STF e a inconstitucionalidade da exigência do ITBI antes da transmissão no Registro de Imóveis


STF e a inconstitucionalidade da exigência do ITBI antes da transmissão no Registro de Imóveis


Por Caroline Martinez de Moura

Há um ano, especificamente no dia 19.02.2021, foi publicada decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que considerou ilegal a cobrança do ITBI - Imposto sobre a Transmissão Inter Vivos de Bens Imóveis – com base apenas no registro do compromisso de compra e venda do imóvel, instrumento que, como o próprio nome aponta, é um compromisso, ou seja, uma “intenção de fazer” vinculada a eventos futuros e incertos.  

A decisão foi proferida com a chamada “repercussão geral” (recebendo o rótulo de “Tema 1124”), o que significa que vincula todos os demais julgadores, de 1ª ou 2ª instância, a seguirem aquele entendimento.  

Por maioria de votos, fixou-se a seguinte tese: “o fato gerador do imposto sobre transmissão inter vivos de bens imóveis (ITBI) somente ocorre com a transferência efetiva da propriedade imobiliária, que se dá mediante o competente registro”. (grifos nossos)

O destaque para a palavra “efetiva” é relevante para apontar o momento em que o STF considera ocorrida, de fato, a transmissão da propriedade e o fato gerador desse imposto. A “efetiva” transferência ocorre no registro do contrato de compra e venda, e não no registro da promessa de compra e venda de bens imóveis e/ou da cessão de direitos dela decorrentes. Afinal, tanto a promessa quanto a cessão de direitos não transmitem a propriedade em definitivo!

Apesar desse claríssimo entendimento, é provável que alguns Municípios continuem exigindo o recolhimento do ITBI no ato do registro da escritura de promessa de compra e venda de bens imóveis e/ou da respectiva cessão de direitos, inclusive porque os órgãos administrativos municipais e os cartórios de imóveis (que, na prática, funcionam como “agentes arrecadadores” desse tributo) não são diretamente obrigados a seguir a decisão do STF. A vinculação referida acima atinge apenas os integrantes do Poder Judiciário.  

Nesse sentido, os Municípios continuam exercitando a competência atribuída pelo artigo 156, inciso II, da Constituição Federal, para instituir (e cobrar) impostos sobre transmissão “inter vivos”, a qualquer título, por ato oneroso, de bens imóveis, por natureza ou acessão física, e de direitos reais sobre imóveis, exceto os de garantia, bem como cessão de direitos a sua aquisição. 

Considerando que a questão da “promessa de compra e venda” e da “cessão de direitos decorrentes da promessa de compra e venda” não ficou totalmente clara no texto constitucional, bem como a regra legal[1] que impõe a solidariedade aos tabeliães, escrivães e demais serventuários, pelos impostos incidentes sobre os atos que praticam, na prática é muito provável que os oficiais de registros de imóveis se recusem a registrar sem o prévio recolhimento do ITBI. 

É uma pena que seja assim: a decisão do STF é ignorada pelos “não diretamente obrigados por lei” e, para que produza efeitos mais amplos, o interessado precisa buscar, ele próprio, uma decisão judicial específica para o seu contrato. 

Trata-se de um exemplo clássico de “brecha no sistema” judicial brasileiro, acarretando ações judiciais que seriam desnecessárias, congestionando o (já congestionado!) Poder Judiciário e aumentando os custos para um ato tão simples da vida civil. 

Inobstante todas as críticas que se possa fazer ao Supremo Tribunal Federal – tarefa que perdeu a exclusividade dos operadores do Direito, sendo hoje exercida por toda a sociedade – o fato é que suas decisões, para além da concordância ou discordância, precisam ser respeitadas!

[1]  Código Tributário Nacional, artigo 134, inciso VI.