Como a Nova Lei de Licitações impacta no setor de infraestrutura?


Como a Nova Lei de Licitações impacta no setor de infraestrutura?


Por Bruna Bouissou, Bianca Barbosa, Nathália Leitão e Ana Beatriz Franzero 

Como é amplamente sabido, em 1º de abril de 2021 foi editada a Lei Federal 14.133/2021 (Nova Lei de Licitações e Contratos ou NLLC), que introduziu significativas inovações no tema das licitações e contratações públicas. 

Uma simples leitura comparativa entre o supracitado diploma legal e aquele que ele pretende suceder – Lei Federal 8.666/1993 – já permite constatar que as previsões da nova lei implicam não só em alterações nos ritos procedimentais e nas normativas infralegais que regem o assunto em todas as esferas da federação, mas também em uma mudança de cultura organizacional no sentido de rejuvenescer as contratações públicas. Por esse motivo, o legislador pátrio logo previu um período de transição de dois anos, que se encerra em 1º de abril de 2023, para que a Administração Pública pudesse preparar a casa antes da efetiva aplicação da lei1

Embora diversos segmentos da Administração Pública, especialmente órgãos com capacidade regulamentar, aspirem à prorrogação da vigência da Nova Lei de Licitações e Contratos por não se considerarem ainda aptos para a sua aplicação imperativa, e essa medida esteja sendo considerada inclusive via projeto de lei2, fato é que a Lei Federal 14.133/2021 já precisa ser encarada como realidade.   

Nesse sentido, a NLLC traz importantes alterações e desafios especificamente para o setor de infraestrutura, que precisam ser acompanhados de perto e efetivamente endereçados.  

Haverá, por exemplo, a necessidade de se dar publicidade aos atos dos procedimentos licitatórios e de contratação no recém-criado Portal Nacional das Contratações Públicas (“PNCP”), que também deverá ser utilizado pelos órgãos e entidades da Administração Pública para fins de cadastro unificado de licitantes. Considerando os contratos de valor elevado e o alto vulto de investimentos envolvidos nas licitações de infraestrutura, essa medida pode garantir maior segurança, controle e transparência ao setor. 

Associado a isso, o uso do meio eletrônico nas contratações – expressamente incentivado pela nova lei – certamente possibilitará maior agilidade e transparência nos trâmites concorrenciais.  

Além disso, a NLLC inaugura uma nova modalidade de licitação: o diálogo competitivo. Voltada para situações em que o objeto contratual – obras, serviços ou compras – a ser licitado é complexo, essa modalidade permite que haja uma fase de discussão, entre a Administração e os particulares interessados previamente selecionados, sobre soluções técnicas, econômicas e jurídicas para contratos de alto risco e elevada complexidade. É, portanto, um instituto que pode possibilitar a seleção de projetos mais vantajosos com soluções inovadoras em variados setores da infraestrutura que contam com uma complexidade inerente – saneamento básico, mobilidade urbana, iluminação pública, entre outros. Esse mecanismo pode se tornar ainda mais eficaz para o setor a depender dos rumos que tomar a pacificação das controvérsias sobre a aplicabilidade dessa nova lei aos contratos de concessões e parcerias público-privadas (PPPs). 

Também impactam o setor de infraestrutura as inovações acerca da prestação de garantia pelo parceiro privado, na modalidade de seguro-garantia, em contratações de obras e serviços de engenharia de grande vulto. Nesses casos, a Administração Pública passa a poder exigir do contratado a apresentação de apólice em valor equivalente a até 30% do valor inicial do contrato. Também é possível prever a obrigação de a seguradora, em caso de inadimplemento pelo contratado, assumir a execução e concluir o objeto do contrato. Nessa hipótese, ou a seguradora executa e conclui o objeto contratual, ficando isenta da obrigação de pagar o valor segurado, ou paga a integralidade da importância indicada na apólice por não assumir a execução contratual. Tendo em vista que, nesse setor, as obras públicas inacabadas configuram obstáculo que recorrentemente precisa ser contornado pelo Poder Público, tais mudanças tentam endireitar os problemas decorrentes de eventuais paralisações e deterioração das obras.  

Há que se dizer também que as prescrições da nova lei reforçam a utilização de meios alternativos de resolução de controvérsias e, para além disso, asseguram expressamente a possibilidade de instauração de dispute boards (comitês de prevenção e solução de conflitos), até então sem previsão em normas gerais de contratação. Essas inovações favorecem o fortalecimento do interesse dos agentes privados nas contratações públicas, uma vez que os métodos de solução de controvérsias adotados e os procedimentos para definição dos valores eventualmente devidos ao contratado pelo parceiro público fazem parte dos grandes riscos avaliados pelos parceiros privados antes de fazerem seus investimentos. 

Foram introduzidas mudanças também no rito do procedimento licitatório: a inversão de fases, por exemplo, que configurava exceção à regra na Lei Federal 8.666/1993, passa a ser obrigatória, salvo em casos excepcionais devidamente motivados3. Assim, apesar de expandir o rol de documentos de habilitação exigidos – deve-se apresentar, por exemplo, declaração de cumprimento das exigências de reserva de cargos para pessoa com deficiência e para reabilitado da Previdência Social –, a NLLC passa a exigi-los apenas do licitante vencedor, diferentemente do que previa a Lei Federal 8.666/1993. Esse novo cenário tende a tornar todo o procedimento licitatório mais rápido e dinâmico, o que é favorável tanto para os potenciais concorrentes quanto para o Poder Público e para os cidadãos que se beneficiarão direta ou indiretamente da contratação.   

Do breve panorama acima exposto – que não tem pretensões de esgotar todas as alterações promovidas pela NLLC –, já é possível constatar que a nova lei pretende, na medida do possível, modernizar as contratações públicas, o que trará impactos significativos para o setor de infraestrutura, com a possível atração de mais investimentos. Inclusive, a própria numeração da lei já é um “avanço” em relação ao trava-língua da famosa Lei Federal 8.666/1993.  

Entretanto, não restam dúvidas de que o bom funcionamento da lei na prática demandará esforços não apenas da Administração Pública, mas também dos futuros licitantes do setor, para se adaptarem às novas exigências legais. De fato, não são poucos os obstáculos e questionamentos que possivelmente surgirão à medida que a lei for sendo aplicada, mas resta forte a esperança de que todas as partes envolvidas nos procedimentos de contratações públicas convirjam seus respectivos interesses para que a efetiva transição ocorra da forma menos turbulenta possível. 

Referências:

1 Durante o período de transição, é facultado ao gestor público a opção pelo antigo ou novo regime, desde que não se combine leis distintas em um mesmo processo de contratação. 

2 O Projeto de Lei (PL) 934/2023 tenta a prorrogação da vigência da NLLC para 31 de dezembro de 2024. Ocorre que, tendo sido apresentado à Câmara dos Deputados somente em 7 de março de 2023, é provável que, em razão dos prazos regimentais mínimos, a tramitação e aprovação do PL não seja concluída nas duas casas do Congresso Nacional até 1º de abril de 2023. Ou seja, a menos que a prorrogação ocorra por meio de Medida Provisória do Poder Executivo Federal, há grandes chances de a nova lei ser obrigatoriamente aplicada a partir do próximo mês.   

3 Antes da NLLC, a análise dos documentos de habilitação de todos os concorrentes precedia a fase de julgamento das suas propostas comerciais. Com o advento da nova lei, faz-se primeiro o julgamento das propostas para, então, analisar a regularidade da documentação somente do licitante vencedor.