Navios de cruzeiro e mineração: sustentabilidade a bordo (e em terra firme!)


Navios de cruzeiro e mineração: sustentabilidade a bordo (e em terra firme!)


Por Fernanda Nunes e Gabriela Salazar 

No início do mês de março, o maior navio de cruzeiro do mundo zarpou de Fort Lauderdale (EUA) para um roteiro de 7 dias pelas ilhas do Caribe, que incluiu também uma parada na ilha exclusiva da empresa, a CocoCay, localizada nas Bahamas: trata-se do Wonder of the Seas, o mais novo lançamento da empresa Royal Caribbean, uma das companhias líderes mundiais no mercado de cruzeiros[1]. 

Os números impressionam: o Wonder of the Seas tem 72.5 metros de altura (18 decks), 362.12 metros de comprimento e capacidade para 6.680 hóspedes e 2.200 tripulantes. Dentre as várias opções de entretenimento, há 21 restaurantes, 19 piscinas, pista de gelo, tirolesa em 9 andares de altura, drinks preparados por robôs no Bionic Bar, simuladores de surfe, o maior tobogã em alto mar, teatro a céu aberto e um bairro (dentre os 8 bairros do navio) denominado Central Park, com cerca de 20.000 plantas. Considerando o peso desta verdadeira “cidade” sobre as águas (236.857 toneladas), afirma-se que o Wonder of the Seas equivale a 5 Titanics (não há garantia, contudo, que Leonardo DiCaprio esteja a bordo)! [2]

No entanto, veja que, em geral, esses gigantes dos mares são movimentados a partir da queima de combustíveis fósseis, resultando em significativa emissão de gases do efeito estufa (GEE). Assim, as empresas do setor enfrentam desafios para “virar a chave” em direção ao desenvolvimento de tecnologias que viabilizem a transição energética, de forma a reduzir (e até mesmo zerar) as emissões de GEE. 

Os esforços estão em curso. A Norwegian Cruise Line implementou tecnologia inovadora em determinados navios da frota (Sistema de limpeza de gases de escape - EGCS). Conforme divulgado pela própria empresa, os navios equipados com essa tecnologia são capazes de reduzir as emissões de SOx (óxido de enxofre) em até 99%[3]. O MSC Group, por sua vez, comprometeu-se a zerar as emissões de suas operações de cruzeiro até 2050, tendo assinado o Call to Action da Getting to Zero Coalition, para acelerar a descarbonização de todo o setor de navegação, incluindo os cruzeiros[4]. A Royal Caribbean, a seu turno, afirma que, desde 2000, 8 navios foram equipados com motores de turbina a gás que queimam combustíveis mais limpos e emitem menos poluição do ar, sendo que a próxima classe de navios da companhia (“Icon”), prevista para ser entregue em 2022, será movida a GNL (gás natural líquido)[5].

Ocorre que, em qualquer navio que se deseje embarcar e para qual quer gigante dos mares que se olhe, não há dúvida: a rota que conduzirá os players do setor às soluções almejadas para a transição energética e redução de emissão de GEE aponta na direção da mineração.  

Nesse cenário, duas perspectivas objetivas podem ser destacadas. Em primeiro plano, é imperioso ressaltar a premissa de partida: não há transição energética sem mineração. 

O Instituto Brasileiro de Mineração (“IBRAM”), ao emitir posicionamento sobre a Agenda de Mudança do Clima do Brasil, registrou que “os minerais e metais possuem um papel fundamental na transição para um futuro de economia de baixo carbono e são cruciais para a forma como a energia é gerada, transportada, armazenada e utilizada. (...) A tendência de descarbonização da economia e da matriz energética mundial aponta para novas oportunidades ao setor mineral, especialmente com o fornecimento de novos materiais[6].”

Já o Ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, no Seminário Mineração, Transição Energética e Clima, realizado na Câmara dos Deputados em outubro/2021 (às vésperas da COP 26), enfatizou que “a transição energética depende do mapeamento dos minerais do futuro”[7].

A essencialidade da mineração é inegavelmente reforçada: o desenvolvimento de novas tecnologias, o aperfeiçoamento de equipamentos e o aprimoramento de sistemas energéticos demandam a oferta de minerais, o que imprime aos projetos de mineração uma relevância ainda mais expressiva.

Contudo, é preciso ressaltar a importância da mineração neste contexto de “transição energética” também sob outra perspectiva. 

Para além de áreas rurais que podem contemplar projetos de semelhante envergadura, outra interessante opção pode se descortinar para a implantação dessas estruturas: áreas advindas de atividades minerárias encerradas. Em outras palavras, áreas mineradas e estruturas acessórias (minas em fechamento) podem dar lugar ao estabelecimento de novos projetos, incluindo-se neste rol as iniciativas de implantação de complexos de geração de “energia limpa” para compensação de emissões de carbono. 

Nos EUA, a Royal Caribeean realizou uma interessante parceria com a Southern Power para implementação da chamada Reading Wing Facility, que corresponde a uma área com 62 turbinas a caminho de gerar 760.000 megawatts-hora por ano para compensar mais de 10% das emissões diretas do Grupo. O empreendimento foi implantado em uma fazenda localizado no Kansas[8]. 

No Reino Unido, autoridades locais testaram, em 2016, a instalação de 192 painéis solares no telhado de uma das principais estações de tratamento de águas advindas de antigas minas. A iniciativa foi exitosa e, diante da percepção de que esta fonte de energia se apresentou como eficiente e econômica, os painéis solares agora serão implantados em todas as minas encerradas que exigem tratamento contínuo da água[9].

O fim de uma atividade de mineração pode representar oportunidade relevante: o início de outro projeto estratégico e apto, inclusive, a viabilizar compensação de emissões de carbono, tais como as que estão sendo implementadas por empresas do ramo de cruzeiros e navegação. Porém, é claro que não se pode deixar de lado a importância da reparação ambiental das referidas áreas e projetos, bem como a própria proteção em relação à eventuais novos danos.

O convite é para “zarparmos” em direção a este novo tempo, em que os desafios encontram soluções estratégicas pela união de esforços entre importantes setores econômicos globais. Resta-nos arrumar as malas e definir esta rota. Quem sabe Leonardo DiCaprio contemple também essa agenda em seu portfólio de apoio a projetos ambientais?[10]  

Já estamos a bordo! 

[1] Royal Caribbean. Wonder of the Seas. Disponível em: https://www.royalcaribbean.com.br/cruise_ships/wonder-of-the-seas/. Acesso em: março/2022.

[2] IG. Maior navio do mundo: “Wonder of the Seas” é inaugurado nos EUA. Disponível em: https://turismo.ig.com.br/2022-03-07/maior-navio-do-mundo-e-inaugurado-florida-eua.html. Acesso em: março/2022. 

[3] Norwegian Cruise Line. Eficiência energética e de combustível. Disponível em: https://www.ncl.com/br/pt/Sail-And-Sustain/Conserva%C3%A7%C3%A3o-de-combust%C3%ADvel-e-energia-1g2tmy/. Acesso em: março/2022.

[4] MSC Cruzeiros. MSC compromete-se em zerar as emissões de suas operações de cruzeiro até 2050. Disponível em: https://www.msccruzeiros.com.br/noticias/msc-compromete-a-zerar-emissoes. Acesso em: março/2022.

[5] Royal Caribbean Group. Energy and Emissions. Disponível em: https://sustainability.rclcorporate.com/reporting/. Acesso em: março/2022 (tradução livre).

[6] IBRAM. Posicionamento da Mineração sobre a Agenda de Mudança do Clima no Brasil. Disponível em: https://ibram.org.br/wp-content/uploads/2021/10/Posicionamento-Setorial-da-Mineracao-sobre-a-Agenda-Climatica-no-Brasil_Out2021-versao-final-aprovada-1.pdf. Acesso em: março/2022.

[7] CPRM. Transição energética depende do mapeamento dos minerais do futuro. Disponível em: http://www.cprm.gov.br/publique/Noticias/Transicao-energetica-depende-do-mapeamento-dos-minerais-do-futuro-6952.html?from%5Finfo%5Findex=11. Acesso em: março/2022.

[8] Royal Caribbean Group. 760,000 megawatt hours per year of clean power. Disponível em: https://www.royalcaribbeangroup.com/news/760000-megawatt-hours-per-year-of-clean-power/. Acesso em: março/2022.

[9] MAENNLING, Nicolas; TOLEDANO, Perrine. The Renewable Power of the Mine. Accelerating Renewable Energy Integration. Columbia Law School, Columbia Center on Sustainable Investment. December 10, 2018. Page 23 (tradução livre). 

[10] United Nations. Leonardo DiCaprio. Disponível em: https://www.un.org/en/messengers-peace/leonardo-dicaprio. Acesso em: março/2022.