Aplicação da retroatividade do depósito judicial à luz do Tema Repetitivo 677 do Superior Tribunal de Justiça


Aplicação da retroatividade do depósito judicial à luz do Tema Repetitivo 677 do Superior Tribunal de Justiça


Por Emile Silvestre de Castro Ezequiel

Há tempos se discute a incidência de consectários legais fixados no título executivo sobre o valor depositado em juízo, até o efetivo levantamento pelo exequente. Anteriormente, o entendimento que tínhamos era de que o depósito judicial do montante executado extinguia a obrigação do devedor, nos limites da quantia depositada. Ou seja, quando realizado, ainda que para garantir o juízo, o depósito judicial isentava o devedor da obrigação de arcar com atualização monetária e juros moratórios, a partir dessa data até o efetivo levantamento pelo credor. 

Essa prática legitimava a estratégia de garantir o cumprimento da sentença por meio de depósito judicial, ao mesmo tempo em que contestava a execução, condicionando a liberação desse depósito à decisão final. Essa abordagem é comum na prática jurídica, devido à crença generalizada de que os encargos de mora deixariam de incidir após a garantia no cumprimento da sentença. Agindo dessa maneira, os devedores exerciam seu direito de defesa e se resguardavam contra o aumento da dívida devido aos juros de mora sobre os créditos em disputa judicial.

Posteriormente, finalizado o julgamento do Tema Repetitivo 677 no Superior Tribunal de Justiça, fixou-se a tese de que o depósito judicial realizado no curso da execução não isenta o devedor de adimplir com os consectários de sua mora, tal qual previstos no título executivo.  Logo, temos que, quando da entrega do montante a quem de direito, deverá ser apurada eventual diferença entre o valor depositado em conta judicial e o valor da dívida atualizada até a data do levantamento, diferença essa que deverá ser adimplida pelo devedor.

A matéria é muito relevante, mas ainda temos que levar em consideração qual seria a finalidade desse depósito judicial, ou seja, se teria sido realizado em garantia como forma de impugnar a execução ou a título de pagamento ao credor. 

Ainda nesse sentido, os depósitos realizados em forma de garantia não são aptos a suspender os consectários da mora, que fluem até a data da efetiva entrega do dinheiro ao credor, deduzindo-se, por óbvio, o montante do saldo da conta judicial. Contudo, há pontos a serem esclarecidos, principalmente porque a aplicação do Tema Repetitivo 677 do Superior Tribunal de Justiça deve ser imediata e obrigatória, independentemente do trânsito em julgado, na forma do artigo 1.040, inciso III, do Código de Processo Civil. 

O Superior Tribunal de Justiça, atento ao artigo 927, § 3º, do Código de Processo Civil, enfrentou a questão relativa à modulação dos efeitos da mudança de entendimento, visto que a superação de precedentes fixados pelo próprio Poder Judiciário causa uma ruptura na estabilidade jurídica. Dessa forma, torna-se necessária a utilização da modulação de efeitos, pois a segurança jurídica exige uma tutela adequada.

Todavia, o Superior Tribunal de Justiça entendeu pela desnecessidade de modulação dos efeitos, fazendo com que a decisão produza efeitos pretéritos, para todos os casos em andamento e não definitivamente julgados. 

Nesse sentido, em 20.07.2023 houve expressa ordem do STJ a todos os Tribunais dos Estados acerca da obrigatoriedade de observância ao entendimento firmado no Tema Repetitivo 677, cumprindo-se, assim, o artigo 1.040 do Código de Processo Civil.

Importante ressaltar que o dispositivo legal referido acima foi criado com o objetivo de uniformizar os processos judiciais submetidos à sistemática dos precedentes qualificados, os quais terão aplicação imediata e obrigatória pelos tribunais pátrios (ou, pelo menos, deveriam ter....). 

Entende-se que surpreender os litigantes com um aumento repentino de suas dívidas, devido a uma mudança tão radical no entendimento do STJ, significa penalizar milhares de devedores que confiaram na posição anterior do mesmo órgão, acerca das implicações do depósito em juízo. A alteração de entendimento submete os depositantes a um encargo inexistente no momento em que decidiram efetuar o depósito judicial.  

Vale lembrar que a segurança jurídica, pilar do nosso ordenamento, impede a revisão de situações passadas e prestigia a confiança dos envolvidos na jurisprudência vinculativa, para não desfazer o que já foi estabelecido. 

Em suma, o decidido no Tema 677 tem um impacto direto na abordagem processual tanto dos credores quanto dos devedores, que, agora, precisam se ajustar rapidamente a essa nova realidade. Ao mesmo tempo, é necessário revisar as estratégias anteriormente adotadas à luz da interpretação original do tema, nos idos de 2014. Independentemente de ser considerada correto, ou não, o entendimento firmado pelo STJ no Tema 677, é inegável que a repentina mudança, sem limitação nos seus efeitos, causa preocupação e incerteza jurídica, tanto para os envolvidos no processo quanto para os profissionais do direito.