Fintechs: Agentes de Fomento de Negócios e de Inclusão Financeira


Fintechs: Agentes de Fomento de Negócios e de Inclusão Financeira


Por Alessandra Martins de Souza e Natasha Midori Hinata*

Os capítulos mais recentes da história dos sistemas financeiro, de crédito e bancário brasileiros estão marcados pela aceitação da inovação tecnológica e pela adoção de normas que privilegiam a abertura de mercados. De 2018 para cá, assistimos ao nascimento das fintechs de crédito, do pagamento instantâneo brasileiro – PIX, do Sandbox Regulatório, do Open Banking e do Laboratório de Inovações Financeiras e Tecnológicas (LIFT). Essa tendência está embutida nos próprios objetivos do Banco Central do Brasil (como braço executor das normas do Conselho Monetário Nacional), que são “garantir estabilidade do poder de compra da moeda, zelar pelo sistema financeiro sólido, eficiente e competitivo e fomentar o bem-estar econômico da sociedade”[1]. 

A missão de zelar por um sistema financeiro que seja competitivo e inclusivo é particularmente relevante em nosso país, que tem uma parcela significativa da população com pouco ou nenhum acesso a serviços bancários e financeiros. Um estudo de janeiro de 2021 do Instituto Locomotiva[2] concluiu que aproximadamente 21% da população brasileira não possui qualquer tipo de vínculo com empresas de serviços financeiros, sendo que 16% da população brasileira tem acesso a conta bancária ou acessa serviços bancários com pouca frequência. Isso resulta em incríveis 45 milhões de brasileiros “não-bancarizados” e 34 milhões de brasileiros “sub-bancarizados”.

Nessa esteira, em 2018 houve a edição das Resoluções 4.656 e 4.657 pelo Conselho Monetário Nacional, que criaram as fintechs de crédito. O termo fintech é derivado da junção das palavras financial technology – e é utilizado para caracterizar as startups que introduzem inovações nos mercados financeiros por meio do uso intenso de tecnologia, com potencial para criar novos modelos de negócios. Fintechs de crédito, por outro lado, são aquelas autorizadas pelo Banco Central do Brasil a atuar no mercado de crédito, a saber a sociedade de empréstimo entre pessoas (SEP) e a sociedade de crédito direto (SCD). 

A SEP é a sociedade que fornece uma infraestrutura tecnológica de intermediação de operações de crédito entre pessoas (peer-to-peer), serviço pelo qual é remunerada com tarifas. O diferencial da SEP, que dialoga diretamente com a ampliação do acesso ao microcrédito, é a limitação da exposição do credor, que é de apenas R$ 15.000,00. Além da intermediação, que é o núcleo de atuação dessa fintech, a SEP pode prestar outros serviços correlatos como análise e cobrança de crédito e até mesmo de emissão de moeda eletrônica. Importante ressaltar que a SEP é mera intermediadora e prestadora de serviços, não tendo ela mesma autorização para a concessão de crédito.

A SCD, ao contrário da SEP, é autorizada a conceder crédito por meio de sua infraestrutura tecnológica, a partir de recursos próprios. O que a diferencia das demais instituições bancárias – além de ter a infraestrutura tecnológica como algo nuclear à sua atividade – é a sua estrutura simplificada e menos burocrática, dado que ela deverá atuar com operações de crédito menos expressivas do que aquelas que envolvem bancos. Nesse sentido, é vedado à SCD a captação de recursos – que devem ser 100% próprios. Além da concessão de crédito, as SCD podem prestar serviços de análise de crédito, cobrança de crédito, distribuição de seguro relacionado com as operações por ela concedidas por meio de plataforma eletrônica e emissão de moeda eletrônica.

Com a introdução dessas ferramentas no país, o mercado financeiro brasileiro identificou uma crescente demanda de acesso a serviços financeiros, e um aumento significativo de seus usuários. Com a ocorrência da pandemia, essas ferramentas passaram a ter ainda mais importância no mercado nacional, não só pela inclusão financeira a elas associada, mas pela tecnologia envolvida, em um momento que a população se viu obrigada a se adaptar a um ambiente majoritariamente virtual. Como reflexo, há um crescente número de fintechs atuando no setor, buscando se aproveitar deste mercado, que por muitos anos se mostrou subaproveitado.

A ampliação do acesso a serviços financeiros se mostrou um mercado tão promissor, que se verificou no período uma expansão exponencial as fintechs de crédito. A ABStartups (Associação Brasileira de Startups) aponta as fintechs de crédito como um segmento em grande evidência, com muitas obtendo o título de unicórnio[3].

O grande diferencial entre as fintechs de crédito e os bancos tradicionais reside essencialmente na sua regulamentação e a consequente fiscalização pelo Banco Central. As instituições bancárias tradicionais possuem uma regulamentação mais complexa, herança de anos de desenvolvimento do setor, que – muitas vezes – acaba por limitar a capacidade dessas instituições em inovar e aumentar sua base de clientes de maneira mais inclusiva. As fintechs de crédito, por outro lado, possuem requisitos mais brandos e regulamentação menos burocrática, mais compatível com seu formato e em linha com o objetivo de fomento econômico perseguido do Banco Central. Apenas a título de exemplo, o capital mínimo para a autorização de funcionamento de um banco múltiplo com carteira comercial é de R$ 17.500.000,00, enquanto as SCD podem ser autorizadas a funcionar a partir de um capital mínimo de R$ 1.000.000,00.

A análise do Banco Central para abertura de fintechs de crédito busca confirmar a origem e a movimentação financeira dos recursos utilizados no empreendimento pelos controladores, além da compatibilidade, bem como a capacidade econômico-financeira, a natureza e o objetivo da fintech. Mas a avaliação pelo Banco Central não se limita às condições e questões relacionadas à capacidade financeira, também são avaliados os sistemas e recursos tecnológicos oferecidos pela ferramenta, em especial com relação ao seu funcionamento e segurança de seus usuários.

Dentre outros aspectos, a redução da burocracia envolvida na sua constituição e funcionamento permite que as fintechs sejam mais ágeis, e se desenvolvam de maneira mais alinhada com a complexa teia das relações jurídicas decorrente do funcionamento de uma sociedade moderna e digital. 

O Banco Central já reconhece as vantagens da autorização das ferramentas no mercado nacional, indicando, dentre seus benefícios, o aumento da eficiência e concorrência no mercado de crédito, a rapidez e celeridade nas transações, a diminuição da burocracia no acesso ao crédito, a criação de condições para redução do custo do crédito, e, em especial, a inovação.

Independentemente da discussão quanto ao motivo que permite às fintechs o fomento do setor, fica claro que estas prestam um importante papel para a atual economia brasileira, e que a inclusão financeira por elas trazida deve ser reconhecida não apenas como seu objetivo primário, mas também como um mecanismo facilitador e acelerador do crescimento econômico do país.

[1] <https://www.bcb.gov.br/> (Grifos nossos)

[2] Fonte: <https://www.i-maxpr.com/s/0429/90.pdf>, acessado em 23.03.2022

[3] São exemplos: Nubank, PagSeguro, Creditas, Ebanx e C6 Bank.