Um apanhado das alterações legislativas até então propostas pelo poder público no combate à crise econômica da Covid-19


Um apanhado das alterações legislativas até então propostas pelo poder público no combate à crise econômica da Covid-19


Em meados do mês de março deste ano, o sócio fundador do Azevedo Sette Advogados, já alertava para a necessidade dos Governos Federal, Estadual e Municipal formularem políticas urgentes visando a apoiar também as sociedades empresárias, sob pena do lockdown afetar pequenas e médias empresas, além de grandes corporações, em curtíssimo prazo; o que, por consequência, resultaria em dezenas de milhões de famílias brasileiras afetadas com o desemprego e completa falta de condições básicas de sobrevivência.

Passadas duas semanas, algumas medidas foram tomadas pelo Governo Federal, que vão desde a possibilidade de adiamento no recolhimento de Impostos Federais (PIS/COFINS), contribuições previdenciárias, que implicariam na redução de até 32% (trinta e dois porcento) sobre a folha de pagamento, alterações na legislação trabalhista, até o apoio social representado pelo “auxílio emergencial” destinado aos trabalhadores informais, autônomos e desempregados que não estão no cadastro único, assim como as diversas medidas tomadas pelos Ministérios da Saúde, Planejamento e Economia.

A sociedade aguarda ainda, por parte dos Governos Estaduais e Municipais, medidas eficazes em apoio à classe empresarial e às pessoas físicas, tais como o adiamento no recolhimento de ICMS, reconhecimento de créditos tributários pertencentes às empresas, medidas imediatas relacionadas às contas de luz, água e esgoto das respectivas concessionárias, e até mesmo, flexibilização do recolhimento do IPTU.

Em relação às mudanças legislativas, importante salientar a Medida Provisória 931, que entrou em vigor no último dia 30 de março de 2020, cujo reflexo foi a alteração da Lei nº 10.406/2002 (Código Civil), da Lei nº 6.404/1976 (Lei das S.As.) e da Lei nº 5.764/1971 (Lei das Cooperativas), buscando amenizar os impactos da Pandemia do Coronavírus – COVID-19.

Dentre as principais alterações, temos a instituição do prazo de 30 dias para protocolo dos atos sujeitos a arquivamento, que será contado da data em que as Juntas Comerciais retomarem suas atividades, com o desiderato de preservar a retroatividade dos efeitos perante terceiros, desde a data de sua assinatura, a suspensão da exigência de arquivamento prévio de atos para realização de emissões de valores mobiliários, prorrogação do prazo final para realização de Assembleias dos Sócios, poder de votação e participação do sócio à distância em Assembleia e/ou Reuniões e prorrogação dos mandatos dos administradores e membros do Conselho Fiscal. Necessária a análise específica para Sociedades Anônimas, Sociedades Limitadas e Cooperativas, cada qual com suas peculiaridades legais.

No âmbito trabalhista, a Medida Provisória 936 busca a evitar a demissão em massa de trabalhadores durante a Pandemia do Coronavírus – COVID-19, por meio da redução salarial e da jornada de trabalho dos empregados.

Em linhas gerais, a medida chamada de “Programa Emergencial de Manutenção do Emprego e da Renda” prevê a preservação do valor do salário-hora do trabalhador, redução da jornada de trabalho e salário em 25, 50 e 70%, suspensão de contrato, ambos com recebimento de auxílio emergencial da União, cálculo este baseado no valor do respectivo seguro-desemprego. Inicialmente, tal medida vigorará por 90 (noventa) dias, alcançando todos os ramos empresariais, com exceção dos órgãos da administração pública, empresas públicas, sociedades de economia mista, incluindo as respectivas subsidiárias, e organismos internacionais.

As medidas de redução na jornada de trabalho e salário poderão ser realizadas por acordo individual escrito entre trabalhador e empregador, para os empregados que recebam até R$ 3.135,00 (três mil cento e trinta e cinco reais), e para aqueles que recebam acima de duas vezes o teto dos benefícios previdenciários, com diploma de ensino superior; dependendo de acordo coletivo, reduções em outras condições salariais ou percentuais de desconto.

A decisão do dia 06 de abril de 2020 do Ministro Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, em princípio, estabeleceu que tais acordos individuais somente serão válidos se os Sindicatos dos Trabalhadores forem notificados em até 10 dias, e se manifestarem sobre sua validade. Estes, por sua vez, caso não se manifestem no prazo estabelecido, estarão anuindo com o acordo individual.

Para Lewandowski, o afastamento dos sindicatos das negociações, poderia causar sensíveis prejuízos aos trabalhadores e contraria a lógica do Direito do Trabalho, que parte da premissa da desigualdade estrutural entre os dois polos da relação laboral. 

Já a regulamentação sobre o trabalho em Home Office está prevista na Medida Provisória nº 927/2020, devendo o empregador ficar atento quanto as normas de pagamento de salários, ajuste de regras sobre a prestação de serviço na residência do empregado, dentre outras questões pontuais. 

Na área pública, a Medida Provisória nº 926 trouxe normas detalhadas sobre os procedimentos de dispensa de licitação visando o enfrentamento emergencial da Pandemia do Coronavírus – COVID-19. Em suma, os contratos emergenciais poderão ter duração de até 6 (seis) meses, com previsão de prorrogação, possibilitando-se aditivos de até 50% (cinquenta por cento) do valor inicial atualizado do contrato.

Outra medida excepcional é a permissão de contratação de empresas que estejam cumprindo penalidades de suspensão ou tenham sido declaradas inidôneas, além da dispensa de alguns documentos até então considerados imprescindíveis nas contratações públicas.

A restrição ao funcionamento de estabelecimentos comerciais, industriais e escritórios não é novidade dentro da atual situação da Pandemia do Coronavírus – COVID-19. Sobre tais decisões tomadas pelos Governos, fundamental a análise jurídica criteriosa sobre quais serviços, indústrias e escritórios são essenciais, quais são acessórios aos serviços essenciais, assim como quais fazem parte da cadeia de distribuição de tais bens e serviços. 

Cite-se, a título de exemplo, a Portaria n.º 135/GM, de 28 de março de 2020, do Ministério de Estado de Minas e Energia, que considerou essencial a disponibilização dos insumos minerais necessários à cadeia produtiva, tais como, pesquisa e lavra de recursos minerais, bem como atividades correlatas; beneficiamento e processamento de bens minerais, transformação mineral comercialização e escoamento de produtos gerados na cadeia produtiva. 

Na área econômica, o Conselho Monetário Nacional e o BNDES implementaram diversas medidas que buscam favorecer as pessoas físicas, bem como pequenas, médias e grandes empresas, e injetaram mais de 55 bilhões de Reais na economia. Uma delas é o refinanciamento de 19 bilhões de operações financeiras de empresas feitas diretamente com o BNDES, e outros 11 bilhões feitos indiretamente. Nestes refinanciamentos haverá suspensão integral de juros por 6 (seis) meses, capitalização do saldo devedor e manutenção do prazo total. Outros 5 (cinco) bilhões serão destinados ao capital de giro para empresas que possuem faturamento anual até 300 (trezentos) milhões de Reais, valor máximo de até 70 (setenta) milhões de reais por operação e prazo de 5 (cinco) anos de amortização, com 24 (vinte e quatro) meses de carência.

Imperioso também, neste caso de Pandemia do Coronavírus – COVID-19, analisar as consequências jurídicas de um possível inadimplemento observando-se a possibilidade de enquadramento do caso específico às hipóteses de caso fortuito, força maior ou de onerosidade excessiva.

No âmbito fiscal, a Receita Federal do Brasil e a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional editaram Portaria Conjunta nº 555/2020 que prorrogou por 90 (noventa) dias o prazo de validade das Certidões Negativas de Débitos e das Certidões Positivas de Efeitos Negativos relativos aos débitos federais, que incluem as empresas com débitos previdenciários. As suspensões de prazos de processos administrativos fiscais, julgamentos de Recursos junto ao CARF, cobranças de débitos federais e a possibilidade de não recolhimento de impostos no período da Pandemia do Coronavírus – COVID-19 devem também ser motivo de criteriosa análise por parte da classe empresarial.

Em relação ao Poder Judiciário, o Conselho Nacional de Justiça, por meio da Resolução nº 313, suspendeu os prazos processuais em todas as Jurisdições do país até 30 de abril de 2020, com exceção dos trabalhos no Supremo Tribunal Federal e Justiça Eleitoral, assegurando-se em todas as Instâncias e Tribunais a manutenção dos serviços essenciais a serem definidos por cada um deles.

Visando evitar o colapso econômico e a judicialização do Coronavírus – COVID-19, a ENFAM – Escola Nacional de Formação e Aperfeiçoamento dos Magistrados, em parceria com o Centro Nacional de Inteligência da Justiça Federal, desenvolveu o “Centro de Apoio à Magistratura Brasileira – COVID-19”, plataforma digital que começou a operar no último dia 06 de abril de 2020, cujo objetivo é proporcionar aos Magistrados informações em uma perspectiva sistêmica, interdisciplinar e estrutural, garantindo a segurança jurídica neste período de quarentena e a conciliação dos interesses e direitos a serem resguardados pelo Poder Judiciário Brasileiro em face da possibilidade dos Poderes Executivos Federal, Estaduais e Municipais em cumprir as determinações judiciais.

Por fim, o Projeto de Lei 1.179/2020, aprovado na última sexta-feira (3) pelo Senado Federal, altera as relações jurídicas privadas durante a Pandemia e cria o Regime Jurídico Emergencial e Transitório e altera diversos pontos das relações jurídicas de Direito Privado. O Projeto traz disposições transitórias para diversas normas, sendo afetados: o Código Civil (Lei 10.406/2002), o Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/1990), a Lei de Locações (Lei 8.425/1991), o Estatuto da Terra (Lei 4.504/1964), a Lei de Direito Concorrencial (Lei 12.529/2011), o Código Brasileiro de Trânsito (Lei 9.503/1997), a Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018) e a Política Nacional de Mobilidade Urbana (Lei 12.587/2012).

Com a aprovação no Senado Federal, o Projeto de Lei segue para aprovação na Câmara dos Deputados, com previsão de votação ainda nesta semana e poderá trazer importantes e significativas regras transitórias para as relações privadas, visando, essencialmente, unificar as decisões dos Tribunais, trazendo mais segurança e previsibilidade aos jurisdicionados. 

Entre outras matérias, o referido projeto de lei trata de relações contratuais importantes, como as locatícias, dispõe sobre a incidência da prescrição e decadência, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor e o prazo de reflexão, a situação do devedor de alimentos. 

Finalmente, o Governo Federal, por meio do Ministério da Economia, lançou em seu site plataforma que consolida as diversas medidas por ele adotadas para enfrentamento da crise. (https://www.gov.br/economia/pt-br/acesso-a-informacao/perguntas-frequentes/covid-19)

Como se vê, com certa crítica ou visões diferentes sobre os temas propostos pelos nossos governantes, é certo que vivemos um período de dúvidas, nervosismo e preocupação, cuja única certeza é que tempo difíceis virão. No entanto, toda a alteração legislativa trará, além de socorro e alento, oportunidades que poderão ser adotadas e que demandam criteriosa análise. 

O escritório continuará a acompanhar os desdobramentos das medidas relacionadas à pandemia e continuamos à disposição para qualquer esclarecimento adicional que se faça necessário.