Reflexões sobre o regime de bens em casamento de pessoas com mais de 70 anos


Reflexões sobre o regime de bens em casamento de pessoas com mais de 70 anos


Por Stefania Masetti e Dayane L. Santana 

O início do calendário judiciário neste ano veio acompanhado de uma importante decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), no sentido de que o regime obrigatório de separação de bens em casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoas com mais de 70 anos pode ser alterado pela vontade das partes, o que significa que se firmou entendimento contrário à obrigação de adoção do regime de separação de bens (ARE 1309642). 

A decisão em questão foi proferida quando do julgamento do ARE 1309642, que culminou no Tema 1236 do STF, com a seguinte redação: “nos casamentos e uniões estáveis envolvendo pessoa maior de 70 anos, o regime de separação de bens previsto no artigo 1.641, II, do Código Civil, pode ser afastado por expressa manifestação de vontade das partes mediante escritura pública”.

Antes da decisão, pelo Código Civil, maiores de 70 anos só poderiam se casar pelo regime de separação de bens, uma vez que o artigo 1.641 é expresso no sentido de que pessoas com mais de 70 anos são obrigadas a casar-se sob o regime de separação obrigatória de bens. Neste regime é definido que, tanto os bens adquiridos antes do casamento ou união quanto aqueles adquiridos por cada cônjuge ou companheiro durante a convivência do casal permanecem na propriedade individual de cada uma das partes, não havendo divisão do patrimônio em caso de separação. É necessário, para a escolha desse regime, que o casal realize um pacto antenupcial em cartório (previamente ao casamento) ou de contrato em cartório (no caso de união estável). 

Esse entendimento nasceu, à época, da necessidade de preservação da segurança jurídica de idosos em possíveis casamentos realizados apenas por interesse financeiro. 

A inovação trazida pelo STF não reconhece a inconstitucionalidade do regime, como era pretendido pelo recurso interposto, mas apenas dispõe que não dar ao idoso a liberdade de escolha é o mesmo que tratá-lo de forma paternalista e discriminatória, o que deveria ser evitado. O entendimento, evidentemente, faz nascer reflexões importantes acerca do tema.

Conforme bem colocado pelo Ilustre Ministro Relator, Dr. Luís Roberto Barroso, a obrigatoriedade da separação de bens impede que pessoas capazes para praticar atos da vida civil definam o regime de casamento ou união estável mais adequado, apenas em função da idade, ao mesmo tempo em que se verifica o envelhecimento progressivo da população brasileira, o que significa que as pessoas têm envelhecido cada vez mais à frente e vivido, de forma lúcida, por um maior período.

Esse fato por si só, embora tenha culminado no entendimento de que a disposição não é inconstitucional, fez nascer a tese de que, mediante lavratura de escritura pública que evidencia a vontade dos contraentes, é possível afastar a disposição legal contida no art. 1.641 do Código Civil. É dizer, fica facultada às partes a escolha do regime de bens do casamento, mesmo quando um dos cônjuges tenha mais de 70 anos. No entanto, se não for declarada a manifestação de vontade em cartório, vale o que está previsto no Código Civil e fica obrigatório o regime da separação de bens no casamento.

O entendimento foi acompanhado pelo colegiado por unanimidade, sendo certo que, para garantir a segurança jurídica, o Ilustre Ministro, Dr. Cristiano Zanin, acrescentou ao voto do Ministro Barroso que o entendimento será aplicado apenas para casos futuros, ou seja, para casamentos a contar do trânsito em julgado do acordão, não valendo para processos de herança ou divisão de bens que já estejam em andamento.

Não há dúvidas de que a decisão representa um marco na defesa do direito de autodeterminação das pessoas idosas, e o olhar contemporâneo da Corte sobre a sociedade, garantindo a dignidade da pessoa humana e, sobretudo, a garantia de liberdade de escolha da pessoa idosa, que não pode ser afastada, uma vez que, enquanto conservarem suas faculdades mentais, podem fazer suas escolhas, mas não sem garantir a segurança esperada pela legislação civil brasileira.