Teoria do Desvio Produtivo: O Dano e o Tempo Perdido


Teoria do Desvio Produtivo: O Dano e o Tempo Perdido


Por Stefania Masetti e Fernanda Rodrigues

Quem nunca perdeu preciosos minutos – ou até mesmo horas – em contato com o serviço de atendimento ao cliente – o famoso SAC – de empresas dos mais diversos ramos, na tentativa de solucionar problemas causados pela má prestação de serviços, cobranças indevidas ou solicitações referentes ao cancelamento de contratos?

Ainda, quem também não sofreu ou conhece alguém que já passou por alguma situação de atraso na prestação de serviços agendados ou longo tempo de espera para atendimento ao telefone, justamente para solucionar alguma questão problemática desta natureza? 

As situações elencadas acima têm se tornado cada vez mais corriqueiras no cotidiano dos consumidores, cujos direitos, porém, devem ser preservados e são protegidos legalmente. O tempo, a cada dia, tem se tornado um dos bens mais preciosos/valiosos de uma pessoa, na medida em que, tanto o tempo dedicado ao trabalho e ao estudo, como forma de evolução pessoal, quanto aquele usufruído na companhia de amigos e familiares, são situações únicas que merecem ser aproveitadas ao máximo.

Não à toa as máximas “Tempo é dinheiro” e “Tempo é lazer” tornam-se cada vez mais comuns em rodas de bate-papo entre amigos, sendo a conclusão sempre no sentido de que o tempo não volta e, uma vez perdido, não se recupera, se compensa.

Justamente por isso é que o Superior Tribunal de Justiça (“STJ”), na ânsia de tutelar os direitos dos consumidores que perdem tempo útil/produtivo de seu dia-a-dia na tentativa de solucionar referidas questões, encampou a teoria do desvio produtivo, firmando entendimento no sentido de que o tempo considerado desperdiçado/perdido pelo consumidor na solução de problemas gerados por empresas fornecedoras de serviço/produtos deve ser tido como dano indenizável, desde que haja comprovação do tempo dispendido. 

Numa de suas primeiras aparições (ainda em 2018), a teoria foi tema do julgamento do Recurso Especial n.º 1.634.851/RJ, oportunidade em que a 3ª Turma do C. STJ, por meio de decisão de lavra da Ministra Nancy Andrighi, entendeu que “a frustração do consumidor de adquirir o bem com vício, não é razoável que se acrescente o desgaste para tentar resolver o problema ao qual ele não deu causa, o que, por certo, pode ser evitado – ou, ao menos, atenuado – se o próprio comerciante participar ativamente do processo de reparo, intermediando a relação entre consumidor e fabricante, inclusive porque, juntamente com este, tem o dever legal de garantir a adequação do produto oferecido ao consumo”. 

Foram diversos os julgados que seguiram o entendimento acima, aplicando a Teoria do Desvio Produtivo, como forma de ressarcir as frustações vividas pelos consumidores em virtude de ações/omissões das empresas fornecedoras de produtos e serviços, donde remanesce, porém, a discussão quanto ao que efetivamente pode ser caracterizado como uma prática abusiva por parte destas empresas.

E nesse sentido é que o dano deve ser comprovado. A alegação da perda de tempo não pode servir como subterfúgio para que mais uma modalidade de indenização seja arbitrada em desfavor das empresas.

Isso para dizer que, assim como ocorre com os pleitos de indenização por dano moral, mero aborrecimento do dia a dia não pode ser fundamento para a aplicação da teoria do desvio produtivo, sob pena de se caracterizar abuso de direito e inovação para contribuir com a já saturada indústria do dano moral.

Desse modo, devem se ter claras as situações em que o desvio produtivo, e o consequente dano dele oriundo, podem ser comprovadamente caracterizados.  

Em recente decisão prolatada pelo E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, por ocasião do julgamento do Recurso de Apelação nº 1015214-54.2019.8.26.0032, entendeu-se pelo arbitramento de indenização por dano moral em favor do consumidor, ao fundamento de que  “a teoria do desvio produtivo está caracterizada quando o consumidor precisa desperdiçar seu tempo e desviar suas competências, que seriam utilizadas em atividades necessárias ou preferidas, para resolver problema criado pelo fornecedor que sequer deveria existir.”

Foi fixado entendimento no sentido de que houve comprovação do dano decorrente do desvio produtivo, na medida em que o consumidor demonstrou as diversas tentativas de resolução extrajudicial do problema, mediante apresentação de todos os protocolos de atendimento gerados pela empresa Ré (provedora de serviço), bem como boletim de ocorrência lavrado junto à autoridade policial para demonstrar suas tentativas de solução do problema também de forma presencial. 

Além disso, e ainda na seara desta teoria, é importante deixar claro o viés coletivo que também pode ser por ela configurado, na medida em que o dano moral coletivo é espécie autônoma de dano que atinge a sociedade como um todo, extrapolando os tradicionais atributos da pessoa humana.

O que se quer dizer é que a relação entre fornecedores e consumidores, ainda que privadas, apresenta, implicitamente, um caráter coletivo, dado que diz respeito à máxima otimização do tempo produtivo na sociedade, donde extraída a função social da atividade de todos.

Nesse sentido, o C. STJ igualmente fixou entendimento de que “A proteção à perda do tempo útil do consumidor deve ser, portanto, realizada sob a vertente coletiva, a qual, por possuir finalidades precípuas de sanção, inibição e reparação indireta, permite seja aplicada a teoria do desvio produtivo do consumidor e a responsabilidade civil pela perda do tempo”. 

Inclusive, bastante recentemente, quando do julgamento do Recurso Especial n.º 1.737.412-SE, a Ministra Nancy Andrighi entendeu que “no caso, a violação aos deveres de qualidade do atendimento presencial, exigindo do consumidor tempo muito superior aos limites fixados pela legislação municipal pertinente, infringe valores essenciais da sociedade e possui os atributos da gravidade e intolerabilidade, não configurando mera infringência à lei ou ao contrato”.

Isso para dizer que o entendimento do C. STJ se configura no sentido de que a teoria do desvio produtivo deve ser aplicada tanto em relações privadas, como em relações coletivas, sempre com base na efetiva comprovação de dispêndio de tempo útil. 

Evidente, assim, que o tempo útil do consumidor vem ganhando força e maior tutela por parte do Judiciário Brasileiro, podendo, a depender da circunstância concreta e desde que comprovado o prejuízo, ensejar o dever de indenizar o consumidor pelos valiosos momentos perdidos na tentativa de solucionar problemas causados por maus prestadores e fornecedores de serviço, sendo certo que são diversos os mecanismos que tem surgido para auxiliar o consumidor nestas questões, o que aumenta a necessidade de as empresas estarem, cada vez mais adequadas à legislação consumerista e procedimentos daí decorrentes, evitando-se, sempre que possível, danos desta espécie e condenações desnecessárias.