Inspirações e desafios para a mineração: o Brasil rumo à transição energética


Inspirações e desafios para a mineração: o Brasil rumo à transição energética


Por Gabriela Salazar

A mineração desempenha papel importante na economia brasileira e é responsável por significativa parcela do PIB nacional. Contudo, a percepção da mineração como uma atividade negativa aumentou consideravelmente nos últimos anos em todo o país. 

Em contraponto a esse entendimento, é importante reconhecer o papel que a mineração pode desempenhar na transição “Net Zero”. A população global não precisa da mineração apenas para sua sobrevivência e perpetuidade: a mineração é essencial para a transição do mundo em direção à economia Net Zero. 

A Terra já está cerca de 1,1°C mais quente do que estava no final do século XIX e as emissões de gases de efeito estufa continuam a aumentar. Para que o aquecimento global não ultrapasse 1,5°C - conforme previsto no Acordo de Paris - as emissões precisam ser reduzidas em 45% até 2030 e chegar ao Net Zero até 2050¹.

Para atingir essa meta, os países precisam implementar diversas ações estratégicas e engajar a população nessa nova era. Nesse sentido, mudanças substanciais na matriz energética e no consumo de combustíveis fósseis surgem como tópicos importantes dessa agenda. A transição para uma economia Net Zero deve, inevitavelmente, evocar o desenvolvimento e a disseminação de tecnologias de energia limpa que apoiem a descarbonização – o que, por sua vez, demanda matérias-primas minerais. 

O Banco Mundial enfatiza que a demanda por minerais no futuro de baixo carbono é substancial, considerando, por exemplo, que as tecnologias de energia limpa precisam de mais minerais do que as tecnologias baseadas em combustíveis fósseis e que, mesmo com o aumento das taxas de reciclagem de minerais, a demanda mineral continuará aumentando devido à necessidade contínua desses materiais para abastecer os mercados com tecnologias de energia limpa².  

Os chamados "minerais críticos ou estratégicos³" desempenham um papel essencial nesse sentido. Embora a mineração possa ser considerada um setor global e interconectado, os países podem apresentar visões diferentes sobre quais minerais devem ser considerados "críticos ou estratégicos", o que traz certo nível de fluidez ao conceito. Apesar desse fato, sua criticidade intrínseca engloba tanto a relevância para a economia quanto os riscos sobre o fornecimento. A importância de determinados minerais para a transição visando uma economia Net Zero é, sem dúvida, um elemento-chave considerado por muitos países em sua lista de minerais críticos/estratégicos e, portanto, para o desenvolvimento de políticas e incentivos para aumentar sua produção. 

O Brasil é uma potência mineral e um importante fornecedor de minerais considerados críticos ou estratégicos em todo o mundo. O país é consideravelmente capaz de aumentar sua produção mineral para atender à crescente demanda que se avizinha com relação aos minerais críticos, tendo desenvolvido relevantes políticas e medidas4  nos últimos cinco anos para ampliar a exploração e o aproveitamento de minerais estratégicos, bem como para catalisar o desenvolvimento de projetos de minerais críticos atualmente em andamento. 

No entanto, existem várias vulnerabilidades que afetam negativamente o fluxo de investimentos no setor mineral nacional e, portanto, podem prejudicar a capacidade do Brasil de se posicionar como um fornecedor seguro de minerais essenciais e como um importante player global no caminho para a transição energética.  

A falta de integração entre as autoridades públicas nacionais, a burocracia excessiva para a emissão de autorizações regulatórias e ambientais (que resulta em processos consideravelmente demorados), a insegurança jurídica e o aumento da carga tributária são apenas alguns exemplos de questões que sobrecarregam o setor de mineração brasileiro e podem afastar investimentos no país.

Embora as políticas implementadas pelo governo brasileiro até o momento representem um avanço, elas ainda não abordam algumas das fragilidades relevantes que prejudicam o setor mineral, principalmente no que diz respeito à necessidade de maior eficiência, transparência e segurança jurídica em todo o ciclo de vida da mina (desde a fase de exploração até a desativação e o fechamento da mina).

Em uma visão comparativa, é possível identificar que pelo menos duas tendências emergem das políticas dos EUA e do Canadá5 em relação aos "minerais críticos": (i) a importância da parceria com outros atores globais; e (ii) a clara necessidade de desenvolver ações capazes de atrair e catalisar o capital privado e o investimento na cadeia de suprimentos, o que deve abranger, para esse fim, medidas de crédito fiscal e programas especiais para promover empréstimos e subsídios em favor de investidores privados.

Nessa linha, enquanto o Canadá e os EUA estão trabalhando em incentivos e isenções fiscais, o Brasil parece andar na contramão, ao caminhar em direção ao aumento da carga tributária. Enquanto o Canadá e os EUA têm um entendimento bem desenvolvido sobre a necessidade de proporcionar aos investidores maior segurança jurídica, transparência e eficiência, o Brasil parece estar caminhando a passos lentos nessa direção ao ainda enfrentar limitações orçamentárias significativas para o melhor aparelhamento dos órgãos, agências e instituições públicas dedicadas ao setor minerário. Enquanto o Canadá e os EUA anunciam pacotes de financiamento para incentivar o desenvolvimento de tecnologia em benefício da cadeia de suprimentos de minerais críticos, o Brasil parece negligenciar a importância de se investir em pesquisa e desenvolvimento. Enquanto o Canadá e os EUA concentram seus esforços em parcerias transnacionais, o Brasil, como o maior país da América do Sul, parece nem mesmo considerar uma iniciativa de colaboração com vizinhos sul-americanos com forte potencial mineral (como Argentina e Chile).

O Brasil deve aprender com os países da América do Norte e continuar avançando no desenvolvimento de políticas capazes de aumentar a produção de minerais críticos e permitir que o país aproveite (e intensifique) sua “natural potencialidade mineral”. 

O Brasil apresenta uma inegável riqueza mineral para se firmar como um dos mais importantes players globais no caminho da transição energética. Nesse contexto, não apenas os resultados beneficiarão toda a economia nacional, como também a mineração será cada vez mais reconhecida como "uma fiel aliada para um futuro melhor".  

¹ United Nations, For a livable climate: Net-zero commitments must be backed by credible action (UN, 2022) <https://www.un.org/en/climatechange/net-zero-coalition> Acesso em: Março, 2024  
² The World Bank, Minerals for Climate Action: The Mineral Intensity of the Clean Energy Transition 2020) < https://pubdocs.worldbank.org/en/961711588875536384/Minerals-for-Climate-Action-The-Mineral-Intensity-of-the-Clean-Energy-Transition.pdf > Acesso em: Março, 2024. P. 11-17.
³ Para os fins deste artigo, os termos "crítico" e "estratégico" apresentam o mesmo significado.
4 Como exemplos, podem ser citadas: (i) a Política de Apoio ao Licenciamento Ambiental de Projetos de Investimentos para a Produção de Minerais Estratégicos - Pró-Minerais Estratégicos (Decreto n. 10.657/2021) e (ii) Decreto n. 11.120/2022, por meio do qual determinadas restrições sobre a exportação de lítio foram revogadas e não oneram mais o setor.
5 Vide, a título de exemplos:  (i) Joint Action Plan on Critical Minerals Collaboration firmado por EUA e Canadá em 2020 e (ii) USA Executive Order 14017/2021, que determinou a realização de uma análise das vulnerabilidades do setor mineral crítico e das cadeias de suprimento, apresentando importantes recomendações para o governo em prol deste segmento.