Nos últimos dias foi amplamente noticiada a edição de uma Medida Provisória que determinou que as prestadoras de serviço telefônico disponibilizassem ao IBGE a relação dos nomes, números e endereços de centenas de milhões de consumidores, entre pessoas físicas e jurídicas.
Trata-se da MP n.º 954, de 17 de abril de 2020, assinada pelo Presidente da República, cuja finalidade prevista na própria norma é a produção de estatística oficial, por meio de entrevistas em caráter não presencial, no âmbito de pesquisas domiciliares, durante a situação de emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus (Sars-CoV-2).
A Medida explana, ademais, que os dados compartilhados terão caráter sigiloso e serão eliminados da base da Fundação IBGE após o prazo de trinta dias, contados do fim da situação de emergência na saúde.
Diante disso, a OAB e três partidos políticos se apressaram para ajuizar ações no Supremo Tribunal Federal no domingo, 19/04, e na segunda-feira, 20/04, para questionarem a constitucionalidade das disposições editadas.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIn) proposta por um dos partidos fundamenta que não há razoabilidade e proporcionalidade no tratamento destes dados e discute a possibilidade de realização de marketing digital direcionado personalizado aos titulares dos dados, destacando a existência de ação, em trâmite perante o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), em que é investigado o uso indevido de envio de mensagens por aplicativo para influenciar o resultado da eleição presidencial de 2018.
Em outra ADIn, a OAB também consignou que a medida provisória em análise é inconstitucional, pois viola o sigilo de dados dos brasileiros, defendendo que não há, na MP, a devida justificativa ou a especificação da finalidade para a qual o tratamento dos dados se prestará.
A OAB argumentou que: “o que se tem é apenas que o período de vigência da MP coincide com o da pandemia. Ou seja, os dados coletados a partir da quebra do sigilo pessoal, poderão ser utilizados para as mais diversas pesquisas, com as mais variadas finalidades que não possuem qualquer urgência ou relevância que justifique a violação de um direito fundamental para a sua realização. Portanto, inexistente o requisito da relevância”.
Entre outros requerimentos, foi pleiteada a concessão de medida liminar para a imediata suspensão da eficácia da MP que, por sua vez, impõe às operadoras de telefonia que repassem os dados a partir de 7 dias da publicação da norma, ou seja, 24 de abril de 2020.
A relação entre a Medida Provisória – e, principalmente, entre o que é alegado nas ADIns – e a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) é evidente. Em que pese obviamente a referência à violação ao art. 5º incisos X e XII da Constituição (que garantem como direitos do indivíduo em resumo a privacidade e vida privada, e a inviolabilidade e sigilo de dados), nota-se que foram utilizados diversos conceitos, princípios e direitos disciplinados na LGPD, que ainda não está em vigência, mas já representa referência legal no País quanto à matéria e, obviamente, pode influenciar decisões que permeiam esta temática.
Para ilustrar a intimidade entre as diretrizes da LGPD e o caso em exame é oportuno realizar breve registro de que a LGPD define que as atividades de tratamento de dados pessoais, como a que será exercida pelo IBGE, deverá observar, dentre outros, os princípios da finalidade (tratamento para propósitos legítimos, específicos, explícitos) – o que elimina informação de forma genérica, adequação com as finalidades informadas e demonstração de necessidade do tratamento para o fim proposto. Além disso, a LGPD possui como fundamento estabelecido no art. 2º, inciso II, a autodeterminação informativa, ou seja, o poder de controle do indivíduo sobre a utilização de seus dados, determina que, sempre que possível, deve ocorrer a anonimização dos dados quando o tratamento for realizado para estudos por órgão de pesquisa, e a elaboração pelo controlador dos dados pessoais de relatório de impacto contendo a descrição dos processos de tratamento que podem gerar riscos e as medidas de mitigação tomadas (a ser divulgado pelo IBGE nos termos do art. 3º, §2º da referida MP).
Já estão em vigor os artigos da LGPD que dispõem sobre a criação da Autoridade Nacional de Proteção de Dados, órgão vinculado à presidência da república, a qual compete, efetivamente, garantir a proteção dos dados pessoais. Entretanto, apesar de criado, ainda não há qualquer cronograma de constituição efetiva do órgão, que certamente auxiliaria na resolução deste conflito, ou, até mesmo, poderia tê-lo evitado.
Diante dos pedidos realizados, a Ministra Rosa Weber determinou nesta terça feira o prazo de 48 horas para que a Advocacia Geral da União explique a permissão para que o governo acesse os dados pessoais e preste esclarecimentos sobre a forma de acesso, incluindo a ANATEL para prestação de esclarecimentos sobre a forma de realização a “estatística oficial” citada na MP.
Nossa equipe está atenta aos acontecimentos e atualizaremos nossos clientes à medida do desenrolar desse assunto.