Por Bruna Bouissou, Ana Beatriz Franzero, Bianca Barbosa e Nathália Leitão
É de conhecimento comum que, na esfera privada, o planejamento dos investimentos de uma empresa é uma das estratégias de maior importância para o desenvolvimento do negócio. O que muitos não se atentam, todavia, é para o fato de que, em certa medida, a esfera pública segue – ou deveria seguir – a mesma lógica, especialmente no setor de infraestrutura.
Há alguns anos temos assistido a uma mudança no papel do Estado: diante do esgotamento de sua capacidade fiscal, ele se viu incapaz de financiar diretamente todos os projetos de infraestrutura necessários à garantia dos serviços e direitos dos cidadãos e, assim, passou a contar com investimentos – e com o know how – de parceiros privados no setor.
Acontece que o desembolso de valores por parceiros privados, especialmente nos elevados patamares que os projetos de infraestrutura exigem, depende que os investimentos e as circunstâncias envolvidas sejam também vantajosos para tais financiadores. Não estamos a falar em simplórios investimentos, mas sim em dispêndios vultosos em face da natureza dos projetos de infraestrutura, que são complexos e dotados de longa vida útil.
Por isso é que, com o giro do papel do Estado, ele adquire uma função decisiva de induzir, de forma eficiente e vantajosa, o gasto privado. Afinal, os projetos de infraestrutura são de responsabilidade primária do Poder Público e, se os parceiros privados não vislumbrarem benefícios financeiros, não há razões que justifiquem o seu investimento. Outra função preponderante assumida pelo Estado nesse novo contexto é o de selecionar e direcionar os investimentos privados com a finalidade de satisfazer os objetivos mais almejados pela sociedade e expressos no texto constitucional, buscando-se a maximização do nível de retorno aos cidadãos.
Essas duas funções – induzir o gasto privado e selecionar os projetos que devem ser priorizados para direcionamento dos investimentos ligam-se intimamente, já que o próprio planejamento estatal do setor de infraestrutura, se feito devidamente, ajuda a mitigar as incertezas que rondam a decisão privada de investir, criando, assim, um ambiente mais favorável ao aumento quantitativo e qualitativo dos investimentos privados. Desde 2012, o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) aponta para os riscos de termos no Brasil um planejamento a longo prazo deficitário e que se concentra no âmbito do órgão setorial, sem integração com demais setores ou uniformidade de premissas[1].
Diante desse contexto, o Estado deve decidir como alocar os investimentos de interesse público – que englobam tanto os citados investimentos privados quanto aqueles oriundos do próprio orçamento público – no setor de infraestrutura. Para isso, o desenvolvimento de uma metodologia de seleção, avaliação e consequente priorização de projetos aparece como saída imprescindível. Tal metodologia precisa, além de se pautar em critérios objetivos para permitir decisões mais acertadas possíveis, ser eficiente a ponto de assegurar, a um só tempo, que as ações dos parceiros privados possam produzir os melhores resultados econômicos em termos de produtividade e rentabilidade e, também, que sejam priorizados os projetos que atendam às necessidades mais significativas da população.
Uma vez compreendida a necessidade de definição de uma metodologia objetiva, padronizada e transparente para a seleção dos projetos, faz-se necessário pensar, na sequência, em quais seriam os elementos essenciais a serem contemplados por tal metodologia.
Tendo em vista as características inerentes ao setor de infraestrutura, é primordial o exame de dois importantes fatores: o ciclo de vida dos projetos, que é um dos balizadores da pipeline de projetos em cada setor, e os impactos diretos e indiretos deles decorrentes, seja a nível intrassetorial ou intersetorial.
Além da avaliação dos supracitados fatores, outro aspecto que, de igual modo, mostra-se essencial para a construção de uma metodologia eficiente de seleção é a análise de custo-benefício (“ACB”) dos projetos de infraestrutura. Também conhecida como “avaliação socioeconômica”, a análise de custo-benefício se baseia na mensuração da contribuição líquida de um projeto, feita a partir da comparação entre dois cenários hipotéticos: um considerando as projeções esperadas com a implantação do projeto durante todo o seu ciclo de vida e outro considerando a sua não implementação.
Assim sendo, busca-se avaliar, por meio da ACB, a vantajosidade dos projetos com a finalidade de subsidiar a tomada de decisão quanto ao programa de investimentos. Para isso, os custos e os benefícios esperados a longo prazo de todos os projetos em análise são quantificados e monetizados, priorizando, ao final, a escolha daquele que oferece os melhores ganhos de economicidade e sociais – esses últimos entendidos como a apropriação, pela sociedade, dos ganhos de eficiência.
Veja-se, inclusive, que a ACB tem sido considerada a melhor alternativa para a aferição dos impactos econômicos de longo prazo decorrentes dos projetos de investimento. Não à toa, vem sendo amplamente adotada por países que são referência na gestão de projetos de investimentos em infraestrutura, como o Reino Unido, Austrália, Chile e Coreia do Sul, e, também, pelo Banco Mundial e pelo Fundo Monetário Internacional (FMI)[2].
O Governo Federal, através do Ministério da Economia, tem se atentado para a imprescindibilidade de elaborar metodologia padronizada para selecionar, de forma objetiva e sob o prisma socioeconômico, projetos de infraestrutura. Tanto é assim que foi publicado, em outubro de 2021, o Guia Geral de Análise Socioeconômica de Custo-Benefício de Projetos de Investimento em Infraestrutura, voltado especialmente à avaliação de projetos federais.
Essa guia objetiva auxiliar no desenvolvimento de um sistema efetivo e eficiente de gestão e priorização de investimentos de interesse público, fazendo uso da já mencionada análise de custo-benefício. No modelo brasileiro, são elencadas as seguintes diretrizes gerais de aplicação da ACB: (i) avaliação de projetos sob a ótica da sociedade; (ii) exame do custo de oportunidade; (iii) análise da perspectiva de longo prazo; (iv) cálculo de indicadores de viabilidade econômica expressos em termos monetários; (v) abordagem microeconômica que permita aferir a variação esperada do bem-estar da sociedade; e (vi) abordagem que compare o cenário alternativo (com projeto) ao cenário base (sem projeto).
A ideia, assim, é garantir a uniformização da metodologia de escolha de projetos de infraestrutura, por meio da definição de parâmetros que permitam uma avaliação de viabilidade sólida e padronizada.
O guia, sem sombra de dúvidas, é um passo para se alcançar a tão necessária concretude e efetividade do setor de infraestrutura no país, já que estabelece parâmetros uniformes para a avaliação e seleção, sob a ótica socioeconômica, de projetos e programas. Contudo, ainda é evidente a dificuldade do Estado, diante dos novos e complexos papéis assumidos, em exercer de maneira adequada suas funções de planejamento da infraestrutura econômica. Assim, é essencial que o Poder Público retome o protagonismo no processo de organização e de incentivo aos investimentos privados nos setores estratégicos da economia brasileira, com vista a superar o déficit de infraestrutura e promover o crescimento econômico.
[1] Veja o Relatório de Pesquisa intitulado “Infraestrutura e planejamento no Brasil: coordenação estatal da regulação e dos incentivos em prol do investimento – o caso do setor elétrico”, disponível em: <http://repositorio.ipea.gov.br/bitstream/11058/7690/1/RP_Infraestrutura_2012.pdf>. Acesso em 17 de março de 2022.
[2] Dados retirados do “Guia Geral de Análise Socioeconômica de Custo-Benefício de Projetos de Investimento em Infraestrutura”, disponível em: <https://www.gov.br/economia/pt-br/centrais-de-conteudo/publicacoes/guias-e-manuais/guia_acb.pdf/view>. Acesso em 17 de março de 2022.