Vamos conversar sobre dispensa discriminatória. Sem limites para julgar?


Vamos conversar sobre dispensa discriminatória. Sem limites para julgar?


Por Luanna Vieira de Lima Costa

Sem adentrar no mérito do julgamento que ocorrerá no STF acerca da aplicação da Convenção 158 da OIT e a proteção à dispensa arbitrária e sem justa causa de empregados, fato é que de acordo com o ordenamento jurídico vigente, a dispensa do trabalhador sem justa causa se insere no poder diretivo do empregador, ante a ausência de regulamentação do inciso I, do artigo 7º da CR/88.

Nesse contexto, salvo as estabilidades legais previstas em firmes textos de lei (gestante, cipeiro, dirigente sindical, acidente do trabalho ou doença ocupacional e dirigentes de cooperativa) ou até mesmo acordadas em instrumentos normativos livremente negociados entre os entes privados interessados, ao empregador é garantido o direito protestativo de extinguir a relação jurídica mantida com os seus empregados.

A regra geral é o direito à dispensa do empregado, impondo a lei em certos e determinados casos uma limitação ao exercício dessa faculdade, através da concessão da estabilidade provisória no emprego nas situações enumeradas acima.

Num mundo em constante evolução, onde a busca por políticas que criem ambientes nos quais a diversidade seja respeitada e a inclusão promovida, coube ao legislador a edição da Lei nº 9.029/1995 que com bastante propriedade proibiu a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso à relação de trabalho, ou de sua manutenção, por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar, deficiência, reabilitação profissional, idade, entre outros, ressalvadas, nesse caso, as hipóteses de proteção à criança e ao adolescente previstas no inciso XXXIII do art. 7o da Constituição Federal.

Nos termos da referida lei, quando o rompimento da relação de trabalho se der por ato discriminatório, além do direito à reparação pelo dano moral sofrido, o trabalhador prejudicado pode optar por sua reintegração ao emprego, com o ressarcimento integral de todo o período de afastamento ou a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.

Entretanto, na falta de contornos legais por parte do poder competente, coube à Justiça do Trabalho mais uma vez a missão de regulamentar (“para o bem e para o mal”), segundo os princípios próprios do direito do trabalho, o instituto da “dispensa discriminatória”.

Com a inquietação legislativa que lhe é peculiar, o que não raras vezes culmina na invasão da competência de outros poderes, o Tribunal Superior do Trabalho editou o seguinte verbete sumular que atualmente é o balizador utilizado pelos Julgadores no enfrentamento das controvérsias existentes sobre o tema:

“Sum. 443. Dispensa discriminatória. Presunção. Empregado portador de doença grave. Estigma ou preconceito. Direito à Reintegração. Presume?se discriminatória a despedida de empregado portador do vírus HIV ou de outra doença grave que suscite estigma ou preconceito (g.n.)”.

Da leitura do verbete acima percebe-se com facilidade que a previsão de presunção de discriminação em face de “outra doença grave que suscite estigma ou preconceito” deu margem a diversas interpretações que trouxeram para os operadores do direito e, em especial, para aqueles que contratam, um cenário de absoluta insegurança jurídica.

Isso porque não raras vezes são proferidas decisões de cunho protetivo que vêm garantindo aos trabalhadores estabilidades e a possibilidade de manter suas relações de emprego pelo fato de serem portadores de doença grave, que em nada se relacionam com suas atividades laborais e tampouco constituíram a razão de suas dispensas.

Sem embargo da necessidade de se coibir a prática de atos discriminatórios e preconceituosos, o que pode ser validamente feito através de regular processo em que a parte ofendida faça a prova de que a perda de seu emprego se deu por motivos abjetos, fato é que a Súmula 443 tem sido usada sem conta nem peso para a prática de verdadeira jurisprudência afetiva.

Presumir, ou seja, admitir como ensejo de verdade que um trabalhador dispensado mediante o recebimento dos haveres rescisórios que lhe são garantidos por lei, o foi porque tem ou teve câncer, é portador de esquizofrenia, está em tratamento para depressão e ansiedade (atire a primeira pedra quem foi poupado pela pandemia) ou é portador do vírus HIV, garantindo-lhe a manutenção no emprego, tem implicado a criação de estabilidades que não encontram guarida no sistema legal vigente.

A largueza do verbete sumular é tamanha que a presunção de dispensa discriminatória vem sendo ideologicamente invocada pelos julgadores para anular a dispensa e garantir o emprego de trabalhador que, por acaso, à época de sua dispensa sem justa causa, possuía processo criminal em andamento ou até mesmo procedimento cirúrgico agendado (Ex. Proc. 105500-32.2008.5.04.0101 e 0000481-92.2020.5.11.0013).

Frequentemente tem sido objeto de notícia nas páginas oficiais dos mais diversos tribunais trabalhistas do país a divulgação de decisões que presumem discriminatória a dispensa de empregado pelo fato de ele ser ou ter sido acometido de enfermidade não incapacitante, tais como ser portador de aracnofobia ou nanismo (Proc. 0010425-50.2021.5.03.0064 e Ag-AIRR-20244-56.2019.5.04.0871).

Se é certo que a Lei nº 9.029/1995 veda a adoção de qualquer prática discriminatória, não menos certo que ao empregador foi garantida a prerrogativa de encerramento da relação de emprego, direito esse que não pode ser cerceado por mera presunção jurisprudencial.

Presumir-se a dispensa como discriminatória em decorrência de vicissitudes da vida, mediante a edição e adoção de verbete sumular que culmina no apenamento do empregador com ordem de reintegração seguida de declaração de garantia de emprego ou de condenação ao pagamento em dobro do período de estabilidade (esse sem limitação temporal para boa parte dos inusitados casos em julgamento), implica o alargamento do instituto da “estabilidade” pelo Judiciário Trabalhista, esbarrando no princípio da legalidade e convidando a todos ao debate sempre necessário.