Americanas – a Culpa não é do Compliance, mas da [falta] de Integridade


Americanas – a Culpa não é do Compliance, mas da [falta] de Integridade


Por Glaucia Ferreira e Isabel Franco

Com o estouro do escândalo ocorrido nas Lojas Americanas no começo deste ano, muito se cogitou, entre os profissionais de compliance, se caberia algum tipo de responsabilidade que pudesse ser imputado à área de compliance das Americanas. Questionou-se, também, se havia algo que a área poderia ou deveria ter feito, dentro das suas atribuições, para evitar a materialização da potencial fraude contábil que está sendo apurada. 

Sem adentrar, especificamente, no que os profissionais da área de compliance da Americanas poderiam ter feito para evitar o escândalo em questão, já que afirmações dessa magnitude dependem das investigações que ainda estão sendo conduzidas, entendemos que, em princípio, as áreas de compliance das empresas em geral não têm efetivamente como visualizar o potencial risco de fraude em seus processos de contabilização. Entendemos, em um primeiro momento, que áreas de riscos, controles internos e de auditoria teriam as condições e capacitações técnicas para detectarem riscos de fraude e, assim, prevenir a sua materialização. 

Não obstante as ilações acima, propomos aqui uma visão mais ampla, que perpassa a definição de “qual área” teria condições de ter detectado a referida fraude. A questão aqui proposta envolve discutir se a falha de empresas que passam por esse tipo de escândalo não estaria na não adoção dos princípios de ética e integridade de maneira genuína, como sendo um princípio inerente da empresa e de seus sócios, adotado e permeado pela alta liderança. 

De fato, ética e integridade não são e não devem ser encaradas como uma mera “atribuição” das áreas de compliance, são valores que devem ser exalados pela alta liderança como valores da empresa como um todo, de maneira inegociável. Para tanto, não basta que a alta liderança declare seu “apoio irrestrito” à área de compliance no que tange aos temas que envolvem ética e integridade. Na nossa visão, se a alta liderança não “respirar” esses valores, eles não serão introjetados pelas áreas e pelos colaboradores. 

Para corroborar nossa linha de raciocínio, observe-se o número de comitês, órgãos e políticas que grandes empresas possuem. Será que, se essas mesmas empresas, tivessem os princípios de ética e integridade como valores inegociáveis que partissem da alta liderança – o que chamamos de tone of the top -, seus executivos se sentiriam à vontade para não observar normas expedidas por órgãos reguladores, expondo a empresa a riscos de fraude e, consequentemente, toda sociedade e os stakeholders a prejuízos incalculáveis?  

 As questões acima não são apenas um devaneio, uma discussão teórica ou até mesmo um debate filosófico: essas questões são inclusive levadas em consideração pela Controladoria Geral da União – CGU quando da avaliação de programas de integridade de empresas que estão passando por Processos Administrativos de Responsabilização – PAR, para fins de cálculo da multa devida pela empresa infratora.  De fato, um dos princípios avaliados pela CGU neste contexto parte da premissa que1o compromisso da pessoa jurídica com a integridade começa pelo exemplo dos membros da alta direção. Além de participar da implementação e supervisão, a alta direção deve manifestar apoio e divulgar o Programa de Integridade periodicamente, como forma de garantir a sua adoção e de promover a cultura ética entre os colaboradores e terceiros. Os membros da alta direção são os primeiros que devem dar o exemplo, por meio da postura, dos discursos, dos temas trazidos ao debate em reuniões e eventos, etc. É recomendável que as mensagens sejam pessoalizadas, assinadas pelos membros da alta direção. Isso é importante para que os empregados e a sociedade percebam que os membros da alta direção estão pessoalmente comprometidos com a integridade, no discurso e na prática.” 

Enfim, as empresas podem ter tantas áreas, comitês, políticas e estruturas para “tentar” demonstrar que adotam as melhores práticas no que tange à ética e integridade, ou até mesmo “declarar” o apoio à alta liderança. Entretanto, pensamos que todo esse “aparato” não será suficiente para evitar que a empresa pratique fraudes a qualquer momento, durante a sua vida. Isso porque acreditamos que os princípios de ética e integridade são valores que nascem a partir de seus criadores, daqueles que idealizaram o empreendimento ainda em sua fase de sonho de empresário.  

Uma vez implementada a empresa, e seus sócios abraçarem a missão de suas iniciativas, o espírito inicial que criou a organização com verdadeira ética e integridade será então naturalmente transmitido à alta liderança, e para ser sempre e genuinamente introjetado em cada uma das áreas e de seus colaboradores. Se assim não for, o espírito dessa empreitada já nasce como pau torto e dificilmente será consertado, quando não for verdadeiro desde o primeiro momento de sagração da empresa. 

A área de compliance vem conscientizar toda a organização, educando paulatinamente todos os seus colaboradores em todas as esferas e áreas de atuação da empresa. Entretanto, todas as suas ações devem ter raízes firmes na genuína intenção de seus idealizadores que instauram a cultura inicial da empresa. A área de compliance pode sempre reiterar e reforçar todos os valores de ética e integridade, mas, se esses não estiverem com seus fundadores desde o início, dificilmente existirão pela vida da empresa, pouco podendo a área de compliance fazer para que eles persistam se nunca existiram.  

Referências:

1 https://www.gov.br/cgu/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/integridade/arquivos/manual-pratico-integridade-par.pdf