O paradoxo do país da agricultura: Como o conflito Ucrânia x Rússia poderá reduzir drasticamente a produção agrícola no Brasil por ausência de fertilizantes


O paradoxo do país da agricultura: Como o conflito Ucrânia x Rússia poderá reduzir drasticamente a produção agrícola no Brasil por ausência de fertilizantes


Por Izabelle Lauar Schirmer e Paula Novaes Silva

Não é novidade que, mais cedo ou mais tarde, viveríamos uma drástica crise mundial no setor de alimentos. O alerta vem sendo feito há anos, mas a guerra está acelerando esse processo. E como o Brasil fica nessa história? 

Não há quem nunca tenha ouvido falar que o Brasil é um dos líderes mundiais no setor de agronegócio. A produção agrícola foi responsável pelo aumento de 10,79% no PIB do agronegócio em 2020 no Brasil, o que representa $268 bi, conforme dados divulgados pelo CEPEA - Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada, com apoio financeiro da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA)[1].

Adentrando na problemática atinente à disponibilidade de fertilizantes e os impactos ocasionados pela guerra, a título de contextualização, vale mencionar a entrevista de Svein Tore Holsether, chefe da Yara International, empresa com sede na Noruega que opera em mais de 60 países e compra quantias consideráveis de matéria-prima da Rússia, sendo, por isso, considerada uma das maiores empresas de fertilizantes do mundo, à BBC News[2],  na qual afirmou uma possível catástrofe no setor de produção de alimentos, ante o cenário preocupante e imprevisível relativo ao fornecimento de fertilizantes desde o início da guerra, já que a Rússia e a Ucrânia são principais produtoras mundiais desse insumo.

Em suas palavras, afirmou que: “Metade da população mundial obtém seus alimentos graças ao uso de fertilizantes, e se isso for retirado de alguns cultivos, essa produção pode cair até 50%. Para mim, não é uma questão se vamos ou não entrar numa crise global de alimentos, mas quão grande será essa crise.”

A preocupação atual é que, desde o início da guerra, com as sanções econômicas impostas à Rússia por parte de países europeus e dos Estados Unidos, a importação restou prejudicada e o desabastecimento interno de fertilizantes já é uma consequência esperada.

A partir daqui se inicia o paradoxo. O Brasil, como dito, tem alto protagonismo no setor agrícola, mas ainda é o maior importador de fertilizantes do mundo, já que 85% dos fertilizantes utilizados para produção interna vêm do exterior, e grande parte deles da Rússia, de acordo com dados divulgados pela matéria publicada por Alessandra Azevedo, com base em balanço da Associação Nacional para Difusão de Adubos (Anda) e do Comex Stat, do Ministério da Economia[3].  

A falta de fertilizantes para produção interna é alarmante, mas não foi falta de aviso! Há muitos anos o tema vem sendo debatido no país. A pergunta que não quer calar é: Por que o Brasil, quarto maior exportador mundial de produtos agropecuários, inegavelmente dependente da produção agrícola para sua própria subsistência, não investiu na produção doméstica de seus próprios fertilizantes? 

Não há uma única resposta, mas é certo que falta de incentivo fiscal é um dos grandes fatores. 

Desde 1997[4], o Brasil vem concedendo isenção fiscal do ICMS para importação de fertilizantes. Por outro lado, as aquisições de fertilizantes ou seus insumos em operações domésticas, quando o fornecedor está localizado em outro Estado, são oneradas por carga tributária nominal de ICMS correspondente a 4,9% ou 8,4%, a depender dos Estados envolvidos.

Esse é um exemplo típico que nos faz entender o poder de uma política fiscal, que pode fomentar ou desacelerar o desenvolvimento interno em alguns setores. 

Uma notícia importante é que, no último dia 11/03/2022, foi aprovado pelo Governo Federal o Plano Nacional de Fertilizantes, que tem o objetivo de fomentar a produção de fertilizantes no país pelos próximos 28 anos.  

O Plano pretende estimular “desenvolvimento de tecnologias para produção em solo brasileiro e a formação de redes de apoio tecnológico ao produtor rural”, traz “uma política fiscal favorável ao setor, incremento de linhas de fomento ao produtor, incentivos a ações privadas, expansão da capacidade instalada de produção, melhorias na infraestrutura e logística nacionais.”, tal como divulgado pelo site oficial do Governo Federal[5].

Além disso, já está em trâmite, na Câmara dos Deputados, o Projeto de Lei nº 3507/21, que também propõe estímulo ao setor por meio de isenção da tributação sobre máquinas, equipamentos, materiais de construção civil e serviços contratados para efetivar os projetos de produção de fertilizantes e seus insumos. O projeto ainda concede outros benefícios, tais como compra de gás natural pelas empresas fabricantes de adubos e fertilizantes e concessão de crédito presumido de PIS e Cofins sobre a aquisição de insumos destinados à fabricação de fertilizantes[6]. 

Ainda é cedo para concluirmos se as medidas serão suficientes para acelerar esse nicho e conter a falta de fertilizantes no país a curto e longo prazos, mas, apesar do contexto em que foi aprovado e das pressões para que o projeto saísse do papel, podemos, a princípio, celebrar uma mobilização ativa do Governo Federal para fomentar esse setor. Vamos aguardar as cenas dos próximos capítulos...

[1] https://www.cepea.esalq.usp.br/br/pib-do-agronegocio-brasileiro.aspx

[2] https://www.bbc.com/portuguese/internacional-60646557

[3] https://exame.com/brasil/com-a-guerra-na-ucrania-vai-faltar-fertilizante-no-brasil/

[4] Convênio ICMS n° 100/1997