Tributação das operações com criptoativos | Panorama geral no Brasil e no mundo


Tributação das operações com criptoativos | Panorama geral no Brasil e no mundo


Por Leandra Guimarães, Livia Carolina Silveira Costa e Carolina Sotto Mayor Barreto

Criptoativos, criptomoedas, Bitcoin, Ethereum, NFT, Token, blockchain – termos que antes eram usados quase que exclusivamente por entusiastas da era digital agora se encontram cada vez mais presentes no dia a dia de investidores, instituições financeiras, Governos e da sociedade como um todo. 

Com o avanço das tecnologias e com a conexão cada vez mais próxima de pessoas de diversas partes do mundo por plataformas virtuais, não é de se espantar que a maneira como concebemos o dinheiro também evoluísse. Nessa toada, os criptoativos prosperaram rapidamente nos últimos anos, com cotações de moedas virtuais atingindo valores astronômicos.

As operações com criptomoedas atingiram um patamar de extrema relevância no Brasil e no mundo sendo que, a título de exemplo, o volume de Bitcoin negociado no país sofreu um aumento em 2021 em relação ao ano anterior, alcançando a marca de R$ 64,3 bilhões segundo dados da Receita Federal do Brasil[1].

Os criptoativos tem sido utilizados como meio digital de troca, um meio de pagamento não oficial, de âmbito global ou comunitário, em transações de diversas naturezas tais como pagamento de bens, serviços e liberalidades, captação de recursos e investimentos.  Nesse contexto, é inegável que as transações com tais ativos implicam em atos potencialmente geradores de riquezas e patrimônio e, consequentemente, tributáveis.

Mesmo diante do crescente interesse em criptoativos, por se tratar de um ambiente novo e que envolve questões jamais antes enfrentadas pelos Governos, o tema segue ainda amplamente desregulamentado e, apesar das grandes preocupações especialmente quanto ao combate a transações ilícitas, lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, há quem entenda tratar-se de postura proposital, do tipo wait-and-see. Alguns países já ensaiam os primeiros passos para criar legislações embrionárias, mas muito ainda há que ser feito até que se proporcione um ambiente seguro e transparente para as transações envolvendo esses ativos.

Nesse contexto desafiador, algumas – dentre as inúmeras – questões enfrentadas pelas empresas que operam no universo blockchain dizem respeito à contabilização e tributação dos criptoativos.  Especialistas em todo o mundo têm buscado enquadrar os criptoativos nas regras contábeis vigentes, como é o caso do IASB[2], das empresas de auditoria e de outras instituições. 

O Comitê de Interpretações do IFRS, que vem acompanhando a evolução das transações envolvendo criptoativos, publicou, em junho de 2019, uma Decisão de Agenda Tentativa e Preliminar[3], por meio da qual apresentou seu entendimento quanto ao enquadramento das criptomoedas frente aos diferentes pronunciamentos atualmente em vigor, sem cogitar, inicialmente, a edição de norma específica.

Contrário ao pensamento intuitivo de que se classificariam como disponibilidades em caixa por se tratarem de moedas digitais, o Comitê entendeu que, embora possam ser usadas como meio de troca de alguns bens e serviços, elas não são usadas de tal forma que possam ser um tipo de indexador, uma base para mensuração e reconhecimento de todas as transações nas demonstrações financeiras e, portanto, não podem ser tratadas como disponibilidades, diga-se moedas, em caixa. 

Ademais, por não serem também um instrumento patrimonial de outra entidade, um direito contratual de receber caixa ou outro ativo financeiro ou, ainda, um contrato que possa vir a ser liquidado por instrumentos patrimoniais da própria entidade, restou concluído que as criptomoedas não se enquadram no conceito de ativos financeiros apresentado no IAS 32 – Instrumentos Financeiros: Apresentação (equivalente ao CPC 39).

Em suma, no entendimento do Comitê, os pronunciamentos eventualmente aplicáveis seriam o IAS 2 – Estoques (equivalente ao CPC 16), quando as criptomoedas forem mantidas para venda no curso normal dos negócios, ou o IAS 38 – Ativos Intangíveis (equivalente ao CPC 04), conferindo às criptomoedas o tratamento de uma espécie de bem de capital, os quais são utilizados na operacionalização das atividades da entidade que os detêm.

Obviamente, a definição de um modelo de contabilização de atos e fatos potencialmente tributáveis poderá impactar diretamente na tributação das operações envolvendo criptoativos, exceto se foram neutralizados pelo legislador tributário. Embora o tema não tenha ainda sido enfrentado por muitas jurisdições, o IRS (órgão equivalente à Receita Federal dos EUA) emitiu uma orientação na forma de respostas a perguntas frequentes por meio da qual apresentou um indicativo da forma eleita para tributação dessas operações no país.

Segundo o documento, emitido em 2014, as moedas virtuais devem ser tratadas como um tipo de propriedade, e não como moedas capazes de gerar ganhos e perdas de variação cambial. O IRS estabelece, ainda, que o contribuinte deverá apurar o ganho ou perda na troca da moeda virtual por outra propriedade e que a natureza deste ganho – receita operacional ou ganho de capital – ou perda irá depender se a criptomoeda é tratada como estoque ou bem de capital.

No Brasil, por outro lado, até a presente data a Receita Federal (RFB) se manifestou poucas vezes sobre o tema, não tendo consolidado parâmetros para a tributação dos criptoativos detidos por contribuintes pessoas físicas ou jurídicas nas diversas possibilidades de transações envolvendo esses ativos.

A primeira manifestação constou do “Perguntas e Respostas” do Imposto de renda das pessoas físicas IRPF 2017e foi no sentido de que os criptoativos não são considerados ativos mobiliários nem moeda de curso legal nos termos do marco regulatório atual. Entretanto, podem ser equiparados a ativos financeiros sujeitos a ganho de capital e devem ser declarados pelo valor de aquisição na ficha de Bens e Direitos.

Em 2019, por meio da Instrução Normativa (IN) nº 1888, a RFB previu a obrigatoriedade de prestação de informações por exchanges[4] de criptoativos e pessoas físicas que realizem operações em exchanges estrangeiras ou, ainda, que transacionem fora dessas instituições. 

Mais recentemente, em dezembro de 2021, a RFB publicou a Solução de Consulta Cosit nº 214, na qual se manifestou sobre a incidência do imposto de renda sobre o ganho de capital apurado por pessoas físicas na alienação de criptomoedas, especificamente no caso de contribuinte que pretendia efetuar operação de permuta de criptoativos utilizando-se das criptomoedas que possuía para diretamente adquirir outras, sem a necessidade de prévia conversão em moeda fiduciária, como dólares ou reais. 

No exame do caso concreto, entendeu-se que a permuta de criptomoedas configura alienação em sentido amplo de bem ou direito, conforme disposto no art. 3º, §3º, da Lei nº 7.713/1988. Assim, com base na legislação vigente, as alienações, a qualquer título, estão sujeitas à incidência do imposto de renda sobre os ganhos de capital apurados, de modo que a operação pretendida pelo contribuinte estaria, sim, abrangida pela incidência do imposto, se ultrapassado o limite de isenção de R$ 35.000,00 para o conjunto de criptomoedas por ele negociadas. 

A nosso ver, o entendimento apresentado pela RFB na Solução de Consulta em comento, embora destinado a contribuinte pessoa física, demonstra a tendência de tratamento das criptomoedas como bem de capital. Todavia, isso não exclui a possibilidade de que, em relação aos contribuintes pessoas jurídicas que mantenham as criptomoedas para venda no curso normal do negócio, venha a ser conferido o tratamento como estoque, tal como vem ocorrendo nos Estados Unidos. 

Em face das esparsas manifestações, ainda existem várias outras transações envolvendo criptomoedas, inclusive como meio de pagamento de rendimentos, premiações e outras fontes de renda ou patrimônio, que não foram objeto de análise e regulamentação pelas autoridades competentes. A ausência de regulamentação no ordenamento jurídico brasileiro quanto à natureza e tributação dos criptoativos, para observância tanto pelo Fisco quanto pelos contribuintes, dá margem a grande insegurança jurídica em torno desse novo marcado pungente e promissor.

Fato é que a definição de sua natureza jurídica, a regulamentação de sua circulação buscando evitar a utilização para fins ilícitos e a determinação das diretrizes para tributação dos lucros e acréscimos patrimoniais decorrente de operações com criptoativos, seja em linha com o patamar geral de tributação ou até mesmo em patamares incentivados, certamente seria uma sinalização positiva para todo tipo de stakeholder interessado nesse novo mercado. O país que primeiro superar esses desafios tomará a dianteira na atração de capitais interessados em investimentos lícitos e transparentes neste novo universo digital e financeiro.

No Brasil, existem alguns projetos em análise, mas vale destacar a aprovação pela Comissão de Assuntos Econômicos do Senado, do Projeto de Lei (PL) nº 3.825/2019, no último dia 22 de fevereiro de 2022, um importante passo para a regulamentação dos criptoativos no Brasil, numa longa estrada a ser percorrida. O PL em questão traz maiores impactos para as exchanges, chamadas no texto de “prestadores de serviços virtuais”, equiparando-as, inclusive para fins penais, a instituições financeiras nas operações com criptoativos e exigindo a expressa autorização do Poder Executivo para seu funcionamento no país. Além disso, retira da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) a responsabilidade pela supervisão do mercado de criptoativos, passando essa responsabilidade para órgão ou entidade competente a ser determinada também pelo Poder Executivo. Os aspectos tributários ficaram à margem do referido projeto.

Também recentemente, em dezembro de 2021, houve a aprovação na Câmara dos Deputados do PL nº 2.303/2015, que agora tramita no Senado como PL nº 4.401/2021. Devido à similitude das matérias, foi requerido o apensamento deste ao supramencionado PL nº 3.825/2019, requerimento que segue pendente de análise.

Para conversão em lei, o PL 3.825/2019 ainda precisa ser votado no plenário do Senado e da Câmara, com posterior encaminhamento para sanção presidencial, caso não haja novas propostas de emenda. Se aprovada, a lei começará a produzir efeitos 180 dias após sua publicação.

Como se vê, os criptoativos ainda serão objeto de grandes discussões no cenário jurídico nacional e mundial, tanto no que diz respeito à sua regulamentação quanto à tributação nas operações com eles realizadas, motivo pelo qual o tema pede atenção e constante acompanhamento das manifestações da RFB e agências regulatórias bem como da evolução das iniciativas legislativas.


[1] Conforme notícia publicada no portal Infomoney (Acesso em 08/03/2022) https://www.infomoney.com.br/mercados/volume-de-bitcoin-negociado-no-brasil-dispara-73-em-um-ano-para-r-643-bilhoes/

[2] International Accounting Standards Board – órgao responsável pela publicação dos IRFS (International Financial Reporting Standards) aos quais se submetem o Brasil.

[3] https://www.ifrs.org/projects/completed-projects/2019/holdings-of-cryptocurrencies/tad-holdings-of-cryptocurrencies/

[4] A IN define Exchange como “a pessoa jurídica, ainda que não financeira, que oferece serviços referentes a operações realizadas com criptoativos, inclusive intermediação, negociação ou custódia, e que pode aceitar quaisquer meios de pagamento, inclusive outros criptoativos”.