Metaverso e Relações de Trabalho


Metaverso e Relações de Trabalho


Por Silvia Pellegrini Ribeiro, Juliana Petrella Hansen e Camila Mendes Meneghini 

Depois de um longo período de pandemia e quebra de paradigmas em relação ao modelo tradicional de trabalho presencial para o home office/modelo híbrido, enfrentamos a expectativa do Metaverso como nova oportunidade e seus respectivos desafios. 

Mas como o Metaverso poderia impactar nas relações de trabalho? Estaríamos diante de uma releitura do “Second Life”, por exemplo, ou de uma nova revolução tecnológica, com possíveis reflexos no Direito do Trabalho? 

A questão ainda é embrionária, mas nos leva a refletir sobre alguns pontos.

O Metaverso deixou de ser apenas um conceito teórico e tem se tornado uma realidade cada vez menos distante, buscando atingir novos horizontes. Uma vez que a ideia seria transportar o cotidiano para o mundo digital, ainda que de modo parcial, relações de trabalho também teriam que se adaptar a esse novo possível contexto.

E uma das preocupações iminentes seria a condução das relações trabalhistas neste novo cenário, códigos de postura e ética no mundo virtual, possíveis penalidades por práticas adotadas pelos avatares, dentre outros.

É sabido que já existem empregados que trabalham dentro do Metaverso. O Meta (antigo Facebook), por meio de uma plataforma em fase de teste denominada workrooms, possibilita que seus empregados utilizem óculos de realidade virtual para, representados por um avatar, se transportar para uma sala de conferências na qual podem interagir uns com os outros, assim como com outros computadores e projetores, com experiências sensoriais e de realidade aumentada¹.

Sabendo que muitas empresas desmobilizaram espaços físicos, seria o Metaverso uma alternativa para proporcionar o encontro virtual dos avatares dos nossos empregados, sócios, colaboradores? Seria o Metaverso viável para proporcionar encontros de empregados?

Ainda, cada vez mais temos notícias de pessoas físicas e jurídicas comprando terrenos e imóveis dentro do Metaverso (por meio de corretores que já trabalham também dentro desta realidade virtual), a fim de, muito em breve, transportar suas vidas, empresas e negócios para este novo cenário. 

Dessa forma, começamos a questionar como seriam os desdobramentos jurídicos dentro deste novo universo digital em todas as áreas; como poderíamos adotar códigos de conduta, aplicar medidas disciplinares, assegurar o direito à privacidade e à intimidade dos empregados, dentre outros. 

Como seria a interação empregador/empregado, que passariam a se relacionar de modo virtual, ainda que parcialmente? Além disso, quais as obrigações e direitos dos empregadores e dos empregados, principalmente considerando que, para ingresso integral e eficiente no Metaverso, será necessário utilizar materiais e dispositivos não tão acessíveis a toda a população? Sem falar no tempo de adaptação de pessoas que se encontram mais distantes da tecnologia. Ainda que o custo do negócio seja do empregador – e, portanto, os equipamentos tenham que ser fornecidos por ele – é certo que existem custos indiretos e tal prática pode se apresentar discriminatória, por exemplo, em processos seletivos.

É possível imaginar também que, diante deste novo universo, novos benefícios e auxílios deverão ser criados. Ademais, deverão ser implantadas novas formas de pagamento a possibilitar a consideração do dinheiro real ou do dinheiro virtual (criptomoedas, NFTs e outros)?

Frente a todos os desafios que podem emergir desse novo formato de relação de emprego, sem dúvida o empregador deve ter em mente a preocupação com o surgimento de novas - ou pelo menos o aumento de - doenças do trabalho, tanto físicas como psicológicas, pelo uso extremo do ambiente virtual. Além de outras patologias que surgem com o avançar da sociedade, o burnout é um bom exemplo disso. 

Da mesma forma, há a questão da privacidade do empregado, a qual lançará desafios em relação à melhor conduta para tratamento dos dados pessoais que, eventualmente, serão disponibilizados para criação deste modelo virtual. E, apesar de parecer algo distante, sabemos que muitas empresas já usam a “gamificação” em seus processos seletivos, treinamentos internos e sobretudo para engajamento dos empregados . A prática de jogos ou gincanas não é assunto estranho ao direito do trabalho e nem na jurisprudência: há exemplos de decisões judiciais que reconhecem como abusivas determinadas práticas desse gênero. 

De toda sorte, o modelo de gamificação, como atualmente é conhecido, parece nos direcionar ao Metaverso, demonstrando ser uma realidade muito mais próxima do que se imagina e, por este retrovisor, conseguimos prever quais possíveis problemas o mundo do Metaverso poderá trazer para as relações de trabalho, no caso de não serem adotados critérios razoáveis e atentos às garantias constitucionais ao direito à dignidade, à intimidade e à vida privada. 

No entanto, sem sombra de dúvida, o Metaverso poderá ser um grande aliado no tempo e produtividade. Toma-se como exemplo o próprio modelo híbrido de trabalho, que, quando bem aplicado e com as devidas cautelas, traz grandes benefícios tanto para as empresas quanto para os empregados. Vislumbra-se que o ambiente totalmente virtual possa facilitar mais ainda estas questões, com a vantagem de poder criar encontros em ambiente virtual, com a experiência sensorial. 

O Metaverso pode trazer maior interação entre colegas, reduzir distâncias, maior controle da jornada de trabalho, diminuição de acidentes de trabalho (ao menos no espaço digital), maior produtividade e otimização do tempo. Então, seria o Metaverso uma alternativa para aqueles que questionam os impactos da solidão ou do isolamento profissional que o modelo remoto traz?

Com a devida regulação, cautela, olhar atento e adequação às normas, o Metaverso pode se tornar um aliado para trazer consistência e perenidade ao modelo híbrido de trabalho, ou mesmo ao home office.

Estamos em um grande momento disruptivo e é inegável o avanço tecnológico que a pandemia imprimiu em vários setores da sociedade, sobretudo nas relações de trabalho. Não podemos deixar de pontuar que as relações de trabalho são de natureza social, isto é, a força de trabalho requer a interação entre as pessoas e o trabalho é um direito fundamental assegurado pela Constituição Federal. Frente a isso e a todas as recentes mudanças, o grande desafio parece-nos ser encontrar a exata medida de equilíbrio entre os mundos virtual e físico, de forma a ter relações produtivas, mas sobretudo harmônicas e saudáveis. 

O Direito do Trabalho é mutável e deve acompanhar a evolução da sociedade. Assim caberá, mais uma vez, a contínua adaptação e adequação de suas normas para a nova realidade eminente. 

¹ https://www.cnnbrasil.com.br/business/entenda-o-que-e-o-metaverso-e-por-que-ele-pode-nao-estar-tao-distante-de-voce/

² https://vocesa.abril.com.br/geral/olimpiada-incentiva-gamificacao-dos-negocios/ - acesso em 03/03/2022

https://www.roberthalf.com.br/blog/gestao-de-talentos/6-aspectos-sobre-gamificacao-nas-empresas-que-voce-precisa-saber-rc - acesso em 03/03/2022