente considerando que algumas marcas, como a Hering, ainda estão passando por mudanças, pode ser um desafio.
As operações de M&A na indústria da moda, ilustradas pelos casos da LVMH, Arezzo&Co e Grupo Soma, refletem uma estratégia de crescimento e consolidação de mercado cada vez mais adotada por grandes conglomerados. Através dessas fusões e aquisições, as empresas não apenas expandem seus portfólios e mercados de atuação, mas também criam valor substancial por meio de sinergias operacionais e estratégicas, configurando um cenário competitivo mais robusto e diversificado no mercado global de moda.
Ambos os grupos identificam nas aquisições uma maneira de aumentar sua competitividade no mercado global, além do fortalecimento de seus respectivos “mercados chaves”. A LVMH buscou reforçar sua posição no mercado de luxo dos EUA com a aquisição da Tiffany & Co. Da mesma forma, a Arezzo&Co tem feito aquisições estratégicas para fortalecer sua presença no mercado brasileiro e expandir internacionalmente, buscando consolidar sua liderança no segmento de moda e acessórios. Como exemplos das últimas aquisições realizadas pelo grupo podemos citar as operações envolvendo o Grupo Reserva (2020), Baw Clothing (2021), MyShoes (2021) e Carol Bassi (2021).
Além disso, os grupos procuram marcas que (i) complementem seu portfólio existente, satisfazendo as variadas necessidades e preferências dos consumidores, e (ii) possuam forte identidade e tradição em seus respectivos segmentos, geralmente já estabelecidas no mercado e com uma base de clientes fiel, o que pode proporcionar um retorno imediato em vendas e visibilidade. Após a aquisição, ambas empresas tendem a investir no desenvolvimento e na expansão das marcas adquiridas, por meio de inovação de produto, expansão de mercado ou rebranding estratégico para revitalizar a marca e atrair novos clientes.
Apesar das semelhanças estratégicas, é importante notar que a LVMH e a Arezzo&Co operam em escalas e contextos geográficos diferentes, com a LVMH focada no mercado de luxo global e a Arezzo&Co com uma forte presença no Brasil e na América Latina. No entanto, ambas demonstram como aquisições estratégicas podem ser uma ferramenta poderosa para o crescimento e a expansão no competitivo mercado de moda e luxo.
¹ Este valor inclui o mercado de moda em sua totalidade, abrangendo desde o mercado de luxo até a moda rápida (fast fashion).
² Dados da empresa Refinitiv Data - LSEG (London Stock Exchange Group).
³ Bernard Arnault, Interview with Yves Messarovitch, “La Passion Creative,” Plon, September 2001.
4 A fusão ainda depende de aprovações regulatórias e dos acionistas.
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