Tokenização de Ativos Imobiliários


Tokenização de Ativos Imobiliários


Por Alessandra Lima Ganz e Lorena de Medeiros

Introdução

Grandes revoluções tecnológicas vêm acontecendo mesmo em setores mais tradicionais do mercado, o que também atinge o mercado imobiliário. 

Neste artigo, analisaremos os conceitos, possibilidades e, mais especificamente, a possível inevitabilidade da tokenização de ativos imobiliários, atividade que se tornará cada vez mais relevante nos próximos anos. 

A tecnologia Blockchain [ou a metodologia de armazenamento de informação] 

Antes de ingressar e tratar do fenômeno da tokenização imobiliária, é necessário tratar de conceitos tecnológicos básicos, importantes para a melhor compreensão do assunto. O primeiro deles é a tecnologia Blockchain, nova ferramenta que revolucionará nossos hábitos de negociação. 

A palavra “Blockchain” significa, em tradução literal, “cadeia de blocos” e possui uma função objetiva: permitir a troca de informações entre usuários de maneira rápida, sem terceiros, assim como assegurar a inviolabilidade dos dados que são essenciais ao negócio. Contém criptografia que evita a modificação dos detalhes da transação, utilizando a lógica de blocos de dados que conversam um com o outro, formando uma cadeia de informações seguras, como se fosse “um livro-razão imutável e compartilhado que facilita o processo de registro de transações e de controle de ativos em uma rede de negócios”1

A tecnologia Blockchain usa a função hash – um tipo de algoritmo matemático de transformação de dados, ou seja, um dígito verificador – em cada bloco de informações processado e em todos os blocos já processados ou que ainda o serão, de modo que o bloco anterior se baseia no hash do bloco anterior e assim sucessivamente, fazendo com que a “cadeia de blocos” ou a “cadeia de DNA”, seja diretamente interligada. Com isso, qualquer informação que for modificada será detectada por não ser compatível com todos os blocos de dados, o que garante a confiabilidade da tecnologia Blockchain

Na prática, não é necessário que um ente central (privado ou público) ateste a veracidade dos dados – em teoria, uma rede descentralizada poderia substituir a gestão de um registro de imóveis. 

Transformando bens imóveis em tokens 

A tecnologia Blockchain permite que bens de variados tipos possam ser rastreados e negociados em uma rede de blocos, reduzindo riscos e também os custos para todos os envolvidos. Porém, para que essa nova ferramenta venha a ser utilizada, o objeto a ser transacionado deve ser traduzido em uma espécie de chave, uma representação digital de seu valor econômico: o token.  

Os tokens também são conhecidos por serem criptoativos, ou seja, pertencentes a uma classe de ativos digitais, protegidos por criptografia – como, por exemplo, a tecnologia Blockchain – possibilitando uma transação mais segura. Eles possuem o objetivo de representar bens físicos no meio digital, a fim de possibilitar sua comercialização através de Smart Contracts – contratos ou protocolos de computador autoexecutáveis por meio de algoritmos criados especialmente para este fim, autenticados com assinatura digital qualificada, com a identificação das partes e em redes descentralizadas. 

Da mesma maneira que os bens físicos, os tokens são classificados em fungíveis e infungíveis para definir sua natureza e forma de negociação, nos mostrando a sua capacidade de se fundir, dividir ou ser trocado sem alteração do valor original. Existem, atualmente, quatro espécies principais de tokens

São as criptomoedas 
São as criptomoedas 
Utility tokens 
Utilizados para acessar serviços ou plataformas 
Asset tokens 
Representações de bens físicos ou digitais, como os bens imóveis 
Security tokens 
Representações de ativos financeiros, como quotas ou ações societárias, tendo valor mobiliário 

Desta forma, o procedimento de tokenização partirá para a “digitalização da propriedade” do imóvel, sendo criada uma assinatura digital para o objeto, a partir da necessária assinatura certificada do proprietário, podendo, assim, ser digitalizada em uma rede de tecnologia Blockchain com vinculação ao seu proprietário. A partir do momento em que o token imobiliário esteja protegido por um sistema de criptografia, poderá ser comercializado de forma segura e rápida, pois não precisará de terceiros, garantindo sua segurança contra fraudes, porquanto as tecnologias anteriormente adotadas se prestaram a esse papel. 

A tokenização e as perspectivas no mercado imobiliário brasileiro 

Transações imobiliárias são naturalmente delicadas e demandam atenção especial. No Brasil, existe um sistema registral consolidado e baseado no binômio escritura e registro na matrícula do imóvel, documento esse que contém todas as informações sobre os proprietários e sobre o próprio bem. Naturalmente, os registros das transações são feitos em ordem cronológica e ordenada, não podendo, os dados, serem apagados ou modificados, conceito muito parecido com o da própria tecnologia Blockchain. Porém, o Brasil ainda carece da falta de padronização dos Cartórios de Registros de Imóveis, o que abre espaço para aplicação da tokenização de ativos imobiliários. 

O Blockchain, se utilizado por todas as partes que realizem registros imobiliários, tornaria este processo muito mais seguro e verificável, assim como os custos poderiam ser drasticamente diminuídos diante da representação dos imóveis por tokens digitais, com assinaturas certificadas de seus proprietários. 

No Brasil, como mencionado por Keirns (2017), as cidades de Pelotas e Morro Redondo, no Rio Grande do Sul, estão sediando os testes de registros imobiliários utilizando a tecnologia Blockchain2. O fundador da Ubitquity – empresa pioneira em oferecer este tipo de serviço – informa que o primeiro registro imobiliário usando a plataforma foi realizado em Pelotas, em 30 de março de 2017. 

Atualmente, não existem discussões profundas sobre a regulamentação legislativa da tokenização no Brasil, mas começam a surgir proprietários cada vez mais interessados em utilizar essa tecnologia em seus negócios e garantir investimentos imobiliários mais rápidos e seguros. 

Afora os benefícios de padronização, celeridade e redução de custos, a tokenização dos ativos imobiliários trará, fatalmente, problemas a serem enfrentados, uma vez que haverá dificuldades de se exigir a adequação de todos ao novo cenário e a obrigação certificação digital; mas também trará novas possiblidades de negócios. 

Conclusão 

Os conceitos apresentados podem parecer muito distantes da realidade atual, principalmente face à legislação imobiliária brasileira. Porém, a tecnologia está avançando a passos largos e não há dúvidas de que a tokenização de ativos imobiliários ganhará cada vez mais evidência e será cada vez mais discutida e materializada, reestruturando o mercado imobiliário no Brasil e em outros países. 

É fato que, ao analisar essas hipóteses de tokenização imobiliária, falta regulação exaustiva e geral dessas operações, seja jurídica ou mesmo do ponto de vista notarial e registral. Haverá um longo caminho a ser percorrido para que haja, além da segurança financeira – garantida pela tecnologia Blockchain –, segurança jurídica e instrumentos eficientes para a utilização e avanço dessa tecnologia no mercado imobiliário. Importante frisar que existem oportunidades de ganhos, investimentos e visibilidade. 

Referências: 

BRASILEIRO, Catarino. Registro de imóveis em blockchain entra em fase de testes em dois municípios brasileiros. 2017. Disponível em: < https://cantarinobrasileiro.com.br/blog/registro-de-imoveis-em-blockchain-entra-em-fase-de-testes-em-dois-municipios-brasileiros/>. Acesso 27 fev. 2023 

GUPTA, Manav. Blockchain for Dummies. New Jersey: IBM Limited Edition, 2017. 

IBM. O que é a tecnologia blockchain?. 2023. Disponível em: https://www.ibm.com/br-pt/topics/what-is-blockchain#:~:text=Defini%C3%A7%C3%A3o%3A%20blockchain%20%C3%A9%20um%20livro,%2C%20direitos%20autorais%2C%20branding) . Acesso 27 fev. 2023 

KEIRNS, Garrett. Blockchain Land Registry Tech Gets Test in Brazil. 2017. Disponível em: https://www.coindesk.com/blockchain-land-registry-tech-gets-test-brazil/. Acesso 26 fev. 2023.

RASKIN, M. The Law and Legality of Smart Contracts. 2017. Disponível em: https://www.georgetownlawtechreview.org/the-law-and-legality-of-smart-contracts/GLTR-04-2017/. Acesso 26 fev. 2023 

SOUZA, Bernardo de Azevedo (org.). Metaverso e Direito: Desafios e Oportunidades. São Paulo: Thomson Reuters Brasil, 2022. 

SZBO, N. The Idea of Smart Contracts. 1997. Disponível em: https://www.georgetownlawtechreview.org/the-law-and-legality-of-smart-contracts/GLTR-04-2017/. Acesso 26 fev. 2023 

UBITQUITY. Ubitquity Website. 2018. Disponível em: . Acesso 26 fev. 2023