Reflexão sobre a cultura da litigiosidade e como as ferramentas da psicologia podem auxiliar na resolução de conflitos


Reflexão sobre a cultura da litigiosidade e como as ferramentas da psicologia podem auxiliar na resolução de conflitos


Por Lucielly Matos Oliveira e Tássia Juliane Peixoto Alvim

O ser humano é, por sua essência, complexo. Entender as nuances do pensamento e do comportamento humano é tarefa hercúlea e, ousamos dizer, impossível de ser exaurida.

A compreensão dos comportamentos humanos a partir da perspectiva psicológica, contudo, pode ser uma ferramenta interessante para os operadores do direito atuarem na solução dos conflitos. 

Embora esse tema, a princípio, pareça ter mais relação com o Direito de Família ou Direito Penal, o fato de as instituições, públicas ou privadas, serem formadas por pessoas, justifica que o assunto também seja analisado nas relações jurídicas como um todo. Aliás, tem sido crescente o movimento de interlocução entre advogados, magistrados e psicólogos na tentativa de encontrar alternativas e ferramentas à solução de conflitos envolvendo até mesmo pessoas jurídicas.

Uma tomada de decisão consciente para a solução de um conflito, desapegada de crenças pessoais e de motivações subjetivas estranhas ao objeto da discussão, pode ser determinante para que a empresa, por exemplo, resolva situações que fatalmente poderiam lhe gerar maior prejuízo ou que não seriam interessantes aos seus negócios.

Há, inclusive, uma tendência no âmbito das organizações societárias de constituírem órgãos colegiados para deliberações sobre solução de conflitos justamente como forma, dentre outros aspectos, de também mitigar o risco de que o subjetivismo prepondere sobre os interesses da sociedade empresária. 

Você pode estar se perguntando: mas em qual momento a psicologia poderia contribuir nessa tomada de decisão? E a resposta é: ajudando as partes a estarem mais distantes das motivações subjetivas ou de suas crenças pessoais e mais focadas na racionalização do conflito e da respectiva solução.

Não raras vezes, as partes transferem a um terceiro – geralmente ao Poder Judiciário – a responsabilidade pela solução das demandas por não conseguirem pensar, consensualmente, sobre as alternativas de resolução. Alguns processos judiciais se arrastam por muitos anos enquanto as partes esperam um julgamento cujo resultado poderia ser alcançado em vias alternativas. 

Durante nossa experiência atuando na advocacia contenciosa, voltada para solução de demandas judiciais, deparamo-nos com clientes focados em ‘vencer’ o processo e que não refletem, estrategicamente, sobre como aquela briga atrapalha o plano de negócios ou mesmo atrai riscos desnecessários à empresa, por exemplo.

Não obstante a estatística tenha sido uma ferramenta interessante para análise de risco envolvendo processos judiciais – vide por exemplo a jurimetria –, a questão que estamos abordando neste artigo diz respeito a autonomia das partes para solucionarem conflitos a partir da compreensão sobre o que as move a permanecer ou não brigando.

O Brasil ainda é um país marcado pela cultura da litigiosidade. De acordo com o último levantamento realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em 2021, os tribunais do país possuem acervo de 75,4 milhões de processos pendentes de julgamento. 

Certamente esse número assustador de processos pode ser compreendido como reflexo do comportamento de uma sociedade que, de forma sistemática no pensar e agir, tem dificuldade de lidar com os problemas de forma racional, propositiva e consensual. 

Ocorre que, ao mesmo tempo que as partes transferem ao Poder Judiciário a solução da demanda, elas anseiam pelo resultado em curto prazo, mas a quantidade de processos que abarrotam os acervos dos Tribunais, dentre outros fatores que contribuem para a morosidade, frustram essa expectativa e o problema simplesmente demora anos a fio para ser resolvido.

Nada mais apropriado, portanto, do que utilizar ferramentas advindas de outras ciências humanas, aliadas ao desejo de obter uma justiça mais célere, para se alcançar resultados satisfatórios na resolução de conflitos.

Nesse rumo, já absorvendo esse anseio da sociedade por solução mais célere de seus litígios, o atual Código de Processo Civil traz uma visão mais pragmática do legislador sobre a solução de conflitos. Pode-se dizer que o Código Processual nos convidou à reflexão, incentivando meios alternativos de resolução de conflitos, tais como a conciliação, a mediação e a arbitragem. A criação dos Centros Judiciários de Solução de Conflitos e Cidadania (CEJUSC) também foi mais uma prova da tonalidade conciliadora do atual Código. 

Mas a eficácia desses institutos muitas vezes encontra limitações na falta de treinamento e preparo dos conciliadores e mediadores para entenderem os reais interesses envolvidos no conflito para, então, tentar solucioná-los. E é justamente aqui que alguns aprendizados de psicologia podem contribuir. 

Algumas técnicas da Psicologia, tais como a sumarização positiva, o resumo e o enquadre, ampliam e tornam mais compreensíveis as falas das partes, mostrando a importância da escuta não nervosa, da interpretação do que a outra parte pretende, da linguagem corporal, por exemplo. 

É certo, também, que tais métodos são destinados àqueles que prezam pela relação pessoal ou de convivência com a outra parte ou que não podem renunciar desta relação; são para aqueles que se disponham a revisar posições assumidas, muitas vezes, no sentido de embate. 

Como visto, essas ciências – o Direito e a Psicologia – podem alcançar bons resultados quando estão interligadas. É de extrema importância que o Direito acompanhe o desenvolvimento interdisciplinar, afastando a visão de que ele seria uma disciplina autônoma, como se acreditava tradicionalmente. 

Diante das novas proposições para achatarmos a curva desproporcional de crescimento vertiginoso de demandas judiciais, nosso convite é para, quando nos depararmos com um conflito, refletirmos: brigar para ter razão ou buscar uma solução?