Regulamentação de Caução Ambiental para Barragens no Estado de Minas Gerais


Regulamentação de Caução Ambiental para Barragens no Estado de Minas Gerais


Por Thabata Luanda, Gabriela Nasser e Clara Araujo

A Lei Estadual n. 23.291/2019, que institui a Política Estadual de Segurança de Barragens ("PESB”) de Minas Gerais, previu na alínea “b” do inciso I e na alínea “b” do inciso III, ambos do art. 7º, que compõem as fases de obtenção de licenças prévia e de operação para empreendimentos de barragens no Estado de Minas Gerais, a obrigação de o empreendedor apresentar proposta de caução ambiental, a ser estabelecida em regulamento próprio, com o propósito de garantir a recuperação socioambiental para casos de sinistro e para desativação da barragem.

Nesse contexto, foi editado o Decreto Estadual n. 48.747, de 29.12.2023, que regulamenta a caução ambiental. O Decreto foi publicado no Diário do Estado de Minas Gerais (“DOEMG”) em 30.12.2023 e entrou vigor na mesma data.

Considerando a relevância do tema, no presente artigo serão tratados pontos considerados de relevante impacto para a atividade das estruturas de contenção de rejeito, referentes a: (i) parâmetros e diretrizes para o cálculo do valor da caução; (ii) modalidades e a forma de implementação da caução; (iii) possibilidade de reprovação da proposta; (iv) obrigações do empreendedor; (v) execução da caução pelo Estado; e (vi) levantamento da caução pelo empreendedor.

Inicialmente, apontamos os parâmetros e diretrizes estabelecidos pelo art. 2º do Decreto em comento, utilizados para o cálculo da caução ambiental. São eles: (i) área do reservatório da barragem, contemplando a área ocupada pelo rejeito ou resíduo e água, em metros quadrados; (ii) classificação e finalidade da barragem, nos termos do Decreto estadual n. 48.140/2021 (que regulamenta a “PESB”); e (iii) custo estimado dos projetos de descaracterização de barragens por área.

Como diretrizes, foi estabelecido que: (i) a área a ser considerada será aquela ocupada pela projeção superior do material armazenado, sólido e líquido, considerando o enchimento do reservatório até a soleira do extravasor operacional da barragem e (ii) as estruturas galgáveis, sem sistema extravasor, deverão considerar o enchimento do reservatório até a cota da crista da barragem.

A fórmula utilizada para o cálculo da caução ambiental, indicada abaixo, está expressa nos Anexos I e II que compõem o Decreto e se baseia nos parâmetros e diretrizes acima citados:

R$caução = A x C x 25,96 x In?a¹ 

Destaca-se que a caução ambiental deverá ser implementada por estrutura e mantida por toda vida útil da barragem, desde sua instalação até a conclusão da descaracterização e da recuperação socioambiental da área impactada pela barragem.

As modalidades legalmente estabelecidas para a prestação da caução ambiental são: (i) depósito em dinheiro; (ii) certificado de depósito bancário (“CDB”); (iii) fiança bancária e (iv) seguro garantia. Cada uma destas modalidades apresenta características e obrigações próprias, expressamente previstas no Decreto, e que ainda serão regulamentadas. O empreendedor poderá optar por uma ou mais modalidades para efetivação da caução ambiental.

Uma vez estabelecida(s) a(s) modalidade(s) e realizado o cálculo do valor a ser caucionado, o empreendedor deve apresentar a proposta à Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento (“SISEMA”), para análise de aprovação ou reprovação.

A reprovação da proposta acarretará o arquivamento do processo de licenciamento ambiental, independentemente da aplicação de medidas jurídicas civis, administrativas e penais. Já nos casos de barragens em operação, desativadas ou em processo de descaracterização, além das demais sanções e medidas cabíveis, poderá ser imposta a sanção administrativa de suspensão imediata das licenças ambientais (empreendimento/estrutura). A penalidade de arquivamento ou suspensão das licenças tem impacto direto na produção das empresas, sendo, portanto, um ponto de alto nível de atenção na norma.

Neste aspecto é importante observar outro ponto que entendemos relevante, por ausência de regulamentação no diploma normativo. O Decreto não prevê expressamente quais são as hipóteses de reprovação da proposta, bem como não apresenta o procedimento a ser adotado para a impugnação da decisão que reprovar a caução. A ausência dessas previsões gera um cenário de insegurança jurídica e torna a aplicação das disposições normativas temerária, de modo que se espera que estes sejam pontos a serem ainda considerados para regulamentação pelo Estado de Minas Gerais.

Empreendedores de barragens com licença prévia ou licença de instalação já concedidas à época da publicação do Decreto em comento terão prazo até 28/03/2024 para apresentar suas propostas de caução ambiental, constituindo requisito essencial à obtenção da licença de operação. 

Os empreendedores de barragens com licença de operação já concedida, barragens desativadas ou barragens em processo de descaracterização deverão adotar um cronograma de no máximo 3 (três) anos para a implementação da caução ambiental, sendo necessário que: (i) o cronograma seja apresentado no prazo até 29/03/2024; (ii) 50% do valor da caução seja implementado até 30/12/2024; (iii) 25% do valor da caução seja implementado até 30/12/2025; e (iv) 25% do valor da caução seja implementado até 30/12/2026.

O valor implementado da caução ambiental deverá ser atualizado a cada 5 (cinco) anos, contados da emissão da licença de operação do empreendimento ou contados da data final do cronograma de sua implementação.

Além da caução ambiental prestada, importante destacar que permanecem sendo obrigações do empreendedor: (i) promover a gestão de passivos ambientais decorrentes de atividades executadas no empreendimento; (ii) proceder a descaracterização da barragem e (iii) promover a recuperação socioambiental integral da área por ela ocupada ou atingida.

A execução da caução ambiental pelo Estado se dará caso a Fundação Estadual de Meio Ambiente (“FEAM”) ateste abandono da barragem ou ocorrência de sinistro, situações que desencadearão a notificação da seguradora, da instituição financeira ou do Tesouro Estadual para efetuar o pagamento ou disponibilizar o valor caucionado, conforme a natureza da modalidade da garantia oferecida pelo empreendedor. 

A execução da caução, no entanto, não exime o empreendedor de reparar integralmente danos socioambientais causados pela instalação, operação ou descaracterização da barragem, bem como por sinistros ou desastres envolvendo mau funcionamento ou rompimento da barragem, conforme expresso no Decreto em comento. Trata-se de outro ponto de atenção e, em nosso entendimento, questionável da norma – se a caução tem por objetivo garantir a execução da recuperação ambiental dos danos causados pela estrutura, a sua execução não deveria ser suficiente para o cumprimento da obrigação de reparação dos danos pelo empreendedor? A norma não deixa isso claro. 

Ademais, o Decreto deixa de detalhar a forma como o Estado poderá utilizar o valor da caução ambiental, na hipótese de sua execução, sendo este mais um ponto relevante, cuja ausência de uma regulamentação pode gerar insegurança jurídica na aplicação da norma. O Estado poderá utilizar a garantia dada por um empreendedor na recuperação de danos causados por barragem de outros empreendedores? O Estado poderá utilizar o dinheiro em obras públicas? Essas são questões que, ao nosso ver, ainda necessitam de esclarecimento e regulamentação pelo Estado.

Ainda, de acordo com o disposto no art. 22 do Decreto, caso não sobrevenha sinistro, o empreendedor poderá solicitar o levantamento da caução, desde que sejam atendidos, cumulativamente, os seguintes requisitos: (i) a descaracterização da barragem seja atestada pela “FEAM”, nos termos do art. 23 do Decreto Estadual n. 48.140/2021; (ii) a recuperação socioambiental da área impactada pela barragem seja certificada por órgão ou entidade do “SISEMA”, cujas medidas deverão ser implementadas na forma de regulamento do órgão ou entidade do “SISEMA”.

É importante, também, observar o risco de a aplicação do Decreto ocasionar dupla penalização pelo mesmo fato (bis in idem), na medida em que existe a previsão de execução da caução nas hipóteses legalmente previstas no Decreto a serem atestadas pela FEAM, com a ressalva legal de que o empreendedor não se exima de reparar integralmente danos socioambientais causados pela instalação, operação ou descaracterização da barragem, sinistros ou desastres envolvendo mau funcionamento ou rompimento da barragem.

Nestes termos, observa-se, por se tratar de normativo recente, que ainda existem pontos no Decreto a serem esclarecidos e/ou regulamentados, conforme alguns dos destaques trazidos neste texto.

Apesar do louvável objetivo da norma – regulamentar o procedimento de garantia de fundos para a execução da recuperação ambiental nos casos de atividades de barragens em Minas Gerais – alguns pontos do seu procedimento e forma de cumprimento são obscuros e não apresentam a necessária segurança jurídica que se espera de uma regulamentação normativa de tema relevante como a segurança de barragens.

Espera-se que o Estado esclareça os pontos relevantes e ainda passíveis de regulamentação, os quais não se limitam aos aqui abordados, a fim de que o Decreto possa ser integralmente implementado e executado, dentro de um contexto de segurança jurídica para todos os envolvidos.

¹ Sendo “R$caução” o valor da caução em reais, “A”, a área do reservatório da barragem em metros quadrados (m2), “In?a”, o valor de correção in?acionária, com base no Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA, acumulada a partir de fevereiro de 2022 e “25,96”,  os custos estimados dos projetos de descaracterização de barragens, equivalente a R$25,96/m2, conforme Pulino, A. (2010) e corrigido pela in?ação acumulada entre janeiro de 2010 e janeiro de 2022, conforme a base de cálculo do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA.