Em sua última sessão do ano de 2020, realizada em 18 de dezembro, o Plenário do Supremo Tribunal Federal concluiu o julgamento das Ações Declaratórias de Constitucionalidade (ADC’s) 58 e 59 e das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI’s) 5867 e 6021 e decidiu, por maioria, afastar a aplicação da Taxa Referencial (TR) como índice de correção dos débitos e depósitos recursais no âmbito da Justiça do Trabalho.
No lugar da TR, foi adotada uma atualização híbrida, através da qual se utiliza a variação do IPCA-E (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial) na fase pré judicial e a taxa SELIC (abreviação para Sistema Especial de Liquidação e Custódia) na fase judicial (sendo o marco, no âmbito trabalhista, a data do ajuizamento da ação), tal como nas condenações cíveis em geral (artigo 406 do Código Civil).
A decisão decorreu de celeuma histórica sobre correção monetária na Justiça do Trabalho, brevemente sintetizada:
- O ponto de partida foi o entendimento firmado pelo STF nas ações relativas à Emenda Constitucional 62/2009 (Emenda dos Precatórios) no sentido de que os precatórios deveriam ser atualizados com base na variação do IPCA-E, em detrimento da TR.
- Em 05.08.2015, o Tribunal Superior do Trabalho (TST) aplicou o entendimento da Suprema Corte, por arrastamento, e pronunciou a inconstitucionalidade da adoção da TR para atualização dos débitos de natureza trabalhista, determinando a utilização do IPCA-E, com modulação a partir de 25.03.2015.
- Na data de 14.12.2015, o ministro do STF, Dias Toffoli, deferiu liminar na Reclamação (RCL) 22012, suspendendo os efeitos da decisão do TST. Em dezembro de 2017, referida RCL foi julgada improcedente pelo Pretório Excelso.
- Em 11.11.2017, sobreveio a Reforma Trabalhista (Lei nº 13.467/17), que definiu a TR como índice oficial de correção dos débitos e depósitos recursais no âmbito da Justiça do Trabalho em seus artigos 879, § 7,º e 899, § 4º.
- Na contramão da lei reformista, o TST reafirmou o entendimento de outrora, fixando a atualização dos débitos trabalhistas pela TR até 24.03.2015 e, a partir do dia 25.03.2015, pelo IPCA-E.
- A Medida Provisória (MP) 905, de 11 de novembro de 2019, conferiu nova redação aos artigos 879, § 7, º e 899, § 4º da CLT e determinou que a atualização dos créditos trabalhistas fosse feita pela variação do IPCA-E, com juros de mora vinculados aos praticados na caderneta de poupança. A MP não foi convertida em lei e teve vigência limitada ao período compreendido entre 12.11.2019 e 20.04.2020.
- Em junho de 2020, o ministro do STF, Gilmar Mendes, determinou a suspensão das ações que discutissem o tema até que sobreviesse o julgamento conjunto das ADC’s 58 e 59 e das ADI’s 5867 e 6021, o que se deu em 18.12.2020.
Embora a decisão com o entendimento firmado pelo STF até o momento não tenha sido publicada, possui aplicação imediata aos processos trabalhistas em curso.
Não por outro motivo, tem sido palco de grande debate as implicações da SELIC na esfera trabalhista, cuja aplicação era até então restrita às correções de parcelas previdenciárias (INSS) e fiscais (IRRF) incidentes sobre as condenações de cunho salarial (artigo 35 da Lei nº 8.212/91, 5º, § 3º e artigo 61, § 3º, da Lei nº 9.430/96).
Isso porque, malgrado a SELIC tenha exsurgido como substituta do índice de correção monetária, ao contrário dos costumeiros indicadores de inflação (tais como IGP-M, INPC, IPCA-E etc.), ela engloba uma atualização quanto ao valor da moeda somada aos juros moratórios e remuneratórios, tanto que popularmente denominada taxa básica de juros, e não vista como mero índice de correção.
Neste aspecto, há que se ter em mente que, conquanto a correção monetária corresponda à atualização da moeda, por isso seus índices são baseados na inflação, os juros irão incidir sobre a dívida, como compensação pelo pagamento programado para o futuro ou em atraso.
Na esfera cível e tributária há um aparente consenso da máxima de que é vedada a cumulação da SELIC com quaisquer outros índices de correção monetária, conforme precedentes do Supremo Tribunal Federal – STF e Superior Tribunal de Justiça – STJ, neste, em especial, a Súmula 523.
Já no âmbito trabalhista, a lógica adotada pelo STF, direta ou indiretamente, trouxe uma máxima inversa de que a SELIC, como correção monetária, não pode ser cumulada com os famigerados “juros de um por cento ao mês, contados do ajuizamento da reclamatória e aplicados pro rata die”, previstos no art. 39, § 1º, da Lei nº 8.177/91 (dispositivo expressamente citado na peça de interposição da ADC 58).
Há forte rejeição por parte de alguns juristas quanto ao fato de a decisão do STF imiscuir-se no aspecto dos juros. Contudo, se a intenção é equiparar as “contas judiciais na Justiça do Trabalho” com o praticado no cível, a vedação ao acúmulo da taxa SELIC com os juros torna-se uma questão de equidade.
Assim, partindo-se dessa premissa, a aplicação da Taxa SELIC se mostra vantajosa aos empregadores quando o interregno considerado na apuração indicar índices inferiores a 12% ao ano mais inflação, vez que essa era a expectativa quando se tinha a aplicação da correção monetária (IPCA-e e/ou TR) somada aos juros de mora.
Oportuno observar que nos últimos vinte anos a SELIC mostrou-se muito volátil, oscilando de 15,25% ao ano em janeiro de 2001, para alcançar 26,5% ao ano em fevereiro de 2003, sofrendo consistente redução desde meados de 2016 para hoje indicar 2% ao ano.
Embora ainda não publicada, a decisão do STF já é objeto de Embargos de Declaração opostos em 19.02.2021, sendo temerário falar em uma conclusão definitiva para o caso, principalmente porque ela tem o potencial de reduzir significativamente as contingências trabalhistas nas demandas distribuídas em datas mais recentes (após 2016).