Juros sobre o capital próprio - JCP - Será que agora vai ou fica?


Juros sobre o capital próprio - JCP - Será que agora vai ou fica?


Os juros sobre o capital próprio - JCP são um instrumento criado em 1995 que, em linhas gerais, objetivou desestimular o endividamento no mercado financeiro e motivar o financiamento pelo capital próprio do sócio através de política tributária moderna e compatível com aquela praticada pelos demais países emergentes.

 Para atingir referido objetivo, o cálculo e aproveitamento dos JCP propicia isonomia entre o tratamento tributário conferido à remuneração do capital próprio dos sócios aplicado no negócio e ao capital obtido junto a terceiros, gerando dedução de despesa financeira, para fins de cálculo do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica - IRPJ e da Contribuição Social sobre o Lucro Líquido - CSLL das pessoas jurídicas tributadas pelo regime do Lucro Real, desde que observados certos requisitos.

A legislação tributária estabeleceu um limite para que a despesa com os JCP seja passível de dedução como despesa financeira na apuração do IRPJ e da CSLL, qual seja: o menor valor entre duas alternativas: a) valor decorrente da aplicação da Taxa de Juros de Longo Prazo - TJLP pro rata die sobre o patrimônio líquido; ou b) o maior valor entre 50% do lucro apurado ou 50% do somatório dos lucros acumulados e reservas de lucros.

Como é passível de dedução da apuração do IRPJ e da CSLL, os JCP propiciam uma redução da carga tributária das pessoas jurídicas em torno de 34% sobre o seu valor, diferentemente dos lucros ou dividendos que não afetam o resultado tributável, não gerando qualquer dedução fiscal.

Os JCP são tributados na fonte a uma alíquota definitiva de 15%, o que o difere dos lucros ou dividendos que são isentos. Entretanto, mesmo com a incidência do IRRF, da perspectiva do sócio ou acionista, ainda existe a vantagem, uma vez que a economia tributária da empresa pode resultar em maior distribuição de lucros, podendo proporcionar um incremento dos recursos líquidos de até 19%.

Do ponto de vista da isonomia entre o capital próprio e o de terceiros, a remuneração do JCP busca o equilíbrio entre o investimento dos sócios (capital próprio) e de terceiros. Esse objetivo seria atingido pela incidência do IRRF de 15% sobre o montante pago de JCP, muito similar à tributação dos títulos de renda fixa de longo prazo (acima de 720 dias).

Apesar do objetivo de buscar uma isonomia de tratamento entre o capital próprio e o de terceiros quando da escolha da estratégia empresarial para fins de financiamento da empresa, os JCP foram alvo de reiteradas críticas e incompreensões.

Somado a isso, fato é que, nos últimos anos, diversas iniciativas foram tomadas pelo Governo para aumentar a arrecadação. Nesse sentido, a revogação do instituto do JCP foi uma delas. Podemos citar a propositura dos seguintes Projetos de Lei – PL nºs 1.034/1999 (apensado no PL nº 377/1999), 3.091/2008 (apensado no PL nº 3.007/2008), 3.418/2007 (apensado no PL nº 3.798/2015), 1.887/2015, 3.780/2019. Houve inclusive a edição de uma Medida Provisória - MP nº 694/2015 na tentativa não de extinção, mas de aumento do  Imposto de Renda Retido na Fonte - IRRF de 15% para 18% e limitação da TJLP a ser aplicada sobre o Patrimônio Líquido a 5%. 

Em junho de 2021, houve nova tentativa de revogação integral do instituto através do PL nº 2.337/2021, proposto pelo Ministro da Economia do Governo anterior, Paulo Guedes. Referido Projeto foi, com muito alarde, aprovado pela Câmara dos Deputados, tendo ficado pendente de análise no Senado Federal. O projeto abarcava não só o fim do JCP, mas outras medidas tais como a tributação de dividendos.

Recentemente, em 31 de agosto de 2023, no intuito de aumentar a arrecadação e acabar com o déficit das contas públicas no ano que vem, novo Projeto de Lei foi enviado pelo poder Executivo ao Congresso Nacional. Desta vez, o único objetivo é a revogação integral do instituto do JCP a partir de 2024, com previsão de arrecadação de R$ 10,5 bilhões no próximo ano. Trata-se do PL nº 4.258/2023. 

Um aspecto interessante deste novo PL é que resguardou o direito de o contribuinte deduzir os JCP referentes ao ano calendário de 2023, ainda que pagos ou creditados no ano de 2024.

O projeto foi enviado com solicitação de urgência constitucional, contudo, em 05 de setembro de 2023, foi solicitada a retirada da urgência, de forma que a matéria poderá tramitar de forma mais lenta e permitir aprofundamento de discussões pelos parlamentares. Especula-se que o plano era que o Projeto não tivesse urgência e que teria sido enviado nessa modalidade equivocadamente. Se a urgência fosse mantida, haveria o trancamento da pauta da casa legislativa onde o projeto estivesse tramitando caso não houvesse votação em até 45 dias. 

Muitos entendem que a revogação do instituto do JCP poderá desestimular o investimento feito nas empresas a partir de recursos próprios dos sócios ou acionistas em contrapartida de estimular o investimento com recursos de terceiros, de forma que o equilíbrio no tratamento entre capital próprio e capital de terceiros ficará comprometido.  Este cenário pode comprometer ainda mais o investimento nas empresas, principalmente se considerarmos um contexto e histórico de taxas elevadas de juros no mercado brasileiro.

Embora os JCP sejam referenciados como sendo uma jabuticaba brasileira, na contramão das discussões sobre a reforma tributária no Brasil, os países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico - OCDE  estão cada vez mais adotando estruturas semelhantes aos JCP, também chamados de Allowance for Corporate Equity - ACE,  além do Notional Interest utilizado na Bélgica e da inciativa da Comissão Europeia apresentada em maio/21, para implementação de instrumento chamado Debt Equity Bias Reduction Allowance – DEBRA.  Por outro lado, a exposição de motivos do recente PL nº 4.258, somou a antigos argumentos, a alegação de que os JCP são instrumento jurídico sui generis de legislação brasileira, cuja natureza híbrida não seria pacífica na esfera internacional, sendo inclusive combatida por diversos países e pela própria OCDE por poder proporcionar uma dupla não tributação.

Na opinião da Confederação Nacional da Indústria - CNI, o mecanismo de JCP deve ser aprimorado, mas não extinto. A ideia seria de seguir a tendência internacional de promover o equilíbrio entre capital próprio e capital de terceiros por meio do ACE. O ACE opera por meio da exclusão fiscal da presunção de juros incidentes sobre o capital social e os lucros acumulados permanecem reinvestidos. Os JCP deixariam de ser vinculados a pagamentos aos sócios e passariam a ser uma exclusão fiscal, independentemente de as empresas possuírem caixa ou serem lucrativas, de forma que mais empresas poderiam utilizar-se do instituto. Essa ampliação certamente representaria maior impulso ao investimento produtivo no Brasil.

Tendo em vista o exposto, nos resta aguardar a tramitação do novo Projeto de Lei e recomenda-se estudar e analisar alternativas aplicáveis a cada empresa, de acordo com sua situação tributária, já preparando para eventual conversão em Lei.

Para o atual momento, uma boa alternativa para aquelas pessoas jurídicas que ainda não se utilizaram do instituto dos JCP, é analisar a possibilidade de pagamento extemporâneo de tais valores, mediante cálculo retroativo.

O embasamento para referido cálculo é que a legislação não prevê prazo limitador da faculdade de distribuição de JCP, podendo a deliberação relativa à distribuição ocorrer nos exercícios seguintes ao de sua formação.

Em suma, o cálculo retroativo do JCP consiste em cálculo da despesa que poderia ter sido deduzida em períodos anteriores, considerando-se as premissas da época (Patrimônio Líquido e taxa TJLP), mas com a apropriação contábil da despesa no momento da sua deliberação determinando o respectivo crédito ou pagamento, observados os limites de 50% do lucro do período ou dos lucros acumulados e reservas de lucros.

Há que se ressaltar que existem discussões administrativas e judiciais envolvendo o tema. 

Todas as Soluções de Consulta emitidas pela Receita Federal do Brasil - RFB foram no sentido de que a dedução do JCP somente poderia ser efetuada no ano a que se referem seus limites, vedada a possibilidade de dedução relativa a períodos anteriores, visto que implicaria em descumprimento do regime de competência.

O tema foi analisado pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ em fevereiro de 2009 (RESP nº 1.086.752/PR), tendo sido contrário ao entendimento da RFB, no sentido de ser possível o pagamento extemporâneo.

Mesmo após tal decisão, muitas decisões da Câmara Superior do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CSRF ainda foram contrárias à decisão do STJ, ou seja, desfavoráveis ao contribuinte. Contudo, após a alteração do voto de qualidade no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais - CARF em 2020 (desempate pró-contribuinte), decisões de 2021 e 2022 foram proferidas favoravelmente ao contribuinte, inclusive da CSRF, apesar de outras julgadas desfavoráveis, mas não da CSRF.

Em novembro de 2022 o tema foi analisado novamente pelo STJ, havendo confirmação da tese favorável aos contribuintes (RESP 1.955.120/SP e 1.946.363/SP) na 2ª Turma. Em junho de 2023, nova confirmação também favorável, desta vez da 1ª Turma (RESP 1.971.537/SP), pacificando o entendimento das duas Turmas do STJ. No entanto, a questão ainda não foi objeto de análise em sede de Recurso Repetitivo.

Pode ser que com a recente nova mudança do voto de qualidade do CARF, novas decisões sejam proferidas desfavoravelmente aos contribuintes, contudo, face à jurisprudência judicial já mencionada, entendemos haver grandes possibilidades de desfecho favorável ao contribuinte na esfera judicial.

Bom, fica aqui a mensagem de que é necessário acompanhar os desdobramentos do Projeto de Lei acerca da extinção dos JCP, bem como avaliar a oportunidade de um eventual aproveitamento extemporâneo, enquanto a “janela” ainda está aberta no ano de 2023.